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Acordo Mercosul-UE pode sair este ano, anuncia Lula

Em Bruxelas, na abertura da cúpula entre países europeus, latino-americanos e caribenhos, presidente cobra que acerto entre blocos seja feito à base da confiança, não da ameaça. Ursula von der Leyen considera ser possível superar entraves

Vicente Nunes - Correspondente em Portugal
postado em 18/07/2023 03:50
Presidente Lula da Silva e presidenta Ursula von der Leyen. -  (crédito: Fotos: Ricardo Stuckert/PR)
Presidente Lula da Silva e presidenta Ursula von der Leyen. - (crédito: Fotos: Ricardo Stuckert/PR)

Lisboa — O Brasil vai trabalhar duro para que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia saia ainda este ano, depois de duas décadas de negociação, mas desde que os dois lados ganhem. Mais do que isso, é preciso respeito de todas as partes. O recado foi dado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Bruxelas, durante a abertura da reunião de cúpula entre a União Europeia e a Comissão dos Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac).

"Queremos assegurar uma relação comercial justa, sustentável e inclusiva. A conclusão do acordo Mercosul-União Europeia é uma prioridade e deve estar baseada na confiança mútua, e não em ameaças", cobrou.

O discurso de Lula reflete o descontentamento dos sócios do Mercosul com um recente posicionamento da UE. Por meio de um documento enviado ao bloco sul-americano, os europeus impuseram uma série de punições em caso de desmatamento. Para ele, não se pode ameaçar parceiros.

Na tentativa de aparar as arestas, a presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, disse que é possível superar todos os entraves para que o tratado comercial seja assinado até o fim do ano. Ela manifestou otimismo de que, como pretende Lula, a parceria se concretize nos próximos meses. Tanto que prevê benefícios para as duas regiões, com mais empregos e melhor qualidade de vida.

"Queremos trabalhar de mãos dadas com nossos parceiros da América Latina, e isso será possível se conseguirmos concluir o acordo entre a UE e o Mercosul", disse ela, ao lado de Lula, depois de se encontrarem antes da abertura da reunião de cúpula.

No entender do presidente, a defesa de valores ambientais, compartilhada por todos, não pode ser desculpa para o protecionismo. Além disso, ele acrescentou que o poder de compra do Estado é uma ferramenta essencial para os investimentos em saúde, educação e inovação. Sua manutenção, portanto, é condição para a industrialização verde que todos querem levar adiante.

"Proteger a Amazônia é uma obrigação. Vamos eliminar o desmatamento até 2030. Mas a floresta tropical não pode ser vista apenas como um santuário ecológico", frisou.

Segundo Lula, o desenvolvimento sustentável possui três dimensões inseparáveis: a econômica, a social e a ambiental. "O mundo precisa se preocupar com o direito de viver bem dos habitantes da Amazônia. É com esse objetivo que sediaremos, em menos de um mês, a Cúpula de Países Amazônicos, em Belém, no coração da floresta", destacou.

As ameaças de punição aos países do Mercosul em caso de desmatamento foram lideradas, sobretudo, pela França, que teme a competição do agronegócio brasileiro.

A presidente da CE destacou que a presença de Lula na reunião de cúpula tem uma dimensão histórica. "Dou-lhe as boas-vindas e saúdo o ressurgimento do Brasil como grande ator no cenário global. Isso vem em boa hora e já tem um impacto positivo para a parceria estratégica entre as duas regiões", frisou.

Ela ressaltou, ainda, que a primeira reunião entre os representantes da UE e da América Latina, depois de oito anos, ganha um peso especial. "O mundo, sem dúvida, mudou muito nesse período. Passamos por uma pandemia global, temos uma grande guerra em território europeu e enfrentamos um desafio monumental com as mudanças climáticas. Por isso, precisamos dos nossos amigos próximos do nosso lado nesta época de tantas incertezas", acrescentou.

"Queremos trabalhar de mãos dadas com vocês para lidarmos com os grandes desafios do nosso tempo e discutir como conectar mais os nossos povos e as nossas empresas, reduzir os riscos, reforçar e ampliar as cadeias de abastecimento, fortalecer as economias, reduzir as desigualdades sociais e dar benefícios a todos. Tudo isso será possível se conseguirmos concluir o acordo UE-Mercosul", assinalou Von der Leyen.

Transição energética

Lula afirmou ser muito produtivo o regresso a uma cúpula da UE. "Nosso país ficou seis anos afastado de qualquer atividade de política internacional, menosprezando a importância do que significa relações diplomáticas e comércio exterior. Queremos compartilhar com a União Europeia não apenas as questões econômicas, mas também as discussões sobre as questões climáticas", disse.

Segundo o presidente, o Brasil tem enorme potencial para liderar o processo de transição energética no mundo. "Esse é um assunto que é de interesse da União Europeia e do Brasil. No projeto de desenvolvimento do Brasil, que será apresentado em agosto, terá um grande destaque para a transição energética, o maior projeto de um país em desenvolvimento. Queremos que, nesse debate, a União Europeia entenda que investir na Amazônia, com 50 milhões de habitantes, é importante", salientou.

Brasil quer equilíbrio para fechar parceria dos blocos

Diante das reiteradas declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e do primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, sobre a disposição de se fechar o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul ainda neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que está disposto a levar as negociações adiante, mas desde que de "forma equilibrada". O brasileiro levantou o tom em relação aos europeus depois de um documento pretender impor uma série de sanções aos sócios do bloco sul-americano em caso de desmatamento.

"Um acordo entre Mercosul e União Europeia equilibrado, que pretendemos concluir ainda este ano, abrirá novos horizontes. Queremos um acerto que preserve a capacidade das partes de responder aos desafios presentes e futuros", afirmou Lula durante um fórum com empresários.

Ele ressaltou que a UE é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Além de Von der Leyen e de Sánchez, o tratado entre o Mercosul e a União Europeia é defendido com força pelo primeiro-ministro de Portugal, António Costa. A maior oposição está no governo de Emmanuel Macron, da França, que teme a concorrência brasileira no mercado agrícola.

Consumo

No discurso, Lula assinalou que os países da América Latina e do Caribe continuarão a desempenhar um papel estratégico para a Europa e o mundo, pois é uma região com muitas oportunidades de investimento e de ampliação do consumo. "Somos países que demandam investimentos em infraestrutura logística diversificada, infraestrutura social e urbana", frisou.

Ele destacou, ainda, que a parceria do Brasil com a UE tem um enorme peso, não só na questão comercial, mas também pelos desdobramentos que o acordo comercial que está sendo negociado pelo bloco europeu e o Mercosul pode trazer, ao longo das próximas décadas, para todos os envolvidos. Resta saber se realmente estão dispostos a superar seus interesses específicos em favor da maioria.

Lula garantiu que os investimentos serão conduzidos levando em conta o respeito ao meio ambiente. "O Brasil possui uma matriz energética das mais limpas do planeta: 87% de nossa eletricidade provêm de fontes renováveis contra 27% da média mundial, e 50% de toda a nossa energia é limpa, enquanto, no mundo, a média é de 15%. E iremos melhorar ainda mais esses números, porque estamos dando prioridade à geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel. Também é enorme o nosso potencial de produção de hidrogênio verde", concluiu.

Injeção de R$ 242 bilhões na América Latina e no Caribe

Na tentativa de se reaproximar da América Latina e do Caribe, a presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, informou, ontem, que o bloco europeu investirá 45 bilhões de euros (cerca de R$ 242 bilhões) na região. Há, segundo ela, mais de 135 projetos em análise, lista que pode crescer à medida que os laços entre a União Europeia e os países latinos e caribenhos forem se estreitando. O anúncio dos investimentos foi feito durante um seminário com empresários, pouco antes da abertura, em Bruxelas, da reunião de cúpula entre a UE e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac).

"Temos mais de 135 projetos em análise, de hidrogênio verde a minerais críticos, de rede de cabos de dados de alta performance à produção de vacinas ainda mais eficientes. Juntos, poderemos escolher os setores e cadeias de produção que deverão ser priorizados. Nós chamamos esse programa de global gateway (entrada global)", afirmou Von der Leyen.

Na avaliação da presidente da CE, a reunião de cúpula em Bruxelas marca um novo começo para uma amizade antiga. "A América Latina e o Caribe e a Europa precisam um do outro, hoje, mais do que nunca. O mundo em que vivemos é mais competitivo e conflituoso. Precisamos reforçar nossas economias, enfrentar desigualdades e a pobreza em nossas sociedades, e formar parcerias com países com os quais compartilhamos valores", frisou.

Para Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, que assumiu a presidência temporária da UE, é fundamental que o encontro com a Celac facilite o caminho para que se possa concluir o acordo comercial com o Mercosul ainda no segundo semestre de 2023. "Depois de mais de 20 anos de negociações, acreditamos que temos uma grande janela de oportunidade para concluir o acordo nesses seis meses de presidência. Acredito que será benéfico para ambas as regiões", assinalou.

 

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