O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, atraiu para si boa parte das atenções da reunião de cúpula da América do Sul, nesta terça-feira, em Brasília, e de centenas de jornalistas que aguardavam o fim do encontro.
Ao deixar o Palácio do Itamaraty, Maduro foi cercado pela imprensa e quase não conseguiu falar. Ele declarou que a cúpula foi o "ponto de partida para uma nova etapa" da integração continental e que a Venezuela "não tem problemas para conversar, falar francamente com nenhuma força política, com nenhum presidente, com nenhuma corrente", desde que seja "um diálogo respeitoso, tolerante, de união e (respeito) à diversidade".
Maduro disse que a Venezuela é "reconhecida" pelos presidentes que vieram a Brasília — "com diversas visões" — como "uma corrente popular, bolivariana, de esquerda", que tem participado "de todos os processos integracionistas de América Latina e Caribe".
Sobre os resultados da cúpula, o líder venezuelano destacou que o Consenso de Brasília, carta com a posição conjunta de todos os participantes do encontro, "é um ponto de partida para uma nova etapa".
"O mundo está mudando, está avançando rapidamente para um mundo multipolar onde a América do Sul não pode ficar atrás", ressaltou.
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Pragmatismo
Para o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV Leonardo Paz, o convite do presidente Luiz Inácio Lula da Siva a Maduro para a cúpula foi correto.
Ele destaca que a relação do Brasil é com o Estado da Venezuela, e não com o atual governo, e que os países compartilham mais de dois mil quilômetros de fronteira. "Eu faria o mesmo, mas de forma mais discreta. Até o Joe Biden (presidente americano) agiu pragmaticamente e se aproximou da Venezuela, levantando um conjunto de sanções. Se os EUA fizeram, por que não faríamos?", questionou.
Com a guerra entre Rússia e Ucrânia, que teve impacto pesado no fornecimento de petróleo para o mundo, o governo americano amenizou a relação com a Venezuela e removeu parte dos embargos econômicos, com o objetivo de importar o petróleo do país. O mesmo ocorreu com nações da União Europeia.
Para Leonardo Paz, os temas tratados entre Maduro e Lula foram bastante pragmáticos, e não ideológicos, e pouca gente percebeu a crítica sutil que o petista fez a seu homólogo durante o discurso. "Ele fez uma coisa inteligente, dando uma certa cutucada no Maduro, cobrando eleições livres. Lula deu a entender que, para fazer a 'narrativa' desaparecer, o país tem que ter eleições livres e justas", analisou.
Mesmo assim, o pesquisador vê um grande deslize do presidente brasileiro ao receber Maduro de forma pomposa e discursar a favor do governo venezuelano, defendendo que o vizinho é democrático. Ele só enxerga com ressalvas as críticas feitas pela oposição a Lula, principalmente por aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Nenhum deles criticou o governo Bolsonaro quando viajou para a Arábia Saudita, que é tão ou mais violador dos direitos humanos do que a Venezuela. Não é a questão de valores que está em jogo, como eles dizem, é puramente ideológico", destacou Leonardo Paz.
Na avaliação do coordenador de Análise Política da BMJ Consultores Associados, Lucas Fernandes, o deslize deixou o governo vulnerável às críticas, que não tardaram em aparecer. Do ponto de vista pragmático, ele disse concordar que a reaproximação com a Venezuela é necessária para, por exemplo, negociar a dívida de US$ 1,27 bilhão com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que perdeu qualquer perspectiva de ser paga com o rompimento diplomático promovido pelo governo anterior. "Mas não pode ser uma negociação que perdoe muito (a dívida). Isso poderia ser muito malvisto", alertou.
"A maneira como (a aproximação) foi feita abre flancos muito importantes. E aí existe um quê de verdade, sobre uma condução um pouco mais ideológica da política externa por parte de Lula, diferente da posição histórica de neutralidade diplomática", afirmou.