O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, disse acreditar que, apesar de não ter experiência anterior na temática, pode contribuir na difícil tarefa de seguir com a questão da reforma agrária e lidar com todos os movimentos sociais do campo, o mais famoso deles, o Movimento dos Sem Terra (MST), alvo hoje de uma CPI na Câmara dos Deputados.
Mesmo entendendo que o MST é importante no seu papel reivindicatório, Teixeira, advogado de formação, afirmou que as ocupações de protesto nas áreas da Suzano e da Embrapa foram “inadequadas”. No entanto, sustentou que, se convocado pela CPI, falará “com alegria” a respeito do movimento.
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Ele saiu em defesa da articulação do governo e destacou que a influência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é uma realidade com a qual o governo terá de lidar. A seguir, os principais trechos da entrevista exclusiva ao Correio.
Como avalia a CPI do MST?
Acredito que temos de pacificar o campo. O Hino Nacional tem uma passagem que diz “paz no futuro e glória no passado”. Temos de fazer deste momento do Brasil um momento de diminuição das tensões. Não tenho qualquer medo de ir à Câmara para falar do MST, porque eles têm muitas virtudes. O MST está trabalhando com a produção de alimentos saudáveis, eles ajudam a organizar os mais pobres para voltar a trabalhar no campo e produzir. Estão agregando valor na produção por meio das cooperativas. Por essas razões, não vejo por que criminalizar o MST. As ocupações tiveram um caráter de protesto. Ocuparam uma terra da Suzano, na Bahia, alegando que a empresa descumpriu um acordo. Pedimos para eles saírem e criamos uma mesa de negociação com a empresa. Saíram espontaneamente, e temos a negociação indo bem. Ocuparam uma terra da Embrapa, alegando que ali não eram feitas as pesquisas. Levamos o pedido deles de retomada das pesquisas, além do direcionamento de parte delas para a agricultura familiar. Saíram. E foi assim nesses protestos do mês de abril. Agora, não é o momento de estimular o conflito. A CPI, pelo que se viu nas reuniões que tiveram, virou uma CPI conflituosa, um palco para a guerra, para aumentar as tensões no Brasil. Por essa razão, vou com alegria dizer que vejo méritos na ação do MST, ao mesmo tempo que não há contradição entre a ação do MST e o agronegócio.
O senhor é advogado, não tem origem no campo. Isso o deixa mais à vontade para falar na CPI?
Fui escolhido pelo presidente Lula sem ter disputado com nenhum candidato a ministro. Isso me dá uma tranquilidade, inclusive diante daqueles colegas que desejavam ser ministros, me dá uma parceria com eles, porque cada um tem uma contribuição distinta para a política da agricultura familiar. Eu, vindo de outra área, tenho me aplicado, ouvido muito e aprendido muito. Uma coisa curiosa na história do Brasil: o José Serra nunca foi da saúde e foi um bom ministro da Saúde. Delfim Neto, economista, nunca foi da agricultura, mas foi um bom ministro da Agricultura. Esses ministérios requerem pessoas que articulem os diversos segmentos, entendam o seu tempo e articule para melhorar as políticas dessas áreas específicas. Assim estou fazendo. Estou usando todo o meu acúmulo para ajudar a agricultura familiar. Na CPI, vou tentar discutir a política para a agricultura familiar. Acho importante que o Brasil a tenha. Estamos às vésperas do lançamento do Plano Safra. Quero falar quais são os desafios da agricultura familiar, quais são os estímulos que serão dados no Plano Safra e sobre a necessidade de mecanizar a agricultura familiar no Brasil.
O MST é apontado como um movimento criminoso. Como advogado, observa crime ou excessos?
Como advogado, posso dizer que o que caracterizou o movimento de abril deste ano foi protesto, foi reivindicação pela reforma agrária, já que eles saíram das áreas que ocuparam. O MST, muitas vezes, entra em uma área e denúncia a natureza de uma área improdutiva ou em que está acontecendo um crime ambiental. Tem uma crítica. O que temos de olhar no campo brasileiro, que não há no MST, é a violência. E onde está a violência no Brasil? Ano passado, morreram 54 pessoas em conflitos agrários no sul do Pará, no norte de Rondônia, no nordeste do Acre, no sul do Amazonas, no Maranhão, no Tocantins, no Piauí. Nesses lugares, teve, sim, conflito, e violento. Há crimes contra as pessoas, desmatamento, incêndios ilegais, todo o tipo de atividades criminosas. Não posso é transferir a um movimento social, que faz protestos, essa mesma categoria de tratamento. Quando houver abusos, quando entendemos que as atividades extrapolaram, vamos pedimos para que eles se retirassem, como aconteceu nos casos da Embrapa e da Suzano.
Viu abusos nesses casos?
Achávamos que aquela ocupação na Suzano era inadequada, tendo em vista que se tratava de uma área produtiva, de uma área de empresa nacional, listada na Bolsa. Na Embrapa, é pela natureza da importância da Embrapa. Nós os chamamos e sugerimos que eles saíssem daquelas áreas, e eles, de fato, saíram. O foco em relação ao MST (na CPI) pode transbordar para um debate de natureza ideológica, uma polarização política que será desnecessária e árida, que em nada contribuirá para este momento no que o Brasil precisa.
O líder do MST, João Pedro Stédile, disse que o presidente Lula perguntou sobre as ocupações, na viagem à China. Isso gerou apreensão no governo?
Naquele momento, houve apreensão de todos do governo em relação às ocupações, inclusive do presidente. Porque, na verdade, é que abrimos as portas para o debate, as nossas agendas estão abertas. A ida do João Pedro (Stédile) à China foi para aprofundar o debate sobre equipamentos voltados à agricultura familiar. Por isso, houve apreensão naquele momento, mas acho que isso tudo já está superado.
Stédile disse que houve mais assentamentos nos governos Sarney e FHC do que nos 14 anos petistas. Por quê?
Temos divergência quanto a esses dados. Os dois primeiros governos do presidente Lula são responsáveis pelo maior número de assentamentos do Brasil. Os dois governos Lula e o primeiro governo Dilma são responsáveis pelo maior número de assentados.
No início do governo Lula, em 2003, não tivemos ocupações do MST. Por que agora ocorreram tantas ações?
Não houve ocupações no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná, em São Paulo, em Minas Gerais, em Mato Grosso, em Mato Grosso do Sul. Não houve ocupações. As que aconteceram foram todas em uma série de estados do Norte, com movimentos e ocupações.
No carnaval, tivemos algumas no interior de São Paulo...
Estou falando do MST. Aquelas ocupações no interior de São Paulo foram da FLN (Frente Nacional de Luta do Campo e Cidade), que é ligada ao (José) Rainha. Não tem relação nenhuma com o MST. As ocupações do MST aconteceram, basicamente, em três estados: Pernambuco, Bahia e Espírito Santo. Teve uma ocupação em Goiás, mas que durou apenas um dia. Posso dizer que foram os segmentos isolados do MST, porque se tivesse ocorrido uma ação de todo o MST — eles estão organizados em ao menos 20 estados —, teríamos tido ocupações em todos os estados. Acho que o MST continuar fazendo protestos, pressão, isso é importante para a democracia, não existe democracia sem grupo de pressão. A pressão faz parte da democracia, mas a natureza da pressão, a maneira de fazer é que tem de ser ajustada, tendo em vista a utilização que os adversários políticos fazem das ocupações.
O ministério perdeu parte da Conab, e o senhor comemorou mesmo assim?
Comemorei porque o ministério nasceu forte, com o Incra, com a Conab, a Anater, a Ceagesp São Paulo, a Ceasa de Minas. Terminamos a MP (medida provisória) sem perder a competência sobre nenhum desses órgãos. O compartilhamento da Conab já tinha sido acertado no governo, então não houve perdas. Comemorei porque a MP se desenhou para esvaziar o nosso ministério, e tivemos uma forte articulação no Congresso: eu, pessoalmente; a nossa bancada da agricultura familiar; a direção do meu partido; a liderança; o governo; e as lideranças do governo no Senado, na Câmara e no Congresso nos ajudaram a fazer com que o MDA terminasse na mesma conformação que tinha, nas mesmas competências que tinha.
O governo não falhou na articulação?
No que está falhando? A articulação no Congresso, vejo como bem-sucedida. Fui parlamentar, então passei um mês lá. Sendo irônico, a emenda mais benéfica para conosco era para extinguir o ministério, foi até a voto, foi destacada. Então, acho que foi uma vitória. No governo, nossa capacidade de articulação tem sido boa na relação com o Mapa, com o Ministério da Fazenda, Mdic etc.
Mas as ministras Marina Silva e Sônia Guajajara tiveram as pastas esvaziadas, não?
Na verdade, não foram esvaziadas nas suas competências. Tiveram algumas das suas competências alteradas. Elas continuam com os seus ministérios fortes. E essa história ainda não acabou. Temos de ver, agora, a sanção da MP, como fica. Ainda pode ter alterações. Mas eles pegaram mesmo mais forte lá, na questão indígena e na ambiental. Não sei ainda como o presidente Lula vai fazer. Acho que ainda há água para passar debaixo da ponte. Mesmo no governo Lula, teve uma crise de governabilidade fenomenal em 2005. Então, acho que esse foi o primeiro momento de disputa, e, nesse primeiro teste, o governo ganhou. Há ajustes a serem feitos, tem uma calibração a ser feita, mas essa foi a primeira prova, e foi bem-sucedida. Complicou muito a governabilidade o orçamento secreto, que deixou de ser secreto, mas a RP2 retira do Executivo grande parte do orçamento e transforma o deputado em Executivo. Vamos ter de ver como fazer uma alta governabilidade com essa realidade. Esse é o desafio, mas o começo é muito difícil em todo governo.
A cadeira da Presidência da Câmara é uma dificuldade?
Diria que tem uma "realidade" sentado na cadeira da Câmara. Vamos ter de ver como trabalhar, de maneira a ter uma governabilidade que atenda ao programa de governo, atenda ao que a opinião pública quer do governo e aos parâmetros éticos. Vamos governar com essas três âncoras: o programa de governo, o que a sociedade espera e o respeito aos padrões éticos.
O senhor disse que o líder do MST foi à China olhar máquinas para agricultura familiar. Qual é a expectativa do ministério para essa área?
Há um diagnóstico de que as tipologias de máquinas usadas na agricultura no Brasil são só para máquinas grandes, voltadas à agricultura empresarial, de grandes áreas, de grandes culturas. Há uma falta de máquinas voltadas para pomares, para produção de hortaliças, de legumes. Enfim, para essa pequena agroindústria. Com o Ministério do Desenvolvimento Industria e Comércio e com o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação, as universidades federais, além dos bancos públicos, Caixa, BB, Basa e BNB, nós fizemos dois seminários com a indústria de máquinas, a Abimaq. Agora, está saindo um acordo de cooperação técnica para ampliar a produção desses equipamentos pequenos para a agricultura familiar.
E como ampliar a produção de alimento saudável?
Vamos dar incentivos dentro do Plano Safra para o estímulo de produzir mais alimento. Hoje, vamos muito bem na produção de grãos, muito voltada à exportação. O mercado interno está associado à produção de alimentos, então queremos, em primeiro lugar, é criar estímulos para a produção de alimentos, aumentando a produção de alimentos, e diversificar essa produção para baratear o acesso a esses alimentos. Nessa nova política, vamos fazer uma agricultura regenerativa, a agroecologia, recuperando o meio ambiente. O terceiro ingrediente é o protagonismo das mulheres e dos jovens. O quarto ingrediente é do aumento de mecanização no campo. Um dos pilares da nossa proposta no Plano Safra, é a chamada agricultura de baixo carbono. Com circuitos curtos de produção, perto dos lugares de consumo.
Qual será o valor do Plano Safra para a agricultura familiar?
Ainda não podemos anunciar porque não temos fechado, mas espero que seja o maior volume de recursos da história.
Além de ser o maior da história, o que vai mudar no Plano Safra?
Outros estímulos diferenciados para a produção de alimentos, porque o Pronaf foi muito para grãos, que não vamos abandonar. Mas vamos estimular ainda mais a produção de alimentos, a agricultura regenerativa, a liderança de mulheres e jovens, a mecanização, a agroindústria e as cooperativas. Estamos tomando um outro cuidado no Pronaf, de um diálogo com os programas sociais. Muitas vezes, o banco não dá o crédito porque o agricultor não tem o título. A gente está fazendo essa integração da base do Incra com essa integração do Cadastro Único.