diplomacia

Saldo da cúpula sul-americana é de frustração

Avaliação é feita nos bastidores do Ministério das Relações Exteriores. Isso porque os elogios e as amabilidades do presidente brasileiro a Nicolás Maduro tiraram o brilho da reunião realizada para se chegar à nova formatação da Unasul

Uma ponta de frustração nos meios diplomáticos e um prato cheio para a oposição no Congresso. Essa foi a síntese do dia seguinte à reunião de cúpula dos países da América do Sul, em que as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a situação política na Venezuela ofuscaram o sucesso do encontro de chefes de Estado, que formalizaram o interesse unânime de retomar as negociações para uma nova conformação da União dos Países Sul-Americanos (Unasul).

"Receber o presidente (da Venezuela, Nicolás) Maduro já bastava, mas Lula não precisava mentir, estender tapete vermelho para ele", comentou um dos diplomatas ouvidos, ontem, pelo Correio. "O presidente é bom de política externa, mas, com Maduro, pisou na bola", complementou.

O comentário faz referência às declarações de Lula de que as denúncias de violações aos direitos humanos e à democracia na Venezuela são "narrativas". Do ponto das relações exteriores, a cúpula de Brasília é vista como um sucesso, e reafirma o papel do Brasil como locomotiva do processo de integração continental.

Mas os ganhos políticos da iniciativa, que reuniu em Brasília líderes dos 12 países da América do Sul, em um encontro que não ocorria há quase nove anos, foram ofuscados pelo tratamento dado ao presidente venezuelano.

"Temos que manter o foco porque, depois que a espuma baixa, ficam os resultados. E temos convicção de que esses resultados virão, e serão positivos. Temos que trabalhar, agora, em mais entregas e menos retórica. As palavras têm seu papel, mas o que vai fazer a diferença é o resgate das relações (com os países vizinhos)", avaliou um embaixador de primeira classe, que atuou diretamente na organização da cúpula.

Congresso

A presença de Maduro em Brasília e as declarações amistosas de Lula à situação política na Venezuela foram exploradas pela oposição no Congresso, que convocou uma reunião, nesta quarta-feira, com a participação, por videoconferência, do autodeclarado presidente venezuelano, Juan Guaidó — que chegou a ser reconhecido pelo governo de Jair Bolsonaro. O auditório da Câmara dos Deputados ficou cheio, com a presença majoritária de parlamentares ligados ao bolsonarismo.

Ao comentar a declaração de Lula de que a situação política na Venezuela é uma "narrativa", Guaidó disse que "falar de narrativa é como voltar a encarcerar os presos políticos". Ele agradeceu ao convite dos parlamentares que organizaram a reunião — os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Marcel Van Hatten (Novo-RS) e dos senadores Eduardo Girão (Podemos-CE) e Rogério Marinho (PL-RN). Quando recebeu um pedido público de desculpas, disse que "as desculpas não são de vocês, deveriam ser de quem mentiu aos brasileiros" — referindo-se a Lula.

Na quarta-feira, na entrevista que concedeu após a cúpula, o presidente brasileiro chamou Guaidó de "impostor".