Poder

Após susto, Lula volta à articulação política e quer intensificar diálogo

Presidente quer intensificar diálogo com bancadas em encontros no Palácio da Alvorada, após o expediente. Ideia é dirimir insatisfações

Raphael Felice
Vinicius Doria
Taísa Medeiros
postado em 04/06/2023 06:00
 (crédito:  Ricardo Stuckert/PR)
(crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Após o risco real de ver rejeitada a medida provisória que redesenhou a Esplanada dos Ministérios, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se convenceu de que precisa atuar mais diretamente no diálogo entre Palácio do Planalto e Congresso. A vitória, ainda que parcial, na aprovação da MP — em que as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas perderam atribuições — tem as digitais do chefe do Executivo, que prometeu promover, a partir das próximas semanas, rodadas de conversas com as bancadas dos partidos aliados, tanto na Câmara quanto no Senado.

Esses encontros vão ocorrer no Palácio da Alvorada, após o expediente regular no Planalto, em uma espécie de happy hour, sem muitas formalidades. Lula pretende ouvir, diretamente, e em um ambiente descontraído, as queixas dos parlamentares em relação à articulação política do governo, e propor medidas para "organizar, dar um método para o atendimento das principais demandas", segundo explicou um líder governista ouvido pelo Correio. A ideia é reunir, separadamente, bancada por bancada, partido por partido. Legendas que não fazem parte da base também serão convidadas, como o PP e o Republicanos.

Essas rodas de conversa ainda vão ajudar o petista a reduzir o poder de intermediação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nas negociações em torno da liberação de emendas e indicação de cargos no Executivo. A agenda desses encontros começará a ser definida nos próximos dias pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, com a ajuda dos líderes do governo no Congresso. A sugestão de levar parlamentares ao Alvorada surgiu em uma reunião fora da agenda oficial, na semana retrasada, entre Lula, Padilha e o líder da maioria no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), no Planalto.

Como o presidente tinha um compromisso importante na semana passada, a reunião de cúpula dos países da América do Sul, com vários compromissos bilaterais, não havia espaço para dar início a esses encontros. Para salvar a MP dos Ministérios, a saída foi intensificar os contatos telefônicos com parlamentares e liberar mais um lote grande de emendas parlamentares — cerca de R$ 1,7 bilhão.

Além das falhas de articulação da base governista e a falta de conversas olho no olho com o chefe do Executivo, o governo vem liberando a conta-gotas as emendas prometidas em troca de apoio em seus projetos. Com medo da derrota do projeto na Câmara, em apenas um dia R$ 1,7 bilhão foi liberado em emendas parlamentares, conforme informações do portal do Orçamento Federal.

A maior parte da verba foi direcionada a partidos do Centrão. O PSD, por exemplo, recebeu R$ 190 milhões. Já a bancada do PL recebeu mais de R$ 250 milhões. O PP, de Arthur Lira, angariou mais de R$ 175 milhões.

Recado dado

O lance mais ousado da ofensiva governista foi promover um sutil afastamento de Lira das negociações com os partidos. No dia da votação da MP, o presidente da Câmara tentou encontrar-se pessoalmente com Lula, que não o recebeu. Os dois conversaram apenas por telefone. "O presidente Lula me ligou de manhã. Expliquei a ele as dificuldades que o governo dele tem. O problema não é da Câmara ou do Congresso, o problema está na falta ou na ausência de articulação. Não tenho mais como empenhar", disse Lira, lavando as mãos em relação à votação da MP.

Depois da aprovação da medida, com placar expressivo em favor do governo, Lula desabafou: "Passaram para a sociedade a ideia de que o governo estava destruído, que iria ser massacrado, que o Congresso não iria aprovar. Quando chegou (a votação), todos aqueles que falaram do massacre e da destruição começaram a falar da vitória do governo". O recado para Lira estava dado.

"Arthur Lira não é governista, foi aliado de Jair Bolsonaro durante todo o governo dele. Fez campanha pela reeleição de Bolsonaro e perdeu. Perdeu também em Alagoas para seu principal adversário (Renan Calheiros). Está pressionado pelo julgamento de uma ação no Supremo Tribunal Federal contra ele por corrupção. E, agora, teve a operação da Polícia Federal contra pessoas muito próximas dele, com fotos de cofres cheios de dinheiro. Lira está sob pressão. O momento favorece (um rearranjo nas relações com o Congresso)", avaliou o líder de um partido da base.

Após a vitória governista na votação da MP dos Ministérios, Arthur Lira deu declarações em que dividiu com o presidente o mérito pela aprovação. "Foi um grande esforço dos partidos independentes, até dos partidos de oposição, em ajudar na votação, por um apelo que foi feito pelo presidente Lula a mim, pessoalmente, e um apelo meu aos líderes", afirmou em entrevista à GloboNews.

As dificuldades na implementação do projeto político de Lula esbarram nas lideranças do Congresso. Deputados têm deixado claro que, passado seis meses de governo, as barreiras de articulação já deveriam ter encontrado espaço para serem azeitadas.

"A relação do governo com o Congresso precisa ser melhor azeitada acho que é um fato existe grande reclamação grande dos cargos locais que já está com seis meses de governo. Hoje é 1º de junho e muitos estados não têm se resolvido", apontou o deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos-PE), na quinta-feira.

Um importante termômetro nos últimos dias foi a aprovação da medida provisória que reestrutura a Esplanada dos Ministérios. A medida passou no Congresso em meio a cobranças ao governo e ao "último voto de confiança" dos parlamentares do Centrão. Integrantes de legendas de centro, da oposição e da própria base aliada relatam que o distanciamento do Executivo em relação ao parlamento, especialmente dos ministros do governo, chegou ao limite. Somado a isso, está a ausência do presidente Lula — que focou nas últimas semanas em fortalecer a agenda internacional — nas tratativas com os partidos de centro.

Na quarta, durante a votação, a corda foi esticada até o limite, deixando evidente a pressão de um grupo de parlamentares para que não fosse votada a matéria.

Segundo o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), líder do bloco apoiado por Arthur Lira (PP-AL), que inclui as legendas União Brasil, PP, e a Federação PSDB, Cidadania, PDT, PSB, Avante, Solidariedade, Patriota, o cenário que antecedeu a votação da MP 1154 abriu os olhos do presidente.

"Lula precisa ajustar essa relação com o Congresso. Nos outros governos, ele fazia isso com maestria. Nessa largada, isso não tem acontecido. Ele não tem dialogado sobretudo com partidos de centro, que são a maioria aqui na Câmara. A gente tem defendido que o presidente saia dessa bolha e fale com líderes desses partidos", disse.

A aprovação da MP 1.154, segundo Carreras, se deu por "uma sensibilidade da Câmara", pois teve muito trabalho de convencimento ao longo do dia da votação. "Eu lidero um bloco que anteriormente teria só voto do meu partido e do PDT (se não fossem as negociações)", disse.

 


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