JUSTIÇA

Os principais pontos dos votos no julgamento que pode deixar Bolsonaro inelegível

O placar até o momento está em 3 a 1 a favor de condenar Bolsonaro por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. Falta apenas um voto em favor da condenação para formação de maioria


O julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível tem seu terceiro dia nesta sexta (30), com a a leitura de votos dos três ministros que ainda não se pronunciaram.

O placar até o momento está em 3 a 1 a favor de condenar Bolsonaro por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, o que o tornaria inelegível por quatro anos. Com 7 ministros no plenário, falta apenas um voto em favor da condenação para formação de maioria.

Nesta sexta votam os ministros Cármen Lúcia, Kássio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

Já votaram a favor da condenação o relator do caso, o ministro Benedito Gonçalves, e os ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares. O ministro Raul Araújo votou contra a condenação.

A ação também traz acusações contra o general Walter Braga Netto, que era candidato a vice presidente na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022. No entanto, todos os ministros que votaram até agora consideraram que não há elementos suficientes para condená-lo por abuso de poder e formaram maioria para absolvê-lo.

Pelo que Bolsonaro está sendo julgado?

Bolsonaro está sendo julgado por causa de um episódio de 2022. Em julho, antes das eleições daquele ano, o então presidente reuniu dezenas de diplomatas estrangeiros no Palácio da Alvorada e fez uma apresentação divulgando notícias falsas sobre insegurança das urnas eletrônicas e teorias da conspiração sobre a legitimidade das eleições.

No episódio, Bolsonaro também fez acusações contra ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF) e contra o seu principal adversário político, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O encontro foi transmitido pela emissora pública TV Brasil.

A ação que está sendo julgada agora pelo TSE foi proposta pelo PDT no ano passado. A ação acusa Bolsonaro de ter cometido ilegalidades eleitorais com a organização e condução dessa reunião.

O PDT argumenta que o então presidente cometeu abuso do poder político e mau uso dos sistemas de comunicação - infrações que, se houver condenação, vão resultar em inelegibilidade para Bolsonaro por 8 anos.

O Ministério Público eleitoral apoia essa tese do PDT e também pediu a condenção e inelegibilidade de Bolsonaro.

A defesa de Bolsonaro nega as acusações e afirma que não houve divulgações de informações falsas nem intenção eleitoral no evento.

O que disseram os ministros do TSE até agora?

O relator da ação, ministro Benedito Gonçalves, classificou as ações de Bolsonaro como um "flerte perigoso" com o "golpismo".

"(Bolsonaro) difundiu informações falsas a respeito do sistema eletrônico de votação direcionado a convencer que havia grave risco de que as eleições de 2022 fossem fraudadas para assegurar a vitória do candidato adversário", afirmou o magistrado em um trecho de seu voto.

"(Ele) assumiu injustificada antagonização direta com o TSE buscando vitimizar-se e desacreditar a competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus ministros para levar a atuação do TSE ao absoluto descrédito internacional despejou sobre os embaixadores e embaixadoras mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira", disse o ministro em outro momento.

Para o ministro Floriano de Azevedo Marques, houve desvio de finalidade e abuso de poder nos atos de Bolsonaro.

"(Bolsonaro) usou das suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente reunião diplomática com o objetivo, na verdade, de responder ao TSE e construir uma persona de candidato, servindo-se dos meios e instrumentos oficiais, inclusive de comunicação social, para alcançar o seu real destinatário, o eleitor, seja o já cativado ou aquele a conquistar", afirmou Floriano de Azevedo.

Segundo o ministro, um governante que é candidato à reeleição "deve se revestir de cautelas extremas" para não usar os meios e recursos do cargo em seu benefício.

Além disso, disse ele, um membro da administração pública precisa manter uma separação entre suas crenças pessoais e sua atuação pública quando essas crenças entram em conflito com os interesses públicos e as atribuições do cargo.

Ou seja, um agente público não pode usar o cargo para divulgar notícias falsas e teorias anti científicas, mesmo que no âmbito pessoal tenha o direito de acreditar nelas.

"Alguém pode acreditar que a Terra é plana mesmo contra todas as evidências científicas. Esse sujeito pode ainda integrar um grupo de estudos terraplanistas ou uma confraria da borda infinita. Agora, exercer a competência pública para propalar, com a legitimidade de chefe de Estado, uma inverdade já sabida e reiterada, é um desvio de competência e, portanto, uma figura clássica de desvio de finalidade", disse Floriano de Azevedo.

"O que se está a julgar não é uma ideologia, mas sim os comportamentos patológicos, abuso e desvio de finalidade, que podem ocorrer e lamentavelmente ocorrem nas mais diversas ideologias. Podem ocorrer na Venezuela, na Hungria, na Nicarágua ou mesmo nos Estados Unidos."

O ministro André Ramos Tavares - indicado por Bolsonaro para o TSE em novembro de 2022 - também votou pela condenação do ex-presidente. Ramos Tavares afirmou que o evento de Bolsonaro com os diplomatas estrangeiros foi arquitetado com fins eleitorais e teve "mera roupagem diplomática".

Também afirmou que o discurso de Bolsonaro para os diplomatas fabricou uma camada falsa e fantasiosa que encobriu alguns elementos reais que estavam presentes na sua fala.

"A partir da ocorrência da alguns fatos, forja outros fatos para chegar à conclusões inventivas (...) desviantes da realidade. Os poucos elementos verdadeiros estão ali não para se explorar sua veracidade, mas como estratégia de convencimento alarmista do falso", afirmou o ministro.

Ramos Tavares disse ainda que Bolsonaro se beneficiou da liberdade de expressão para atacar a democracia e que foram de grande gravidade os ataques "comprovadamente infundados e absolutamente falsos, sistemáticos e notórios contra a urna eletrônica, o processo e a Justiça Eleitoral" feitos por Bolsonaro.

O único ministro até agora que votou contra a condenação de Bolsonaro foi Raul Araújo, que afirmou que a reunião com os embaixadores foi "ato solene" do governo.

A maior parte de sua argumentação foi rejeitando como prova a minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. O documento foi anexado ao processo como elemento indicando intenções golpistas do então presidente.

A fala de Araújo inclusive foi interrompida por outros ministros, que concordaram que é preciso se ater à reunião com os embaixadores e afirmaram que seus votos se baseavam justamente nesse encontro, sem considerar a minutra como prova.

A reunião com os embaixadores de "ato solene" e citou, dentre várias referências doutrinárias, a advogada Karina Kufa, que já defendeu de Jair Bolsonaro em vários processos. A maior parte da argumentação de Araújo recaiu sobre a minuta do golpe encontrada na casa e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal O documento, apreendido em janeiro deste ano, foi juntado no processo como um elemento de prova de que Bolsonaro tinha intenções golpistas.

O que esperar agora?

Os ministros Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes devem votar nesta sexta, quando foi marcada seção extraordinária do tribunal para julgar o caso.

Com apenas mais um voto em favor da condenação, a Corte já tem maioria para tornar Bolsonaro inelegível.

Não há garantias, no entanto, de que o julgamento acabe nesta semana mesmo que haja maioria, uma vez que qualquer magistrado pode pedir vistas do processo. Um ministro pode adotar este procedimento quando entende que precisa de mais tempo para analisar o caso - ele tem até 60 dias para fazer essa análise.

Caso Bolsonaro seja condenado no TSE, os efeitos da decisão passam a valer imediatamente, mesmo que sua defesa entre com recurso. Ele se torna inelegível por 8 anos contando a partir das eleições de 2022, ou seja, até 2030.

Nesse cenário, um eventual recurso da defesa só suspenderia a inelegibilidade se de fato fosse acatado pela Justiça.

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