No primeiro dia do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível por oito anos, o Ministério Público Eleitoral (MPE) defendeu que o ex-chefe do Executivo seja condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
A ação, apresentada pelo PDT, diz respeito à reunião organizada por Bolsonaro com embaixadores, em 18 de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, na qual ele levantou suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral e apontou risco de fraude, sem apresentar provas. O encontro foi transmitido pela TV Brasil e pelas redes sociais da emissora pública.
O PDT também argumenta que houve violação ao princípio da isonomia entre as eventuais candidaturas a presidente, configurando abuso do poder político, pois a reunião ocorreu na residência oficial da Presidência da República e foi organizada por meio do aparato oficial do Palácio do Planalto e do Ministério das Relações Exteriores.
Para o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, "estão estampados" elementos que justificam punir Bolsonaro com a perda dos direitos políticos. Ele citou desvio de finalidade e busca de vantagem na disputa eleitoral de 2022, além da gravidade da conduta. "Conclusão dos autos conduzem que o evento foi deformado em instrumento de manobra eleitoreira, traduzindo em desvio de finalidade", sustentou.
O julgamento foi suspenso pelo presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, após a fala de Gonet. A discussão será retomada na terça-feira, com a votação dos integrantes da Corte.
A previsão é de que o resultado saia na sessão da próxima quinta-feira. Por ser o relator da ação, Benedito Gonçalves será o primeiro a votar. Em seguida, votam, na seguinte ordem: Raul Araújo Filho, Floriano de Azevedo Marques, Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
O ex-vice-presidente Walter Braga Netto também poderá ficar inelegível pelo mesmo prazo, caso o TSE defina a condenação da chapa. No entanto, a expectativa nos bastidores é que ele seja absolvido.
Na sessão desta quinta-feira, o ministro Benedito Gonçalves apresentou seu relatório com os principais pontos do processo, mas não indicou ainda qual será o seu voto. O magistrado detalhou as alegações apresentadas pelas partes, bem como o parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE). Também citou trechos de uma decisão dele mesmo, de março de 2023, em que afirmava que houve um "arco narrativo alarmista" feito por Bolsonaro.
"(Houve) Enfática reivindicação, somente compreensível nesse arco narrativo alarmista, de que as eleições de 2022 fossem limpas, transparentes, onde o eleitor realmente reflita a vontade da sua população", afirmou.
Benedito Gonçalves também citou a minuta golpista encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e incluída na ação. O documento apreendido pela Polícia Federal detalhava um plano para reverter o resultado das eleições, que definiu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como presidente da República.
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Acusação x defesa
Na primeira etapa do julgamento, o advogado do PDT, Walber Moura Agra, afirmou que Bolsonaro atuou para descreditar as instituições democráticas. "Será que vamos entrar novamente de estágio de cegueira coletiva? Houve reunião para desmoralizar as instituições. Constrangeu servidores, usou TV Brasil, usou propaganda institucional para propagar fake news", disse.
Ele também citou uma suposta trama golpista. "Utilizou-se avião da FAB (Força Aérea Brasileira), ataques sistêmicos à democracia e, principalmente, aos ministros. Veja que cena triste. E tentativa de um golpe militar. Se fosse qualquer mandatário, estaríamos aqui discutindo o conteúdo da reunião", frisou.
Por sua vez, o advogado Tarcísio Vieira, que representa Bolsonaro e Braga Netto, rechaçou a argumentação da acusação e se posicionou contra a inclusão da minuta golpista no processo. Ele enfatizou que "não está em julgamento o bolsonarismo".
"Não está em julgamento, como quer se fazer crer, o bolsonarismo. Está em julgamento a reunião dos embaixadores, havida muito antes do início do período eleitoral e das eleições", argumentou.
Na avaliação dele, o tom usado por Bolsonaro na reunião com embaixadores teria sido "ácido, excessivamente contundente", mas sem intenções eleitorais e apenas com fins diplomáticos.
Vieira — que foi ministro do TSE e julgou o processo de cassação da chapa Dilma-Temer, em 2017 — também criticou a acusação de tentativa de golpe de Estado por parte de Bolsonaro.
"Alguém que pretensamente vai praticar um golpe vai perder tempo em desacreditar a Justiça Eleitoral? Em disputar eleições? Longe de estimular quaisquer insurgências, sequer liderá-las, o investigado (estava) em sepulcral silêncio nas redes sociais, em evidente recolhimento para digerir o insucesso eleitoral", frisou.