Mesmo com a aprovação do novo arcabouço fiscal — uma das pautas prioritárias do governo —, muito comemorada pelo Planalto, as alterações feitas na medida provisória de reestruturação da Esplanada, que esvaziam os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, e o aval à urgência para votar o marco temporal mostram que é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quem dá as cartas nas decisões importantes da política.
A expressiva aprovação do arcabouço fiscal — por 372 votos a favor, com 108 contra —, mais que uma demonstração de força do governo, como tenta fazer crer o Planalto, sinaliza o poder de Lira no Congresso. O parlamentar adotou o projeto, indicando um relator aliado, o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que implementou mudanças que desagradaram o campo mais à esquerda da base governista.
O cenário demonstra que o governo ainda precisa construir um maior número de aliados, pois está longe de obter consenso nos partidos que, teoricamente, compõem sua base no Parlamento, alguns, inclusive, com representantes na Esplanada dos Ministérios. Sem poder contar totalmente com a pequena e desunida bancada da esquerda na Câmara e longe da forte aderência dos outros aliados, como PSD, MDB e União Brasil, o Executivo tem pela frente o desafio de jogar cada vez mais no time do Centrão, um meio de campo onde Lira tem a posse de bola.
Reservadamente, um deputado federal do PP ressaltou que o governo Lula "perde tempo" nesses seis meses ao não ter fechado, já no apoio às reeleições de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), compromissos do PP e do Republicanos.
"Naquele momento (eleições do Congresso), já deveria ter feito composição com o PP e com o Republicanos. O PL acabou 'bolsonarizando demais', mas, historicamente, é um partido que compõe bem essa base. E mesmo com os bolsonaristas, deram 30 votos ao marco fiscal", destacou. "Sempre foi assim, não adianta querer mudar a roda. Vai ter de ceder, mais cedo ou mais tarde. Aí, o Planalto comemora a falsa vitória. O arcabouço não foi vitória do governo, foi vitória do Lira e do relator (Cláudio Cajado)", enfatizou o parlamentar. No primeiro mandato de Lula, o seu vice, José de Alencar, era integrante do PL.
Em entrevista ao Correio, nesta semana, Cajado disse que, enquanto o governo mantiver a política de negociar projeto por projeto, e não obtiver uma base mais sólida, seguirá exposto a surpresas, como aconteceu com o caso do marco do saneamento, da MP da Mata Atlântica e na própria MP da reestruturação da Esplanada.
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Segundo analistas e integrantes do Congresso, de diferentes posições ideológicas, Lula deve agora focar na pauta econômica, como redução do custo de vida e geração de empregos. Só depois de "deixar a maioria da população feliz" pode pleitear pautas vistas como "identitárias".
O professor de ciência política Valdir Pucci entende que o peso do Congresso se tornou uma tendência desde a gestão Jair Bolsonaro. "Na política, o êxito se mede pela popularidade, e isso envolve muito a questão econômica. Então, Lula precisa gerar o crescimento econômico. Aí, sim, com popularidade alta e, consequentemente, com mais poder, pode voltar a essas pautas", comentou. "Lira é o grande articulador. Por isso, vejo que Lula deve enxergar essa nova forma de fazer política. O Congresso agora tem de ser visto como detentor de parte do poder político, e não subserviente ao Executivo", acrescentou.
O destaque que Lira ganhou na segunda metade do governo Bolsonaro, por meio, principalmente, das emendas do orçamento secreto, fez dele uma das figuras mais poderosas da República.
Hoje, mesmo sem o orçamento secreto, o presidente da Câmara detém forte influência sobre o Centrão. E, além de ter conseguido manter uma parte das emendas, é visto como um "cumpridor de acordos".
As últimas votações indicam que Lira segue pressionando o governo e cobrando caro pelo apoio aos projetos do Planalto. Enquanto isso, a articulação política, ao cargo do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e a coordenação do governo, sob controle do ministro da Casa Civil, Rui Costa, seguem patinando e provocando críticas tanto no Congresso quanto dentro do próprio Executivo.