Uma velha máxima do jogo do poder diz que "na política não há espaço vazio", e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até pela experiência que acumula, sabe disso. Mas enquanto se candidatava, nas reuniões multilaterais internacionais, a moderador da paz na guerra da Rússia contra a Ucrânia ou se apresentava como embaixador da preservação da biodiversidade amazônica, o diálogo entre o Palácio do Planalto e o Congresso — sobretudo a Câmara dos Deputados — emperrava. Tal dificuldade permitiu que Arthur Lira (PP-AL) avançasse, fizesse críticas públicas à coordenação política do governo e subisse o preço das reivindicações.
Lula foi obrigado a entrar em campo para ajustar sua orquestra e mantê-la tocando com a mesma partitura. Se o presidente defendeu, em Londres, quando lá esteve para a coroação do rei Charles III, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e Lira elogiou o esforço do líder do governo José Guimarães (PT-CE) em um dos puxões de orelha públicos sobre a dificuldade de fechar acordos com o Planalto, há uma certa cautela em relação à atuação do ministro da Casa Civil, Rui Costa. Colocam na sua conta as complicações que o presidente da Câmara diz encontrar para ajustar uma troca de favores que seja módica para os dois lados, quando o que está em jogo são matérias de interesse do governo.
Mas, mesmo com Lula tomando a frente das conversas com Lira — que maneja o Centrão na retaguarda —, o presidente da Câmara viu espaço para avançar, e avançou. Hoje, força a mão para colocar no Ministério da Saúde algum apadrinhado — e remover de lá Nísia Trindade, que dá uma face técnica a uma pasta com um dos maiores orçamentos na Esplanada — e pretende incluir o Ministério do Turismo no pacote de negociação. Para este último, o nome está até escolhido: o deputado Celso Sabino (União Brasil-PA). Uma forma, segundo Lira, de trazer o UB, definitivamente, para a base na Câmara e ainda pôr um afilhado no primeiro escalão do governo.
Advertência
Quem não gostou foi Waguinho Carneiro, prefeito de Belford Roxo (RJ) e marido da ainda ministra do Turismo, Daniela Carneiro: avisou que será um erro instalar um bolsonarista no governo, no que foi endossado pelo PT do Rio de Janeiro, que, em nota divulgada ontem, manifestou apoio à permanência dela na pasta. Mesmo assim, Lula conversará com o aliado, ainda nesta semana, antes de tomar uma decisão. Afinal, no próximo ano há eleições, os municípios da Baixada Fluminense são um reduto do ex-presidente Jair Bolsonaro e Waguinho é um aliado de peso.
Embora seja exagerada a avaliação feita por alguns de que Lira pode ser o "Eduardo Cunha" de Lula — uma alusão ao ex-presidente da Câmara, que se desentendeu com a coordenação política da então presidenta Dilma Rousseff e levou adiante o processo de impeachment —, fontes no governo e na Câmara afirmam que a margem de manobra para negociar acabou. Em pouco mais de seis meses de gestão, sobram reclamações e críticas aos interlocutores do Planalto. Sobre Rui Costa, afirmam que é paroquial e não cruzou as fronteiras da Bahia, onde foi governador. De Alexandre Padilha, os relatos são de que "tem boa vontade", mas falta-lhe força para encaminhar demandas aos demais ministérios e ajustar negociações.
Até mesmo o PP e o Republicanos, que não compõem a base do Planalto, se sentem à vontade para reivindicar espaços no governo. Argumentam, assim como outros integrantes do Centrão, que seus votos foram decisivos na aprovação do Arcabouço Fiscal e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição.
Mas a cobrança por interlocução não vem apenas do Centrão. A Federação PSol/Rede, que votou contra o novo marco fiscal, questiona o Planalto sobre quando se darão as exonerações, nos segundo e terceiro escalões da estrutura federal nos estados e municípios, de servidores apontados como bolsonaristas. O fato de não poder ocupar completamente tais espaços vem tirando o humor de parte da esquerda na Câmara — o que inclui também o PT, que ameaçou dizer não ao Arcabouço.
Soma-se a esses fatores uma postura considerada politicamente errática por alguns parlamentares, incomodados com a benevolência no trato de alguns personagens não alinhados com o governo. "Eles vão para os estados e anunciam programas ao lado de adversários políticos, como Raquel Lyra e Fernando Bezerra Coelho (ambos de Pernambuco), por exemplo. Em 19 de maio, o ministro dos Transportes, Renan Filho, se encontrou com a governadora de Pernambuco após entregar uma obra da Transnordestina. O próprio Lula esteve com ela na última semana. São pessoas que ficaram contra o governo nas eleições passadas", disse um parlamentar, desapontado, sobretudo quando se sabe que o partido de Raquel é o oposicionista PSDB e o de Coelho o não tão fiel MDB.
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