O ex-procurador e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol negociou em sigilo com autoridades dos Estados Unidos um acordo para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades em razão de corrupção. De acordo com uma reportagem do UOL, em parceria com a newsletter A Grande Guerra, a negociação não envolveu a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por lei para o caso.
De acordo com a reportagem, procuradores suíços e brasileiros conversaram por mais de três anos pelo Telegram e as conversas não eram registradas oficialmente. Os diálogos aconteciam por causa do papel das autoridades de Berna, capital da Suíça, na busca, confisco e detalhamento das contas usadas como destino das propinas investigadas na operação.
As conversas fazem parte dos arquivos apreendidos pela Polícia Federal (PF) durante a operação Spoofing, que investiga o vazamento das mensagens trocadas entre autoridades da Operação Lava-Jato obtidas por hackers, o caso conhecido como Vaza Jato. De acordo com as mensagens, no dia 29 de janeiro de 2016 Deltan escreveu aos suíços para contar o resultado da primeira reunião entre ele e as autoridades americanas.
"Proteção às testemunhas de cooperação: eles protegerão nossos cooperadores contra penalidades civis ou restituições; Penalidades relativas à Petrobras. O pano de fundo: O DOJ [Departamento de Justiça norte-americano] e a SEC aplicarão uma penalidade enorme à Petrobras, e a Petrobras cooperou totalmente com eles. Eles não precisariam de nossa cooperação, mas isso pode facilitar as coisas e, se cooperarmos, entendemos que não causaremos nenhum dano e poderemos trazer algum benefício para a sociedade brasileira, que foi a parte mais prejudicada (e não os investidores dos EUA). Como estávamos preocupados com uma penalidade enorme para a Petrobras, muito maior do que tudo o que recuperamos no Brasil, e preocupados com o fato de que isso poderia prejudicar a imagem de nossa investigação e a saúde financeira da Petrobras, pensamos em uma solução possível, mesmo que não seja simples. Eles disseram que se a Petrobras pagar algo ao governo brasileiro em um acordo, eles creditariam isso para diminuir sua penalidade, e que o valor poderia ser algo como 50% do valor do dinheiro pago nos EUA", narra Deltan Dallagnol.
Dois anos depois, a Petrobras fecharia um acordo com os EUA, aceitando pagar uma multa de US$ 853,2 milhões para não ser processada e encerrar o escândalo da Lava Jato. O acordo garantiu que 80% do valor fosse recebido pelas autoridades brasileiras. Parte desse montante seria destinado a um fundo que a pela Lava Jato tentaria criar. No entanto, a pedido da Procuradoria-Geral da República, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a criação do fundo.
Em outra mensagem, Deltan afirma: "Outras empresas internacionais: elas concordam em buscar um acordo conjunto. Mencionei que estamos caminhando junto com vocês e eles disseram que é possível coordenar um acordo conjunto com o Brasil e a Suíça quando ambos os países tiverem casos em relação à empresa... Ressaltei a importância das provas suíças em relação a muitas empresas. Se isso der certo, nós (suíços e brasileiros) podemos tirar proveito dos poderes dos EUA para pressionar as empresas e cooperar e fazer acordos. Tudo isso foi discutindo apenas com a SEC. Ainda temos que discutir com o DOJ [Departamento de Justiça norte-americano]. Se quiser, posso colocá-lo em contato direto com as autoridades da SEC e do DOJ com quem conversamos. Eles disseram que estão disponíveis".
Com a informação, o procurador suíço, Stefan Lenz, comemorou: "Muito obrigado por essa informação, que é muito importante para nós, Deltan!".
No mesmo dia das mensagens, de acordo com a reportagem, um procurador brasileiro, identificado como 'Douglas' nas mensagens, enviou aos representantes da Suíça uma lista de contatos entre as autoridades dos EUA relacionadas com fraude da Seção de Confisco de Bens e Lavagem de Dinheiro e de outros setores.
Troca de mensagens
As trocas ilegais de informação não se limitaram à Suíça. Em uma série de reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil, conversas mostraram a proximidade, as reuniões e as trocas ilegais de informação entre brasileiros e norte-americanos.
Segundo as reportagens, o ex-procurador escondeu, no mínimo, 17 agentes norte-americanos que estiveram em Curitiba em 2015 sem conhecimento do Ministério da Justiça. Conforme a publicação, os procuradores da Operação Lava Jato ainda sugeriram aos norte-americanos meios para permitir que os EUA ouvissem delatores da Petrobras no Brasil, o que contraria um entendimento do Supremo Tribunal Federal.
Em uma troca de mensagens de fevereiro de 2016, Dallagnol foi alertado pelo procurador Vladimir Aras sobre a ilegalidade da proposta.
Dallagnol: "Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo".
Aras: "A questão não é de conveniência. É de legalidade, Deltan. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ [Ministério da Justiça] a intermediação. Estamos negociando com o Senado um caminho específico para os casos do MPF. Por ora, precisamos observar as regras vigentes".
Até o momento, o ex-procurador não se manifestou sobre as mensagens reveladas.
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