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Apesar de 'inverdades', coronel sai livre de depoimento à CPMI

Lawand Júnior não convence ao negar intenção de golpe e dizer que queria pacificar o país, mas presidente da comissão decide não prendê-lo

O coronel Jean Lawand Júnior foi acusado de mentir no depoimento prestado, nesta terça-feira, na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os ataques de 8 de janeiro. Nem parlamentares bolsonaristas acreditaram nas declarações do militar, chamado para a oitiva por causa das mensagens golpistas trocadas com o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid. Lawand negou que tenha incitado um golpe de Estado e sustentou que seu objetivo era "apaziguar" o país.

O presidente do colegiado, deputado Arthur Maia (União-BA), afirmou ao fim do depoimento que foi "a reunião mais difícil" de se conduzir e que Lawand "faltou com a verdade". "Realmente tive um dia muito difícil, porque o tempo inteiro entendi que o senhor estava faltando com a verdade, mas fiz de tudo para manter meu lado legalista de não interpretar com meu sentimento", disse. O parlamentar chegou a chamar o ex-juiz e atual senador Sergio Moro (Pode-PR) para tirar dúvidas jurídicas.

Uma CPMI pode determinar a prisão em caso de "flagrante delito"— como mentir após juramento. Conforme o regimento, os colegiados têm "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". A relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), explicou que o acordo entre ela e Maia é de que, nesses casos, a prisão seja tomada e deliberada pelo deputado.

"Tivemos um entendimento acerca dos pedidos de prisão, que serão tomados e deliberados pelo presidente da comissão. Ele tem uma responsabilidade em relação à condução dos trabalhos e compreendeu de fato que não haveria necessidade de fazer o pedido de prisão diante das mentiras que Lawand claramente colocou", explicou a senadora, após a sessão.

À comissão, Lawand disse que reconhece o resultado das eleições e que confia nas urnas eletrônicas. Afirmou ter sido um erro o envio das mensagens para Cid e pediu desculpas ao Exército. O militar ainda frisou não saber o motivo de ter sido chamado a depor na CPMI e alegou não ter contato com ninguém do Alto Comando do Exército.

Nas mensagens trocadas com Cid, Lawand pede seguidamente que Bolsonaro dê um golpe de Estado. Em uma delas, enfatiza: "Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem, que o povo tá com ele. Se os caras não cumprirem, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses caras não cumprir a ordem do comandante supremo. (...) Convence ele a fazer. Ele não pode recuar agora".

Para os parlamentares, Lawand alegou que sua intenção era pacificar o país. "Eu acreditava que, se viesse uma ordem do presidente, como aconteceu com os caminhoneiros, o país seria apaziguado", afirmou. O deputado Rogério Correia (PT-MG) rebateu: "O senhor está aqui afirmando que o presidente não deu ordem para apaziguar o país. Então, fica registrado", disse, insinuando um teor acusatório por parte do depoente.

Em outro trecho da conversa trocada entre os militares, Cid responde: "Mas o Pr (presidente) não pode dar uma ordem... se ele não confia no Alto Comando". Lawand dispara: "Ferrou". E adiciona: "Vai ter que ser pelo povo mesmo". Para justificar a fala ao colegiado, o coronel disse que "é o povo que vai ter que se conscientizar de que não haverá nenhuma ordem presidencial, de que não será atendido naquilo que pleiteia e que terá de retornar para suas casas e fazer o Brasil continuar". "Essa foi a minha intenção nessa frase", justificou.

Eliziane Gama contestou. "Me desculpa, coronel, mas não tem sentido, considerando o conteúdo das suas mensagens". Lawand, porém, seguiu negando intenção de um golpe. "Eu não tinha nem motivação, nem capacidade, nem força pra fazer qualquer atentado e muito menos motivar as pessoas a fazê-lo", respondeu.

Descrença

As declarações de Lawand não convenceram nem bolsonaristas. O senador Marcos Rogério (PL-RO), que substituiu o senador Marcos do Val (Pode-ES) no colegiado, avaliou que o militar mentia. "Mais inteligente seria ter usado o direito de permanecer em silêncio", opinou.

O deputado André Fernandes (PL-CE) tampouco considerou crível o depoimento. "Eu não acredito muito no que o senhor disse aqui, mas também não posso dizer que é mentira. Se alguém quiser acreditar, que acredite".

Ante o abandono dos bolsonaristas, Eliziane Gama fez uma sugestão ao depoente: "A gente percebe claramente que o senhor está sozinho nesse embate, nessa caminhada. Eu perguntaria se o senhor não aceita ter uma conversa reservada com a comissão, no sentido de até dar mais elementos e uma contribuição melhor aos trabalhos, diante da sua posição e da forma que a gente acompanha o transcorrer dessa audiência". Lawand agradeceu, mas negou a ajuda.

Depois da sessão, a relatoria admitiu que a tolerância a mentiras pode colocar em risco os trabalhos da comissão. "A CPI não pode admitir que pessoas venham e mintam. Existe um princípio claro, que deve ser adotado em relação às testemunhas. Essa posição não deve ser repetida, não deve ser continuada", concluiu. Na terça-feira, a CPMI deve ouvir Mauro Cid.

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