DEMARCAÇÃO DE TERRAS

Marco temporal pode resultar em 55 mi de hectares desmatados, diz estudo

Estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia leva em consideração 385 terras indígenas, em que o decreto de homologação foi assinado após a Constituição de 1988

Se aprovado, o marco temporal, que restringe a demarcação de terras indígenas àquelas ocupadas em 1988, poderia resultar no desmatamento de 23 a 55 milhões de hectares de áreas nativas, e também na emissão de 7,6 a 18,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) — o que equivale a 5 e 14 anos de emissões no Brasil. Os dados são do estudo inédito produzido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Em 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o PL 490 — que estabelece o marco temporal. Nesta terça-feira (7/6), o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a demarcação das terras indígenas e analisará se o marco temporal é ou não é constitucional.

A tese é criticada por lideranças indígenas e ambientalistas — pois afirmam que além de dificultar o processo demarcatório, o marco temporal libera a exploração econômica dos territórios. Para dimensionar os impactos da proposta, o estudo do Ipam levou em consideração 385 terras indígenas, que tiveram o decreto de homologação assinado após a Constituição Federal de 1988. Os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que as terras indígenas ocupam 13% do território nacional e possuem menor taxa de desmatamento se comparadas com áreas privadas.

No entanto, de 2019 a 2021, o aumento do desmatamento em terras indígenas na Amazônia foi de 153% em comparação aos três anos anteriores. "O cenário, causado, sobretudo, pelo aumento da grilagem e do desmatamento ilegal, poderá se agravar se as alterações na legislação sobre os direitos indígenas forem aprovadas", destaca o Ipam. A devastação da vegetação nativa também poderá impactar o regime de chuvas na região amazônica — desencadeando consequências climáticas para todo o país.

Para chegar aos dados, os pesquisadores partiram de dois cenários. "Um cenário grave, onde 20% das terras indígenas no bioma Amazônia e 50% no Cerrado e Pantanal estariam desmatados. Neste caso, assumimos como referência os percentuais de desmatamento máximo indicado pelo Código Florestal Brasileiro para estes biomas sob um prisma conservador. Cenário muito grave, sob o qual o desmatamento atingiria 50% nas TIs da Amazônia e 70% do Cerrado e Pantanal. Neste cenário mais grave, partimos da premissa de um avanço ainda maior da grilagem e do desmatamento ilegal em terra pública, em especial nas terras indígenas. Cabe lembrar que, atualmente, cerca de 50% do desmatamento na região acontece em terras públicas", explica o Ipam.

Conhecidos como "guardiões das florestas", os povos originários contribuem para a preservação ambiental, pois se relacionam com a natureza há séculos de maneira respeitosa. “Além de serem totalmente descabidas à luz da Constituição Federal, que protege o direito dos povos indígenas às suas terras, o projeto de lei e a tese do marco temporal ainda colocarão em risco o equilíbrio climático da região Amazônica, afetando o país como um todo. Podemos dar adeus à meta de desmatamento zero do atual governo e ao compromisso do país em reduzir as emissões de carbono. Nos aproximaremos perigosamente do 'ponto sem retorno' que dezenas de cientistas vêm preconizando; estas iniciativas esdrúxulas ameaçam a segurança nacional”, afirma Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM e coordenador do estudo.

Os pesquisadores do Ipam recomendam que as instituições competentes tomem providências imediatas, a fim de garantir os direitos indígenas e a preservação ambiental. Veja os cinco pontos levantados pelo Instituto:

  • Extinguir toda e qualquer tentativa de reduzir ou retirar direitos originários;
  • A demarcação e proteção de todos os territórios tradicionais que aguardam o processo de demarcação e aplicar a destinação correta das Florestas Públicas Não Destinadas de acordo com os usos, costumes e natureza de cada área;
  • Fim das atividades ilegais em terras indígenas, uma vez que interesses privados elevam o grau de insegurança dentro dos territórios criando conflitos, e isso é especialmente grave em territórios onde vivem povos indígena isolados;
  • Fortalecimento da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e o recém-criado Ministério dos Povos Indígenas enquanto órgãos que têm competência para administrar uma agenda que demanda conhecimentos específicos.
  • Promover mais pesquisa para compreender a interdependência dos regimes de chuva que irriga a agricultura e a cobertura florestal.

Confira o estudo completo neste link.

Marco temporal aprovado na Câmara pode ser suspenso se STF julgar medida inconstitucional

Em 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou, por 283 votos a favor e 155 contra, o PL 490 — que estabelece o marco temporal como parâmetro para demarcação de terras indígenas. A proposta segue para a análise no Senado. Entretanto, caso o Supremo entenda que o marco temporal é inconstitucional, o projeto de lei fica suspenso e não poderá vigorar, por ser contrário à Constituição.

A Defensoria Pública da União afirmou, em nota, que a aprovação do PL representaria "grave violação de direitos humanos, contrariaria os deveres do Estado brasileiro explícitos na Convenção da ONU sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio e, também, afrontaria precedentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos". O órgão também frisou acerca da importância da garantia do território, para que os povos originários desenvolvam as relações sociais, políticas e econômicas, "segundo suas próprias bases culturais".

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