Imparcialidade, drogas, aborto, liberdade expressão, entre outros — na sabatina que o confirmou para assumir o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cristiano Zanin Martins foi questionado pelos senadores sobre uma grande variedade de temas atuais e sensíveis.
Zanin foi aprovado na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado (por 21 votos a favor e 5 contra) e em seguida no plenário (58 a 18).
Como é praxe nas sabatinas, novo ministro não aprofundou seu posicionamento em assuntos mais polêmicos com a justificativa de que os temas podem ser julgados pelo STF e ele não pode antecipar o voto - além de precisar analisar questões técnicas e fatos de cada caso em julgamento.
No entanto, as respostas de Zanin ajudaram a diminuir um pouco as incógnitas em torno de sua figura - que cultivou descrição ao longo de sua atuação como advogado de Lula nos últimos anos.
Relação com Lula e imparcialidade
Bombardeado por perguntas sobre sua relação profissional e pessoal com Lula vindas de diversos senadores, Zanin - que defendeu o petista nos casos da operação Lava Jato - afirmou que teve bastante convivência com o presidente como seu advogado, mas que sempre defendeu a importância da imparcialidade dos julgadores e que pretende agir de acordo.
Respondendo a uma pergunta do senador Sergio Moro (União-PR), esclareceu que não foi padrinho de casamento de Lula (como Moro disse ter lido na internet) e que, neste ano, a única ocasião em que esteve presencialmente com o presidente foi quando recebeu o convite para o cargo no Palácio do Planalto.
O encontro cara a cara com Moro foi o primeiro desde as intensas trocas entre os dois durante o julgamento dos processos.
"Então minha relação com o presidente tem esses contornos - jamais vou negá-la, ao contrário, sou grato pela indicação", disse Zanin, que afirmou também que terá uma atuação imparcial e não terá problemas em se declarar impedido em casos em que estejam presentes os critérios para suspeição.
"A imparcialidade do julgador é um elemento estruturante da Justiça, é fundamental para assegurar a credibilidade do sistema de Justiça. Todas as medidas que eu possa adotar para assegurar a credibilidade do sistema de Justiça, eu farei", afirmou.
"Minha função jamais será a de proteger um partido ou grupo político em detrimento do outro. Não tenho filiação partidária, não tenho atividade político partidária", disse ele.
"O exercício da Corte demanda atuação imparcial e independente do magistrado. Isso é o que sempre defendi na minha carreira profissional, não só nos tribunais nacionais mas no comitê de direitos humanos da ONU", afirmou.
"É um assunto que sempre me preocupou. Eu sempre defendi a atuação imparcial e se aprovado defenderei com ainda mais rigor."
Zanin obteve vitórias no caso de Lula justamente ao conseguir decisão do Supremo em favor de seu argumento de que o presidente não teve um julgamento imparcial.
'Juiz não tem que ser protagonista'
Zanin disse que, como determina a lei, vai se declarar impedido para julgar qualquer caso em que tenha atuado como advogado, independentemente de quem defendeu.
Mas afirmou que não deve se declarar impedido em qualquer caso da Lava Jato apenas por ele ser oriundo da operação.
"Para processos futuros, é preciso analisar os autos, o conteúdo do processo, as partes. O simples fato de um processo ter a etiqueta 'Lava Jato' não pode ser um critério para controle jurídico. O critério deve ser o que a lei prevê. Se houver hipóteses de impedimento, não terei o menor problema em declarar suspeição", afirmou.
O advogado afirmou que os atributos do magistrado devem ser "equilíbrio, temperança e equidistância em relação às partes".
"O magistrado tem que ouvir em condição de igualdade as duas partes de forma equidistante e formar o seu juízo com equilíbrio. Não deve ser o protagonista do processo, mas agir com muito equilíbrio e temperança", disse, em uma aparente cutucada no senador Sergio Moro, que, quando era juiz, foi um dos "personagens" mais proeminentes durante o curso da operação Lava Jato.
Guerra às drogas
Zanin deu pistas sobre sua postura quanto à criminalização das drogas e a questão de se os guardas municipais podem ou não fazer revistas pessoais.
Ele afirmou que não é uma questão "de ser favorável ou não ao combate", mas uma questão de respeitar o que a lei diz sobre os limites de atuação dos agentes públicos.
"Droga é um mal que precisa ser combatido", disse ele, "e o Senado tem aprimorado a legislação nesse sentido".
"Minha visão é que a lei deve definir a atribuição do agente público, ou seja, é preciso avaliar se o agente público tem atribuição legal para realizar o ato de persecução", disse.
"O Estado não pode adotar a regra do vale tudo. O estado tem poder enorme, e ele deve ser contido sempre que usado fora do que prevê a lei ou de forma abusiva."
Liberdade de expressão e liberdade de imprensa
Questionado sobre uma fala em seu livro em que cita a regulação de imprensa em comparação do Brasil com o Reino Unido, Zanin afirmou que defende "de forma veemente" a liberdade de imprensa "como um direito fundamental, inclusive daquele que tem o direito de ser informado".
"(Como advogado) tive oportunidade de defender a liberdade de imprensa de empresas e jornalistas que estavam tendo sua liberdade cerceada", afirmou.
Zanin disse que em seu livro não defende um modelo de disciplina, mas coloca o tema em discussão.
Quanto ao direito à liberdade de expressão, Zanin afirmou sua importância, mas disse que ela tem limites, não é um "direito absoluto, não protege um direito a cometer crimes".
"Exercício de um direito nao pode comprometer a esfera jurídica de outra pessoa", afirmou.
Direitos da população LGBT
Sobre direitos da população LGBT, Zanin afirmou na sabatina que respeita "todas as formas de expressão do afeto e do amor" e que isso é um direito fundamental.
"Isso tem que ser respeitado pela sociedade e pelas instituições", disse ele, que citou resoluções no Conselho Nacional de Justiça e do próprio STF que garantiram direitos, como a união estável entre pessoas do mesmo gênero.
"Novos julgamentos sobre esses assuntos", afirmou, "vão passar pela Constituição, pelos fundamentos, dentre eles a dignidade da pessoa humana e o objetivo fundamental da república - promover o bem de todos sem preconceitos de origem cor, idade e quaisquer outra formas."
Aborto
Em outros temas delicados, como o direito a interromper uma gravidez, Zanin evitou dar respostas tão precisas.
"O respeito à vida está previsto na Constituição. É uma garantia fundamental." disse ele.
O advogado afirmou que temos que enaltecer o direito à vida, mas, ao mesmo tempo, afirmou, "existe um arcabouço tanto da tutela do direito à vida" quanto sobre as "hipóteses de excludente de ilicitude (para mulheres que fazem o procedimento) em casos determinados", como estupro ou anencefalia do feto.
Terras Indígenas
Zanin disse que não poderia comentar o caso específico do Marco Temporal (tese jurídica que diz que os povos indígenas (que visa restringir a demarcação de terras às ocupadas em 1988) para não antecipar votos.
Mas afirmou que a Constituição prevê tanto o direito à propriedade privada quanto os direitos dos povos originários.
"Então, nessa questão é preciso sopesar esses valores e conciliar os dois direitos", disse.
Foro Privilegiado
Zanin afirmou que o foro privilegiado para autoridades é um assunto sobre o qual o entendimento do Supremo já está consolidado. Uma das decisões mais recentes da Corte restringiu o foro para atos cometidos durante o mandato.
"Não posso e nem deveria analisar um julgamento que já ocorreu. Eventuais mudanças podem ser realizadas pela via do Congresso", afirmou Zanin.
Liberdade religiosa
Sobre liberdade religiosa, Zanin destacou que o Estado brasileiro é laico, mas que assegura a liberdade de crença e de religião a todos os cidadãos.
"Prestigiar a liberdade religiosa é prestigiar também o texto constitucional", disse ele.
Zanin ponderou que a liberdade religiosa não pode extrapolar a ponto de ofender um terceiro.
A pergunta havia sido feita pelo senador Carlos Viana (Podemos-MG) que disse que há "pastores e padres sendo perseguidos" e acusados de homofobia.
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