O grande casarão rosa, com quase 170 anos, imponentemente erguido no coração do Rio de Janeiro, é uma joia que não passa despercebida no vaivém frenético do centro da cidade, mas poucos cariocas têm ideia do tesouro preservado em seu interior. A própria arquitetura, em estilo neoclássico, encomendada a dois anônimos arquitetos franceses pelo filho do primeiro barão de Itamaraty, contrasta com dois prédios vizinhos igualmente icônicos em um dos trechos mais movimentados da região central da cidade: a estação ferroviária Central do Brasil e o Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste. E está a poucos metros do Campo de Santana, em torno do qual se concentram muitos outros endereços que fazem parte da história do Império e da República.
Estamos falando do Palácio do Itamaraty, um patrimônio de valor incalculável para a história brasileira, que passa por uma necessária revitalização para recuperar não só a estrutura física mas o acervo de mapas, livros, obras de arte e móveis que emolduraram alguns dos momentos mais marcantes da formação do Brasil como país. Até o fim de 2026, cariocas e turistas devem receber como presente uma estrutura ampliada e modernizada, que dará mais conforto e segurança a pesquisadores, funcionários e visitantes.
As obras de restauro, já aprovadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e estimadas inicialmente em R$ 36 milhões para o projeto básico, estão sendo bancadas por convênios com empresas públicas e privadas, como a Itaipu Binacional, e por emendas parlamentares, além de apoio do BNDES. A captação de recursos e acompanhamento da execução do projeto estão a cargo do Instituto Pedra, organização sem fins lucrativos, por meio de um acordo de cooperação firmado com o Ministério das Relações Exteriores.
"A reforma do Complexo Arquitetônico do Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro, a Casa de Rio Branco, contribuirá para o projeto de revitalização do Centro do Rio, ao dotar a cidade de um equipamento cultural dedicado à memória, ao conhecimento, a eventos, sendo um dos únicos centros culturais do Mundo destinado à história diplomática", disse ao Correio a chefe do escritório do Itamaraty no Rio de Janeiro, embaixadora Márcia Maro.
O conjunto arquitetônico instalado em uma área de 17 mil m² tem quatro prédios erguidos em volta de um bucólico laguinho ornado por chafarizes: o palacete principal, na parte da frente, que, atualmente, abriga o Museu Histórico Diplomático do Itamaraty; a biblioteca, ao fundo; um bloco de serviços; e as cavalariças (onde funcionavam as cocheiras), que serão transformadas em salões para exposições temporárias. Também está sendo incorporado ao complexo o Edifício Niterói, do outro lado da rua Visconde da Gávea, que receberá a administração do palácio e laboratórios de pesquisa.
História e acervo
A linha do tempo do Palácio Itamaraty é um verdadeiro passeio pela história do Brasil. Foi construído para servir de casa de festas à abastada família do segundo barão de Itamarati, Francisco José da Rocha Leão. Nos ricos salões da propriedade, o imperador dom Pedro II comemorou, com uma grande festa, a vitória da Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai, em 1870. Com o golpe que depôs a monarquia e instaurou a República no país, em 1889, o suntuoso prédio abrigou o Governo Provisório comandado por Deodoro da Fonseca, que renunciou em 1891 e foi sucedido por Floriano Peixoto.
A partir de 1897, depois que a sede do Executivo republicano passou para o Palácio do Catete — comprado no mandato do presidente Prudente de Moraes —, o Itamaraty abrigou o Ministério das Relações Exteriores até a transferência definitiva para Brasília, em 1970, uma década depois da inauguração da nova capital. Como sede da chancelaria brasileira, o palácio também serviu como última moradia de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão de Rio Branco, patrono da diplomacia do país.
Foi o barão que começou a captar e organizar o acervo do Palácio Itamaraty. Hoje, reúne o mais importante acervo cartográfico da América latina, com uma coleção de mais de 30 mil mapas, cartas náuticas e plantas arquitetônicas e urbanísticas, além de 18 mil fotografias, desenhos e gravuras. Entre as peças, raridades de valor incalculável, como um raríssimo mapa do século 16 em que o Brasil é registrado pela primeira vez. O detalhe curioso é que o Hemisfério Sul foi desenhado na parte de cima do mapa, enquanto a Europa e a Ásia ocupam a parte inferior.
Há muitos documentos relativos às relações internacionais brasileiras. O Arquivo Histórico do Itamaraty guarda 3,2 mil metros lineares de documentos (de 1575 a 1959), incluindo todos os registros oficiais diplomáticos do Brasil desde a chegada da família Real, em 1808.
Mas o museu também tem uma expressiva coleção de obras de arte, com peças praticamente desconhecidas de artistas famosos. Um dos quadros mais curiosos, pintado pelo artista francês Jean Baptiste Debret, retrata o futuro imperador dom Pedro I ainda bebê. A mesa em que o monarca assinou o termo de abdicação ao trono também está lá.
A biblioteca, por sua vez, é a terceira mais importante do país, com acervo de 140 mil livros — 25 mil considerados raros —, só perdendo para a Biblioteca Nacional e a Biblioteca Municipal de São Paulo. A obra mais antiga data de 1481. Todo esse patrimônio estava ameaçado por falta de preservação adequada. Por isso, a restauração está priorizando a reforma de telhados e esquadrias, recuperação da parte elétrica, proteção contra incêndio e eliminação de pragas, como cupins, que põem em risco a integridade do acervo.
O acervo de móveis guarda objetos de diversos estilos, que vão do século 17 ao século 20. Os salões preservam, em parte, o mobiliário original do palácio, com peças que pertenceram ao Barão do Itamaraty e aos imperadores, príncipes e princesas na monarquia, além de presentes recebidos pelo governo brasileiro. Entre eles, um console usado pelo imperador francês Napoleão Bonaparte, dado de presente à imperatriz Dona Amélia.
Para que todo esse esforço de restauração não pare, políticos e diplomatas tentam convencer parlamentares de todas as matizes políticas para que assinem emendas em favor do projeto. "A recuperação do Palácio do Itamaraty deve ser uma prioridade de todos os Poderes, incluindo a bancada federal (deputados e senadores) do Rio de Janeiro. Preservar o palácio que referencia nossa própria política externa é cuidar da nossa tradição diplomática e dos valores da nossa inserção no mundo", disse o secretário municipal de Cultura do Rio De Janeiro, Marcelo Calero.
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