JUSTIÇA

Por que julgamento de Bolsonaro no TSE não mobiliza bolsonaristas?

Especialistas apontam que as causas para essa dispersão e aparente desmobilização da militância bolsonarista seriam um gradativo desembarque de parte do eleitorado

Há poucos dias do início do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode levar à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a militância bolsonarista na internet está dispersa e pouco mobilizada na defesa do, até agora, principal líder da direita no Brasil.

A constatação faz parte de dois levantamentos feitos a pedido da BBC News Brasil por empresas que monitoram o debate político na internet.

Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que as causas para essa dispersão e aparente desmobilização da militância bolsonarista seriam um gradativo desembarque de parte do eleitorado de Bolsonaro, a busca por novas alternativas dentro da direita e a falta de um discurso coeso da militância pró-Bolsonaro para o ex-presidente das acusações de abuso de poder durante as eleições de 2022.

O ex-presidente enfrenta 16 ações na Corte. No caso mais avançado, cujo início está previsto para esta semana, ele é acusado de ter cometido abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social quando reuniu em julho de 2022 dezenas de diplomatas no Palácio da Alvorada para apresentar falsas teorias sobre a insegurança das urnas e atacar ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF).

O parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE) sobre o caso pediu que Bolsonaro seja condenado, o que pode resultar na sua inelegibilidade por até oito anos. Assim, salvo algum recurso, ele estaria impedido de disputar as próximas eleições presidenciais, por exemplo.

A defesa do ex-presidente, por sua vez, argumenta que o evento não tinha caráter eleitoral e que o então presidente usou sua liberdade de expressão para manifestar preocupações legítimas sobre a integridade das eleições brasileiras.

Apesar de o julgamento poder selar o futuro político de Bolsonaro, os dados coletados mostram que o tema não tem gerado um grande engajamento por parte da militância bolsonarista. Um cenário bastante diferente do observado entre novembro de 2022 e janeiro de 2023, quando eleitores de Bolsonaro se mobilizaram contra a vitória de Lula, resultando, inclusive, na invasão das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.

André Coelho/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Especialista aponta que parte da desmobilização viria do fato de que Bolsonaro, fora da presidência, não tem a possibilidade de direcionar o aparato do Estado para suas próprias pautas

A repercussão do julgamento

Os levantamentos usados pela BBC News Brasil foram realizados por duas empresas de consultoria de dados e mídias sociais: a Arquimedes e a Bites.

Os levantamentos tiveram como objetivo avaliar de que forma e em que intensidade a militância bolsonarista vem lidando com o julgamento de Bolsonaro.

Apesar de perder para Lula, Bolsonaro obteve uma expressiva votação no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, conquistando 58,2 milhões de votos, o equivalente a 49,1% dos votos. Além disso, ele é apontado como o principal líder da direita no Brasil e como o principal adversário político de Lula.

Os dados tanto da Arquimedes quanto da Bites, porém, mostram que o julgamento que pode tirar Bolsonaro das próximas eleições registrou uma mobilização modesta.

De acordo com os dados colhidos pela Arquimedes entre os dias 25 de maio e 10 de junho, o julgamento de Bolsonaro no TSE gerou 53,8 mil menções em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram.

O levantamento mostrou que, desse total, 53% foram postadas por perfis contrários a Bolsonaro, e o restante, 47%, por perfis alinhados ao ex-presidente.

Os dados apontam que, enquanto o grupo contra Bolsonaro comemorou o julgamento, o grupo de apoiadores bolsonaristas se manifestou de duas principais formas.

De um lado, eles defendem Bolsonaro afirmando que ele não teria sido condenado por crimes de corrupção.

De outro, já consideram a inelegibilidade do ex-presidente como um fato consumado e resultado de uma suposta conspiração envolvendo integrantes do Judiciário como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Alexandre de Moraes.

"Apoiadores de Bolsonaro têm antecipado o pior cenário, apontando alta probabilidade de que o ex-presidente torne-se inelegível - fato atribuído pelo campo de apoio como mera perseguição em narrativas antissistema já conhecidas", diz um trecho do relatório.

"Nas publicações também houve acusações de suposto conluio entre o governo e o Judiciário, em especial o Tribunal Superior Eleitoral, com o único objetivo de prejudicar a trajetória política de Jair Bolsonaro e do espectro político à direita como um todo", diz o relatório.

O levantamento feito pela Bites levou em consideração dados de postagens feitas no Twitter entre os dias 5 e 6 de junho.

Neste período, a consultoria aponta que o julgamento de Bolsonaro no TSE teve um pico de 27 mil menções, volume bem menos expressivo que as menções registradas relacionadas às suspeitas de tentativa de liberação irregular por parte da equipe de Bolsonaro de joias entregues à sua comitiva pelo governo da Arábia Saudita.

Assim como a Arquimedes, a Bites também constatou que as principais postagens sobre o julgamento de Bolsonaro no TSE foram de opositores de Bolsonaro, como o deputado federal André Janones (Avante-MG).

A Bites aponta que perfis bolsonaristas também fizeram postagens sobre o julgamento, mas tiveram repercussão reduzida.

"Também houve manifestações de bolsonaristas, mas feitas por perfis pouco influentes e de forma pulverizada. A militância virtual do ex-presidente parece ter perdido o fôlego e não conseguiu, até o momento, unificar um discurso efetivo em sua defesa", diz um trecho do relatório.

"Perfis bolsonaristas de peso, especialmente os com cargos eletivos, inclusive os filhos de Bolsonaro, também não conseguiram estruturar essa defesa, apesar de eventualmente publicarem dados e projetos que seriam resultados positivos da gestão passada", aponta o texto.

Os dados da Bites também mostram que Bolsonaro ainda está bastante acima de Lula e outros políticos brasileiros em matéria de popularidade nas redes sociais. Em média, Lula tem um total de 32,2 milhões de seguidores, enquanto o ex-presidente tem 63,7 milhões.

Apesar disso, o levantamento aponta que o cenário de Bolsonaro mostra uma relativa estagnação e até mesmo um pequeno recuo no número de seguidores.

O ex-presidente perdeu seguidores no Instagram (-1,48%), Facebook (-0,48%) e no YouTube (-0,77%). No Twitter, porém, cresceu 5,28% e no Tiktok subiu 3,85%.

A Bites mostra ainda que, desde que deixou o poder, as contas de Bolsonaro registraram uma redução de 60% no volume de publicações, o que gerou um impacto negativo de 80% nas interações com internautas.

Carla Carniel/Reuters
Ex-presidente perdeu seguidores em algumas redes sociais

Dispersão e desmobilização

A doutora em Ciência Política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Camila Rocha estuda o bolsonarismo e, há meses, se reúne com eleitores do ex-presidente em grupos focais. Os encontros são semanais.

Segundo ela, os dados da Arquimedes e da Bites materializam uma impressão que ela já vinha tendo a partir das conversas com apoiadores de Bolsonaro.

"Acho que dispersos e desmobilizados é uma imagem que reflete bem o que estamos vendo. Nos últimos meses, não observei nenhuma narrativa espontânea em relação ao julgamento de Bolsonaro no TSE entre os seus eleitores", afirmou à BBC News Brasil.

Em sua avaliação, um dos motivos que levou à pouca mobilização, ao menos até agora, da militância bolsonarista em torno do julgamento desta semana seria o fato de que as próprias redes de Bolsonaro não vêm mencionando o episódio.

"Acho que ocorre um fenômeno de retroalimentação. À medida que as redes de Bolsonaro não pautam o assunto, ele acaba não sendo mencionado pelas pessoas", afirmou.

O professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Jorge Chaloub pontua que um dos motivos que estariam levando à uma baixa mobilização de apoiadores de Bolsonaro ao redor do julgamento seria a redução da sua capacidade de aglutinar sua militância.

"É um fenômeno até natural, na medida em que Bolsonaro está fora do poder. Agora, ele não tem a possibilidade de mobilizar o aparato do estado em torno das suas próprias pautas", disse o professor.

Chaloub também pontua para o que seria uma espécie de "fadiga" de parte dos apoiadores de Bolsonaro gerada por discursos e ações tomadas pelo ex-presidente.

"Parte dessa desmobilização aconteceu em razão de decisões dele mesmo. Um exemplo é o silêncio logo após as eleições e depois a temporada que passou nos Estados Unidos, longe do seu eleitorado. Além disso, há uma sensação de decepção na medida em que Bolsonaro prometeu romper com o sistema, mas, ao que tudo indica, será julgado por esse mesmo sistema. Há uma sensação de que ele prometeu muito, mas não entregou", pontuou o professor.

Cenário incerto

Apesar da aparente desmobilização da militância às vésperas do julgamento de Bolsonaro no TSE, as consultorias e os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que ainda é cedo para afirmar, categoricamente, que o cenário não pode mudar.

"Isso não quer dizer que até o dia 22 não possa haver algum movimento organizado pelo bolsonarismo", diz o relatório produzido pela Bites.

Camila Rocha segue a mesma linha.

"É possível que ainda haja algum tipo de mobilização mais perto do julgamento, especialmente daquele grupo de eleitores mais leais. Não descarto, inclusive, a ocorrência de atos violentos caso ele venha a ser condenado à inelegibilidade", afirmou.

Jorge Chaloub, por outro lado, avalia quais os possíveis impactos de uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro.

"Acho que o apoio total de Bolsonaro tende a cair como um todo. As pessoas vão começar a procurar novas opções dentro da direita, como Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo). Por outro lado, a condenação poderá reforçar a tese de que Bolsonaro foi derrotado pelo sistema e isso pode consolidar uma base mais aguerrida, ainda que menor, em torno dele", diz o professor.

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