Em semana com agenda diplomática cheia na Itália e na França, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um balanço positivo da política externa. Especialistas ouvidos pelo Correio reconhecem que as viagens de Lula recolocam o Brasil no cenário internacional, porém, eles veem entraves no fechamento do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE), que vem sendo negociado há 24 anos, mas resiste às exigências ambientais impostas pelo bloco europeu.
Além do acordo comercial entre os dois blocos — uma das prioridades da agenda petista — e da agenda ambiental, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e a busca de negociações com ditaduras na América Latina estiveram entre os principais assuntos dos encontros do presidente brasileiro com as autoridades europeias e com o papa Francisco.
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Ontem, antes de retornar ao Brasil, em entrevista aos jornalistas sobre o balanço da viagem, o chefe do Executivo contou que o presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu que também encontra dificuldades internas para aprovar o acordo comercial junto ao Congresso.
A França lidera os entraves feitos pela UE. Poucos dias antes da visita oficial de Lula a Paris, a assembleia francesa aprovou, com ampla maioria, um veto político à assinatura do acordo, passo pendente nas negociações. "Se a gente puder conversar com os nossos amigos mais à esquerda para poder ajudar, para que seja aprovado o acordo do Mercosul, nós vamos fazer", frisou Lula.
Para o petista, é normal que a França tente proteger a sua agricultura em um trato que envolve o Brasil, o terceiro maior produtor do mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos. Porém, ele frisou que o protecionismo não é a melhor resposta. Lula defendeu ainda que ambos os lados "coloquem a arrogância de lado" para negociar. Ele ainda argumentou que a UE também precisa do acordo. "A União Europeia não pode ficar, sabe, sendo a fatia de mortadela entre a nova guerra fria entre Estados Unidos e China", declarou.
Em julho, na cúpula do Mercosul na Argentina, o Brasil assumirá a presidência pró-tempore do bloco sul-americano. Lula disse acreditar que a decisão final sobre o acordo de livre comércio UE-Mercosul saia até o fim do ano, ou seja, durante a presidência brasileira.
Joias sauditas
Ao ser questionado sobre o cancelamento do jantar com o príncipe saudita Mohammed bin Salman, que entregou as joias milionárias ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2021, Lula disse que não pensou sobre o caso dos presentes. Ele disse que só sabia que o encontro foi convocado para tratar de negócios entre os dois países. Segundo ele, o jantar foi desmarcado porque ele não teve condições de cumprir a agenda.
"Eu não estou preocupado com as joias. Não estou preocupado, porque isso não é comigo", enfatizou Lula, em relação ao escândalo envolvendo os presentes milionários dados ao ex-presidente e à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que entraram no país sem a devida declaração ao Fisco. "Vou pedir para que o Itamaraty o convoque (o príncipe) para ir ao Brasil discutir negócios com os empresários brasileiros", acrescentou.
Em relação ao Grupo Wagner, de mercenários, que iniciou uma revolta armada em território russo, o presidente brasileiro desviou o assunto. "Lamentavelmente, eu não posso falar, porque eu não tenho as informações necessárias. Quando chegar ao Brasil, vou me informar de tudo que aconteceu. Mas, agora, seria chutar", respondeu.
Ele frisou, no entanto, sua defesa de uma solução diplomática para o conflito. "Meu pensamento é simples: eu sou contra a guerra. Nós condenamos a invasão russa ao território da Ucrânia. Isso já está declarado e votado na ONU (Organização das Nações Unidas), mas não implica que eu vou ficar fomentando a guerra", explicou Lula.
Nos primeiros seis meses do terceiro mandato, Lula realizou 12 viagens internacionais e pode realizar mais cinco neste ano, como a 28ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP28), nos Emirados Árabes Unidos.
O presidente não confirmou se participará presencialmente da reunião entre a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e a União Europeia, que ocorre no próximo mês, em Bruxelas, na Bélgica. Se ele não puder ir, afirmou que enviará como representante o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).
Discurso velho
Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, ressalta que as falas de Lula sobre a Amazônia e a ideia de que o Brasil é o protetor de um bem da humanidade legitimam ainda mais o recebimento de apoio internacional para a preservação da floresta. "É uma mudança importante do discurso de soberania nacional sobre a Amazônia. Acredito ser acertado", avaliou. Em relação ao Mercosul-UE, no entanto, acredita que Lula não logrou o que queria.
"Sou cético quanto à conclusão do acordo. A agenda negociadora do Brasil segue presa, e talvez o melhor seria ampliar o diálogo com possíveis parceiros. Estamos travados no Mercosul-UE. A agenda internacional do governo, sem dúvida, tende a ser mais frutífera que a do governo anterior, mas, em alguns pontos, precisa se atualizar. A equivalência entre Rússia e Ucrânia como uma proposta de não alinhamento com os Estados Unidos não cabe agora. O mesmo deve ser dito sobre a defesa da Venezuela e a relação com a Argentina", pontuou Parente.
Para Ricardo Mendes, sócio da Prospectiva e responsável pelas operações internacionais da consultoria, a viagem de Lula confirma o discurso do governo de que o Brasil está de "volta ao jogo". "Tanto Dilma Rousseff quanto Bolsonaro tinham uma aversão a esse tipo de exposição. O Lula, assim como Fernando Henrique Cardoso, tem uma natural disposição para a diplomacia presidencial. Não há dúvidas que o Brasil ganha na cena internacional com isso", enfatizou. Porém, observou que o chefe do Executivo continua preso a um discurso de 2002 em relação a temas comerciais e meio-ambiente. "Os países ocidentais esperam mais do que a compostura e o carisma do Lula. E estão ficando frustrados. Esperam uma postura mais firme em relação ao conflito na Ucrânia e mais responsabilidade em relação à agenda do clima, em vez de voltar com o discurso dos anos 1970 de dívida histórica dos países ricos. Até o Papa Francisco pediu para o Brasil ter um papel mais ativo na questão democrática na Venezuela e na Nicarágua", acrescentou Mendes.
Mariana Cofferri, analista de relações internacionais, lembrou que a calorosa recepção de Lula contrasta diretamente com as rusgas deixadas por Bolsonaro com o presidente francês, fato que revela um impacto positivo na imagem brasileira", disse. Para ela, a visita de Lula à França demonstrou o estreitamento dos laços econômicos e de cooperação entre os dois países, sem que o governo brasileiro deixasse de reforçar a proteção ao mercado nacional e a agenda de sustentabilidade. "Isso pode ser visto de maneira positiva para fomentar a economia local e resgatar o nacionalismo", adicionou. Ela reforçou que a agenda de política externa brasileira vem se mantendo positiva e, pode trazer cada vez mais ganhos, especialmente no âmbito das negociações do acordo Mercosul-UE.
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