Depois de ser negociada até poucos instantes de ser levada a votação, a reforma tributária foi aprovada, ontem, na Câmara dos Deputados. Em primeiro turno, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) passou por 382 x 118 e três abstenções — no segundo turno, o placar foi de 375 a 113 e novamente três abstenções. O resultado foi melhor do que o esperado pelo Palácio do Planalto. A alteração promovida no sistema de impostos do país vem sendo cobrada há décadas pelos setores produtivos, sobretudo porque a última alteração profunda foi realizada durante a ditadura militar.
Vários foram os atores envolvidos na elaboração do relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro que se empenharam para que a reforma fosse apreciada pelo plenário. No circuito de negociações destacam-se o ministro da Fazenda, Fernando Haddad — que articulou politicamente e, também, para que fosse construído um texto que chegasse o mais perto possível dos pleitos de todos os setores afetados; o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que acelerou os trabalhos e fez o meio-campo entre as bancadas e frentes dentro da Casa; e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que ao apoiar o texto quebrou resistência de outros governadores e os galvanizou pela aprovação da matéria.
A única bancada a orientar contra a matéria foi o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas mesmo assim 20 deputados votaram favoravelmente. O partido Novo tentou impedir ue a reforma prosseguisse, mas o pedido de retirada de pauta foi derrubado.
Lira se empenhou até o último instante para que o texto fosse a votação. Em um ato pouco usual na Câmara, ele deixou a mesa diretora e discursou em defesa da PEC. Exortou que estava em julgamento um projeto de país.
"Todos querem um sistema tributário com justiça social simplificada e eficiente. Não nos deixemos também levar pelo radicalismo político. O povo está cansado disso", disse.
Governos anteriores chegaram a apresentar estudos e projetos com propostas de alterações nas leis fiscais, mas nenhum foi adiante. O debate que tramita na Câmara há mais de 30 anos e se iniciou, na atual legislatura, no grupo de trabalho presidido pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) — que definiu as diretrizes para orientar a execução da proposta e o relatório do deputado Aguinaldo Ribero (PP-PB).
Transição
Antes da votação, o relator divulgou um novo substitutivo da proposta — que trouxe uma definição sobre as configurações e atribuições do Conselho Federativo, atendendo aos governadores. Em relação à composição do colegiado, os estados e o Distrito Federal terão 27 membros, um para cada ente federado.
Os municípios e o DF também serão representados por 27 membros, sendo 14 eleitos com base nos votos igualitários e 13 com base nos votos ponderados pelas respectivas populações. O texto define ainda que as deliberações do órgão serão aprovadas em duas etapas, uma por maioria absoluta e outra pelo tamanho da população.
O Conselho será responsável pela arrecadação do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo que vai substituir o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).
A PEC da reforma propõe a junção de cinco tributos em dois impostos sobre Valor Agregado (IVAs). Um deles será gerenciado pela União, outro terá a gestão compartilhada entre estados e municípios (IBS) — a ideia é o chamado "IVA dual".
No embate de meses pela aprovação da reforma Haddad, Tarcísio e Lira podem se considerar vencedores por terem conseguido articular e fechar o texto que foi a votação. Mas, nesta galeria, os congressistas também colocam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que conseguiu votar uma matéria que seus antecessores não conseguiram levar adiante.
Nesse jogo, porém, têm também os que saem perdendo e diminuem de tamanho. É o caso de Jair Bolsonaro, que não conseguiu liderar a oposição contra a reforma. Da mesma maneira, Valdemar Costa Neto está com um gosto amargo na boca: fracassou ao não unir o PL para fechar questão contra a reforma e ainda viu o ex-presidente da República assumir a liderança do debate interno, pautado pelos radicais.
Entre os governadores, o de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), retorna ao Palácio das Esmeraldas isolado diante da articulação feita por Tarcísio de Freitas — que sempre apoiou a reforma e ainda obteve a adesão a ela de vários gestores estaduais e municipais.
Também entre as entidades setoriais há derrotados. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) chegou a dizer que a reforma aumentaria o custo da cesta básica. Foi desmentida pelo relator, que na noite de quarta-feira, ao apresentar seu texto, disse que os produtos que a compõe teriam alíquota zero.
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