A revelação das conversas entre Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o coronel Jean Lawand Junior, na época subchefe do Estado-Maior do Exército, que indicam a preparação de um golpe de estado são "absolutamente terríveis". É como define a relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos antidemocráticos do 8 de janeiro em Brasília, senadora Eliziane Gama (PSD-MA). "(Nas mensagens) ele estimulava, incentivava, cobrava, de forma muito intensa, a necessidade de implantação de um golpe no Brasil", diz a senadora, que encaminhou um requerimento para ouvir os envolvidos.
Em entrevista exclusiva ao Correio, a senadora ainda defendeu que a permanência do senador Marcos Do Val (Podemos-ES) no colegiado é temerária. Ela avalia que o senador faltou com as responsabilidades necessárias ao cargo. "Acho que o próprio senador deveria ter a atitude de pedir a saída da comissão", opina. Do Val faz parte do inquérito que apura as depredações ocorridas em 8 de janeiro, cuja investigação corre em sigilo. Nesse sentido, Eliziane explica que seu plano de trabalho não compreende a solicitação de informações sigilosas do Supremo Tribunal Federal (STF). A relatora acha problemático a comissão ter esses documentos na sua sala cofre com integrantes sendo investigados e com a possibilidade de vazamentos, o que poderia comprometer as investigações.
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Eliziane afirma, ainda, que a oposição tem atuado com intuito de desviar o foco dos trabalhos, quando acusa a base governista de estar omitindo informações, ao não convocar o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Gonçalves Dias — conhecido como G. Dias. Ele foi flagrado em imagens do 8/1 interagindo com os invasores no Palácio do Planalto. "A oposição está querendo é desviar o foco, tentar construir uma narrativa de que o dia 8 aconteceu apenas no dia 8 e acabou", criticou a senadora maranhense. Confira os detalhes da entrevista.
Alexandre de Moraes vai compartilhar com a CPMI as informações sigilosas dos inquéritos em curso no STF?
Uma CPMI é uma comissão de inquérito. Temos o inquérito, como tem a polícia civil, como tem o STF, como tem a Polícia Federal. Hoje temos mais um inquérito aberto, iniciado na semana passada, para fazer a investigação. A busca pelo compartilhamento de dados é um plus, um reforço que nós buscamos, de fato, para aprofundar e ter mais elementos em relação à nossa investigação. Mas nós temos todos os instrumentos próprios, como qualquer um desses outros que eu acabei de citar. Os inquéritos em curso pelo Supremo estão em processo de diligência, inclusive. Então, se mandar os inquéritos por esse compartilhamento com a CPMI, a gente sabe que, vez por outra, há casos de vazamentos. Um possível vazamento atrapalha em muito uma diligência. Sem falar que na nossa CPMI temos pessoas investigadas. Assim, a gente solicita uma informação e, ao mesmo tempo, o próprio parlamentar, que já está no processo de investigação, entra lá na sala-cofre e tem acesso a todo o conjunto de informações que versam sobre ele próprio. Veja que temos uma complexidade nessa comissão. Pedi que a gente tivesse o compartilhamento de dados que não estivesse nessa fase de diligências. O ministro Alexandre de Moraes deu a informação para o presidente da CPMI que essas diligências finalizam, possivelmente, em 45 dias e, logo após, ele enviará essas informações para a CPMI.
Tiveram relatórios da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) com suspeita de adulteração pelo general G. Dias. Com a aprovação da CCAI (Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência) para o envio dos documentos para a CPMI, quais são os possíveis desdobramentos?
Os relatórios construídos pela Abin eu pedi no início dos trabalhos, que se levantasse os sigilos para tornar esses documentos públicos, até porque houve vazamento deles. O senador (Esperidião) Amin (PP-SC) fez um requerimento para recebermos o conteúdo que o ministro Alexandre de Moraes solicitou, via Procuradoria-Geral da República, para que a gente tivesse as especificidades desse documento. O que está sendo apresentado na imprensa, estamos acompanhando, mas é preciso receber o documento, que nós recebemos somente hoje (sexta-feira). Faremos um comparativo dos documentos, vou me debruçar sobre ele para compreender se houve alguma fraude, manipulação ou, pelo menos, tentativa. Vamos fazer a devida apuração, levantando de fato as informações sobre esses relatórios.
Qual é o volume de documentos recebidos?
Como são documentos sigilosos, o acesso é pela sala-cofre. Só vou ter acesso a esta sala na segunda-feira (19/6), quando volto para Brasília. Mas vou conversar com os consultores e com assessoria, de forma que a gente possa construir uma linha de trabalho para esta semana, que estará centrada fundamentalmente nas oitivas. Temos oitivas na terça e na quinta-feira, depois vamos nos debruçar sobre os relatórios. Pelas informações que temos, por conta inclusive dos vazamentos, não são relatórios densos. Eles mostram, na verdade, qual é o tipo de alerta e quem era que possivelmente estava sendo chamado. Se havia uma especificação em relação a quais espaços deveriam ser invadidos. Todas as informações que Abin recebe, ela constrói um relatório e faz disparos para os órgãos que trabalham no sistema de segurança pública. A informação que a gente tem é que no governo do ex-presidente Bolsonaro mudou a forma de distribuição, que é feita não por e-mail, mas, na verdade, são feitos por um grupo de WhatsApp. Um grupo de aproximadamente 40 pessoas que, naquele momento, em 8 de janeiro, tinha um volume de profissionais do governo anterior — não tinha ainda havido uma alteração em relação à composição dos integrantes desse grupo. Eu, pessoalmente, acho algo muito frágil, você ter um grupo tão grande com compartilhamento de dados importantes, mas era a forma que eles adotavam.
Os requerimentos aprovados chamaram Mauro Cid, Anderson Torres, general Heleno, uma série de aliados do ex-presidente Bolsonaro, enquanto G. Dias, do GSI de Lula, não foi convocado. Não pode parecer que o governo atual quer esconder algo?
Nós temos um cronograma de investigação, no qual traçamos uma avaliação desde o resultado da eleição, já que todos os pontos, o 12/12, o 24/12, e o próprio dia 8/1 são marcados pelo questionamento do resultado eleitoral. Faço o levantamento em cima desse cronograma e apresento sugestões de quem a gente deve ouvir em um primeiro momento. Por isso, apresentamos um volume de requerimentos voltados para essa cronologia e tivemos a aprovação. Na segunda remessa, vamos ouvir o G. Dias, depois Flávio Dino, depois o interventor, o (Ricardo) Cappelli. Temos uma fase da investigação, não dá para atropelar. Há um movimento interno na própria CPMI, uma tentativa de desviar os focos dos trabalhos, que a gente não vai permitir. Há uma implantação de uma narrativa de colocar que (aliados) estão sendo protegidos, blindados e não tem nada disso. Tem um requerimento para o G. Dias, da minha autoria, uma demonstração clara que não estamos aqui blindando quem quer que seja.
A senhora não avalia que houve um desinteresse e até mesmo um esvaziamento de figuras importantes do governo em relação à comissão? Não há risco de tornar o colegiado apenas um palco midiático?
Não, inclusive o resultado da última votação foi expressivo para o governo. A base definiu por 20 votos a 11, houve uma organização de forma muito intensa. A divisão e a disputa política dentro da CPMI ocorrem porque, infelizmente, é um retrato da realidade brasileira, que ainda está dividida na defesa de um lado ou de outro lado. O Congresso Nacional, que é uma Casa representativa, que mostra o que é a sociedade brasileira, traz esse status social de forma muito clara. Nesse sentido, há uma disputa na CPMI, como há uma disputa na CPI do MST e nas demais CPIs.
Por que ouvir primeiro o ex-diretor da PRF e o George Washington, acusado de colocar uma bomba no Aeroporto de Brasília?
Desde o segundo turno da eleição, vimos bloqueios de rodovias no Brasil inteiro. No dia que se sucedeu ao dia da eleição, também tivemos uma série de interrupções, com tentativa, inclusive de obstrução e derrubada de torres de transmissão, ameaças em relação a aeroportos. Nos fatos iniciais que constam do nosso cronograma, quem tinha responsabilidade pública naquele momento era o diretor da Polícia Rodoviária Federal, com um papel muito proeminente nesse processo. No dia 12/12 nós tivemos a mesma situação com rodovias bloqueadas, a tentativa de invasão da sede da Polícia Federal e no dia 24/12 o George Washington planejou a explosão, em um verdadeiro carro-bomba. Os fatos que nós vamos avaliar esta semana estão claramente relacionados à linha cronológica que estamos trabalhando.
Então Flávio Dino e G. Dias podem ser convocados ainda...
Não há dúvida, eu falo no meu plano de trabalho que a gente vai ouvir o Flávio Dino e G. Dias. Agora o que a oposição está querendo é desviar o foco, tentar construir uma narrativa de que o dia 8 aconteceu apenas no dia 8 e acabou, todo mundo sabe que não foi assim. O dia 8 tem uma relação muito grande com os eventos anteriores.
Mas exatamente por isso, por que o ex-presidente Bolsonaro, que defende há muito tempo essas teorias não é o primeiro a ser ouvido?
Essa é uma decisão que poderá ser tomada ou não. Vai depender do volume de informações e dados que nós estamos recebendo. Não vamos ser, em nenhuma hipótese, irresponsáveis, assim como jamais vamos prevaricar. Se houver a necessidade de convocá-lo, se nós tivermos dados de forma mais concreta, que nos remete ao entendimento de que ele influenciou, de que ajudou intelectualmente, não há dúvida que nós o chamaremos. Este não é o momento, porque ainda estamos numa fase preliminar, ainda não tivemos sequer uma oitiva. Por isso ainda não tem uma definição sobre a vinda dele ou não.
Por que voltar ao assunto do cartão de vacinação do presidente Bolsonaro, se ele não está relacionado a 8 de janeiro?
Na verdade há um recorte. Nós pegamos o requerimento aprovado, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), em que pedimos acesso às informações do aparelho do Mauro Cid, relacionadas ao 8 de janeiro. O mandado de busca e apreensão era um inquérito sobre a fraude no cartão de vacinação, mas o telefone que chegou até a PF tem uma série de dados. Há elementos substanciais no telefone dele, embora a busca do telefone tenha sido em função do inquérito de outro objeto, mas haverá esse recorte. Com essas informações chegando na comissão, reforça a necessidade de convocá-los de forma mais imediata para a CPMI.
A senhora protocolou um requerimento para ouvir o coronel Jean Lawand Júnior. Por que ele é importante para a investigação?
A fala dele, que consta das informações do aparelho do Mauro Cid, são absolutamente terríveis. Ele estimulava, incentivava, cobrava, de forma muito intensa, a necessidade de implantação de um golpe no Brasil. É uma pessoa que a gente precisa ouvir. Embora tenha sido designado para uma missão nos Estados Unidos, ele está no Brasil e vamos apresentar o requerimento também.
Além do coronel, como é que a comissão vai investigar a participação dos militares, inclusive da ativa, no 8 de janeiro?
As Forças Armadas, o Exército Brasileiro, têm um papel muito importante na sociedade. A instituição Forças Armadas foi fundamental para evitar um golpe no Brasil. Mas como qualquer outra instituição, existem os bons e os maus. Os militares que estão sendo citados precisam ser ouvidos e responsabilizados. Não deixaremos de chamar o militar simplesmente porque ele integra a instituição. A comissão deixaria de cumprir o seu papel, seria omissa. Isso a gente não vai fazer. É bom sempre dizer, os possíveis atos criminosos foram cometidos pelo militar, não representa o conjunto do que são as Forças Armadas do Brasil.
Essa semana a Polícia Federal cumpriu mandados de busca e apreensão nos endereços do senador Marcos do Val, justamente no âmbito do inquérito dos atos golpistas. Como fica a participação dele na CPMI sendo um investigado?
Eu acho que é muito temerária a continuidade do Marcos do Val na CPMI, isso é fato. Tem contra ele a investigação e isso cria uma instabilidade muito grande. Vários colegas apresentaram questão de ordem nesse sentido. As presidências do Congresso Nacional e da CPMI precisam se manifestar sobre isso e tomar uma decisão em relação a substituição desses nomes. Nós temos outros parlamentares que têm comprometimento, que integram a oposição e podem contribuir. Não dá para gente ter uma comissão com vários membros investigados que coloca em suspeição o próprio trabalho da CPMI. A decisão e a posição da mesa do Congresso Nacional têm de ser imediatas.
Como a senhora avalia esse caso do senador fora da CPMI? Ele diz ser vítima de perseguição.
Eu acho que um parlamentar, um senador da República do país, tem que ter muita responsabilidade com a conduta. Nós temos um foro privilegiado no Brasil, nós temos imunidade parlamentar, temos uma série de privilégios que protegem o direito de verbalização, o direito de fala do parlamentar, mas não protege a ação criminosa. A gente não pode permitir que um parlamentar não se submeta aos critérios de um documento secreto, que tem a ver com a segurança de Estado. Acho que o senador não o cumpriu com sua responsabilidade e isso gera a necessidade do aprofundamento das investigações. É uma situação temerária, acho que o próprio senador deveria ter a atitude de pedir a saída da comissão. O ideal seria a substituição, porque se você analisa o Código de Processo Penal, a Constituição, se você analisa o Regimento Comum, você vê que uma CPMI é análoga a um inquérito em uma delegacia. Se o investigado não pode investigar, então automaticamente na CPMI também tem de ser reproduzido. A decisão não é minha, não é da relatoria, a decisão é da mesa do Congresso.
A CPMI vai acabar em pizza?
Não vai. Uma CPI é uma fase de um processo, faz uma investigação preliminar, na sequência segue para as autoridades do Judiciário e para o Ministério Público, que poderão fazer o encaminhamento para a aplicação da pena. O problema, às vezes, é que a sociedade quer logo o resultado, acompanha a CPMI e quer saber quantos anos de prisão esse aqui vai tomar e isso não vem, e cria o sentimento de frustração. Estamos focados para ter um grande inquérito, um grande resultado. Vamos trabalhar buscando todos os instrumentos que são próprios de uma comissão para ter um aprofundamento da investigação. Podem ter certeza disso, que vocês podem esperar de mim, como relatora, muita diligência, muita responsabilidade, e muita precisão em relação a esse processo de investigação.
Assista a entrevista na íntegra: