Quase um ano depois de reunir embaixadores no Palácio da Alvorada para atacar o sistema de urnas eletrônicas, o ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado à inelegibilidade, por oito anos, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O julgamento durou quatro sessões e terminou, nesta sexta-feira, com o placar de 5 x 2 pela punição do ex-chefe do Executivo por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação para tentar interferir na escolha dos eleitores.
O voto do relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, foi seguido pelos ministros Floriano Marques, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. A favor da absolvição ficaram os ministros Raul Araújo e Kassio Nunes Marques — indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por Bolsonaro.
A decisão ocorreu em uma Ação de Investigação Eleitoral (AIJE), protocolada pelo PDT. O partido questionou a reunião de Bolsonaro com embaixadores, em 18 de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, na qual levantou dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral, sem apresentar provas. O encontro teve transmissão da TV Brasil e das redes sociais da emissora pública.
O julgamento foi retomado, nesta sexta-feira, com placar de 3 x 1 pela condenação. O voto que selou o destino político de Bolsonaro foi o da ministra Cármen Lúcia.
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Assim que começou a falar, a magistrada afirmou que seguiria o entendimento de Benedito Gonçalves. A decisão dela consolidou a maioria do TSE a favor da punição.
Para Cármen Lúcia, as declarações de Bolsonaro na reunião tentaram minar a realização das eleições e poderiam ter provocado graves consequências ao regime democrático. "Essa consciência de perverter faz com que não apenas o ilícito tenha acontecido, colocando em risco a normalidade, a legitimidade do processo eleitoral e, portanto, da própria democracia, mas isso foi divulgado, ou seja, com o uso indevido dos meios de comunicação para solapar a confiabilidade de um processo sem o qual nós não teríamos sequer o Estado de Direito", frisou.
Segundo do dia a votar, o ministro Nunes Marques disse que as declarações de Bolsonaro não ocorreram para obter vantagem eleitoral e não representam ilegalidade.
"Tenho como irrefutável a integridade do sistema eletrônico de votação. Nada obstante, retornando ao objeto desta ação, considero que a atuação de Jair Messias Bolsonaro no evento sob investigação não se voltou a obter vantagem sobre os demais contendores do pleito presidencial de 2022, tampouco faz parte de tentativa concreta de desacreditar o resultado da eleição", avaliou.
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Moraes
O último expor o voto foi o presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Ele enfatizou que o ex-chefe do Executivo mentiu em diversas declarações, inclusive espalhando informações falsas sobre as eleições, com a clara intenção de obter vantagens sobre os concorrentes e instigar eleitores contra a Justiça Eleitoral.
Moraes leu declarações de Bolsonaro, inclusive um trecho em que o ex-presidente sustentou que as afirmações contra as urnas tinham sido confirmadas pelo TSE e pela Polícia Federal. O magistrado destacou que tratou-se de informação mentirosa.
"'Tudo o que eu falo aqui é conclusão da Polícia Federal ou informações do TSE'. Mentira. 'Não é um sistema confiável porque não é auditável'. Mentira", listou o ministro. "Uma série de informações mentirosas, notícias fraudulentas. Objetivo foi simplesmente desopilar? Presidente acordou nervoso, quis desopilar, e, aí, vamos atacar o sistema?"
O magistrado completou dizendo que, no encontro, apenas Bolsonaro falou, deixando patente o objetivo eleitoral, não um debate de ideias. "Monólogo eleitoreiro, a pauta da reunião definida pelo presidente, uma pauta dele, pessoal, eleitoral, faltando dois meses e meio para o primeiro turno das eleições", ressaltou. "Qual foi essa pauta? Instigar seu eleitorado e eleitores indecisos contra a Justiça Eleitoral, contra as urnas eletrônicas", completou.
Segundo o presidente da Corte, o Poder Judiciário não pode fingir que não está percebendo irregularidades. "A Justiça Eleitoral, como toda Justiça, pode ser cega, mas não é tola. Nós não podemos criar, de forma alguma, o precedente avestruz — todo mundo sabe o que ocorreu, todo mundo sabe o mecanismo utilizado para conseguir votos, mas todos escondem a cabeça embaixo da terra", arrematou.
Ao contrário do que ocorre na esfera penal, a decisão do TSE tem efeito imediato e não precisa esperar o chamado acórdão, uma publicação oficial com o resultado do julgamento.
Com isso, Bolsonaro fica impedido de disputar qualquer cargo eletivo nos pleitos de 2024, 2026 e 2028. Em relação ao de 2030, existe controvérsia se ele poderia participar, pois a inelegibilidade começa a contar do dia da votação em primeiro turno de 2022, ou seja, 2 de outubro. Em 2030, as eleições devem ocorrer em 5 de outubro. Portanto, ele ficaria apto a concorrer três dias antes. Porém, o nome do candidato tem de ser aprovado com antecedência.
Recursos
A defesa de Bolsonaro pode entrar com embargos de declaração no TSE ou recurso extraordinário, eventualmente com pedido de liminar, ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os efeitos do julgamento. Mas nenhum dos recursos têm poder de alterar o resultado na Corte eleitoral, e as chances de que qualquer contestação seja aceita são baixas.
Os embargos de declaração buscam esclarecer eventuais obscuridades ou contradições nos votos dos ministros. No caso do recurso extraordinário, a defesa precisa provar que o julgamento violou regras constitucionais.
Os advogados do ex-presidente pretendem dizer que a defesa foi cerceada. No Supremo, os ministros que votaram no TSE não podem ser sorteados como relatores da ação, mas votam caso o tema seja enviado para análise do plenário.