Uma comparação objetiva entre o governo Lula e o de Bolsonaro, ao longo desses seis meses, mostra uma mudança da água para o vinho no país. Os indicadores são significativos: o fim do isolamento internacional; a mudança de rumo na questão ambiental e na demarcação das terras indígenas; a retomada das políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança pública e direitos humanos; a aprovação do novo Arcabouço Fiscal; o início da reforma tributária. Portando, não se trata de jogar a criança fora com a água da bacia. Houve uma mudança de rumo muito positiva para a sociedade. Entretanto, o país ainda não deslanchou como deveria.
A primeira razão para isso é a economia estar contingenciada por uma taxa de juros de 13,75%, uma espécie de remédio que virou veneno. Economistas como o mineiro Benito Salomão, ontem, em artigo na Folha de S.Paulo, destacam os sinais de que a curva da desinflação aponta realmente para baixo.
As principais razões, sem economês, seriam a queda gradativa, porém continuada, do dólar, que retrai o peso das importações na cesta inflacionária; o fato de que os reajustes de preços estão sendo feitos muito mais em razão da inflação passada do que devido à expectativa de alta; e a aprovação da nova política fiscal, que deu mais previsibilidade à economia.
O rubicão econômico, porém, parece ser, efetivamente, a reforma tributária. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), garante que será aprovada até sexta-feira, mesmo com a ressaca das festas juninas do Nordeste, apesar dos dias de Santo Antônio (13), São João (24) e São Pedro (29) já terem passado. Votar a reforma tributária não significa aprovar o projeto do governo, com base no relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Cresce a resistência de governadores e prefeitos contra o projeto.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, articula a resistência dos estados exportadores, que temem perdas de receitas com a mudança da arrecadação da origem para o destino. Na outra frente de resistência, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, candidato à reeleição, lidera a oposição dos colegas das grandes cidades, que, supostamente, perderiam receitas para os pequenos municípios. Até hoje, esse tipo de contradição foi a causa recorrente da não-realização da reforma, que altera o pacto federativo.
O novo modelo
Quando a estrutura tributária atual foi criada, na Constituinte, havia farta moeda de troca para articular apoio das bancadas estaduais ao modelo vigente. Agora, não há mais. O rearranjo federativo precisa ser feito no âmbito da própria reforma, que não será neutra — terá ganhadores e perdedores.
O modelo foi inspirado na França e na Dinamarca, que funciona da seguinte maneira: o produtor paga o imposto único sobre o total do preço, já que é o primeiro elo na cadeia; porém, o atacadista, que revende o produto por um preço um pouco maior, paga o tributo somente sobre o valor que adicionou.
No projeto em discussão, o novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA), ao aglutinar impostos sobre o consumo, absorveria o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços (ICMS8) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). O xis da questão é a forma de distribuição do imposto efetivamente recolhido entre os entes da Federação.
O governo quer aumentar a base de cobrança com unificação de tributos, eliminando a separação existente, atualmente, entre o que é produto e o que é serviço, o que tira autonomia dos estados e municípios na arrecadação. Entretanto, ao acabar com as diversas cobranças ao longo da cadeia produtiva, evita o efeito cascata que ocorre hoje. O problema é garantir a isonomia e a uniformidade na tributação do consumo, acabando com distorções entre os setores econômicos.
O governo quer uma taxação de 25% no IVA, o que muitos consideram um aumento da carga tributária. A média na União Europeia é de 21%; nos 36 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 19%; no Japão, apenas 10%; na Hungria, 27% — os Estados Unidos não adotam o modelo. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a reforma terá um impacto de 10% no Produto Interno Bruto (PIB).
Apesar da promessa de Lira, a movimentação de governadores e prefeitos nos bastidores da Câmara contra o projeto do governo pode retardar a aprovação. Alguma forma de compensação de estados e municípios terá que ser encontrada, mesmo com alongamento do prazo para implantação do novo modelo, de 2027 para 2029.
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