Política Internacional

Brasil e Venezuela: entenda críticas e motivos da reaproximação dos países

Para analistas, a aproximação do governo brasileiro com a Venezuela deve ocorrer de forma estratégica e não por ideologias

O encontro entre os presidente Nicolás Maduro, da Venezuela, e Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, na véspera da cúpula entre os líderes da América do Sul, teve reações divergentes na população, e, principalmente, entre políticos opositores e aliados do governo. O ponto principal da discussão é se a aproximação entre Brasil e Venezuela pode significar uma legitimação do governo venezuelano. 

Maduro assumiu interinamente o comando da Venezuela em 2013, quando Hugo Chávez, então presidente, morreu de um câncer. Um mês depois, elegeu-se em uma eleição apertada e nos anos seguintes passou a sofrer boicotes internacionais devido as denúncias de violação dos direitos humanos — sendo acusado até mesmo pela Organização das Nações Unidas (ONU).

O governo da Venezuela, de Nicolás Maduro, foi acusado de graves violações de direitos humanos pela  e de "narcoterrorismo" pelos Estados Unidos. 

Em 2017, o Brasil rompeu com a Venezuela durante a gestão do ex-presidente Michel Temer, quando o país resolveu adotar um discurso mais incisivo contra a Venezuela. Nesse período ocorreu um aumento dos embargos dos Estados Unidos contra o governo da Venezuela, que acusava a nação de "narcoterrorismo". O isolamento na América do Sul e da maior potencia global fez com que o país fortalece os laços comerciais com nações consideradas "rivais" dos norte-americanos na geopolítica, como a China e a Rússia. 

A partir de 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) torna-se presidente, a relação entre Brasil e Venezuela entra no pior momento. Bolsonaro chegou a proibir Maduro de entrar no Brasil — o que só foi derrubado em decreto de 30 de dezembro de 2022 —, e diversas vezes disse que "o Brasil viraria a Venezuela", caso um político de esquerda voltasse ao Palácio do Planalto. 

Lula busca retomar protagonismo brasileiro na América do Sul 

Após o retorno de Lula à presidência, o governo brasileiro demonstrou interesse em uma reaproximação dos países sul-americanos. Nesta terça-feira (30/5), quando ocorre a Cúpula dos líderes da América do Sul, em Brasília, o petista atua para recuperar o protagonismo do Brasil como líder geopolítico do continente, e também como uma forma de destravar a Unasul, um bloco de aliança política inaugurado em 2008 com o intuito de fortalecer a cooperação Sul-Sul, de acordo com o consultor de Relações Internacionais da BMJ Consultores Associados, Nicholas Borges.

Na análise do cientista político João Lucas Pires, é importante que exista uma relação diplomática entre Brasil e Venezuela, independente do regime político venezuelano, devido a questão geográfica — a Venezuela é vizinha do Brasil, com fronteira nos estados do Amazonas e Roraima. Com isso, os países têm interesses em comum, como problemas com refugiados, tráfico de drogas, crime organizado e preservação ambiental. 

“O que deve ficar claro são os limites que balizam essa relação, ter encontros não significa alinhamento ideológico. As relações têm de ser pragmáticas, inclusive diversos países estão voltando a ter relações com a Venezuela nesses termos”, explica João Lucas Pires.

O cientista político destaca ainda que a posição oficial do estado brasileiro pelo Itamaraty é que as relações entre Brasil e Venezuela são para tratar assuntos que dizem respeito a essas questões de estado. “Ter uma reunião bilateral, participar de um mesmo evento ou cúpula é algo natural e desejável, ainda mais se o país é seu vizinho, mas é necessário deixar claro em que tom e posição essa conversa irá ocorrer”.

O motivo da aproximação

O especialista Nicholas reconhece que o tema “Venezuela” é sempre bastante "caro" para o senso comum brasileiro e que por isso, às vezes, é muito difícil romper com a visão de que a aproximação com a Venezuela de certa forma chancela as graves denúncias que o governo de Maduro recebe. 

“A diplomacia brasileira tem uma visão muito mais estratégica e ampla sobre os benefícios da relação com o país vizinho, mas ainda seria preciso trabalhar com essa nova retórica para tentar diminuir o ônus político-discursivo dessa aproximação”, destaca.

Além disso, Nicholas ressalta que a reaproximação com a Venezuela não é algo exclusivo do Brasil. “Com a crise na Ucrânia, até os Estados Unidos decidiram se reaproximar do país. Mas, regionalmente, esse esforço também é notório. Gustavo Petro, na Colômbia, também promoveu uma reaproximação intensa com a Venezuela e, até mesmo Gabril Boric (presidente do Chile), que é crítico a Nicolás Maduro, também tem optado por uma relação mais próxima com o governo”, esclarece.

Contudo, o especialista argumenta que a aproximação brasileira pode ser ainda mais estratégica. “O Brasil poderia ser reconsiderado para ser um dos principais intermediadores políticos com a Venezuela e ter um papel importante na resolução política do distanciamento com a Venezuela, principalmente considerando que no próximo ano os venezuelanos realizarão novas eleições gerais”, indaga.

“Legitimidade democrática” da Venezuela

Na visão dos analistas, o ponto principal das críticas são as falas do presidente Lula que podem soar como um posicionamento e comprometer a atuação do Brasil como um possível mediador na resolução do problema da Venezuela.

No dia 29 de maio, o presidente Lula falou sobre o preconceito que existe com a Venezuela, afirmou que o país é uma "democracia" e diz entender que as diferentes versões são uma "narrativa política" dos inimigos do país vizinho. “Eu briguei muito com companheiros social-democratas europeus que defendem a democracia e que não entendiam que a Venezuela é uma democracia”, disse Lula ao lado de Maduro após o encontro dos dois em Brasília.

Para João Lucas, as falas do presidente foram inaceitáveis neste contexto. “Se o Brasil tem vontade de atuar como um 'player' internacional, inclusive para resolução do problema Venezuela, não pode o líder do país verbalizar tal fala, pois acaba por soar como um posicionamento, o que compromete a atuação do país como um possível mediador na resolução do problema, a oposição venezuelana por exemplo, faria esse tipo de crítica”, destaca também.

Já Nicholas observa que é preciso se esforçar a fim de evitar que a reaproximação com a Venezuela passe uma imagem de alinhamento ideológico. “O Brasil precisa adotar uma postura mais estratégica, principalmente como mediador para uma saída da crise social, política e econômica na Venezuela”, frisa.