investigação

Defesa tentará fazer Gabriela Cid responder apenas por uso de documento falso

Gabriela Ribeiro diz à PF que usou cartão de vacina para viajar aos EUA e creditou falsificação ao ex-auxiliar de Bolsonaro

A mulher do tenente-coronel Mauro Cid, Gabriela Ribeiro Cid, admitiu, em depoimento à Polícia Federal, que o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro foi o responsável por falsificar os certificados de vacinação contra a covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. A informação foi confirmada pelo Correio com fontes na investigação.

Gabriela disse que fez uso da carteira de imunização para viajar aos Estados Unidos e burlar a vigilância sanitária. No entanto, se esquivou da responsabilidade pela adulteração. Segundo a reportagem apurou, a estratégia da defesa — o advogado do casal é Bernardo Fenelon — visa fazer com que ela responda apenas por uso de documento falso, cuja pena é de um a cinco anos de reclusão.

A esposa do tenente-coronel (preso desde 3 de maio) depôs, ontem, no âmbito da Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde. De acordo com o inquérito, teriam sido emitidos certificados de vacinação contra a covid-19 para o militar, a mulher e as filhas. Bolsonaro e a filha caçula, Laura, também tiveram os dados adulterados.

Aos agentes, ela alegou não saber dizer qual foi a participação do ex-major do Exército Ailton Barros no esquema de dados falsos de vacinação — ele também está preso.

A revelação da mulher do ex-ajudante de ordens acendeu um alerta nos aliados de Bolsonaro, que temem uma delação premiada. O tenente-coronel trocou de advogado e contratou um profissional especialista nesse tipo de colaboração. Segundo fontes, parte da família de Cid acredita que houve um "abandono" dele por parte do ex-chefe do Planalto.

Antes, Cid era defendido por Rodrigo Roca, que deixou o caso alegando "razões de foro profissional" e "impedimentos familiares". Agora, o militar e a mulher estariam sendo preparados pela nova defesa para relatar à polícia a participação de Bolsonaro no plano.

Enquanto Cid permaneceu calado no depoimento da última quinta-feira à PF, o ex-presidente disse, na oitiva à corporação, que não sabia do esquema para falsificar seu certificado de vacinação e que, se o tenente-coronel arquitetou tudo, foi "à revelia e sem o seu conhecimento".

Bolsonaro, no entanto, admitiu que o então auxiliar acessava o sistema com seus dados. "Não tem conhecimento sobre quem teria acessado e emitido o referido certificado; que sequer sabe acessar o aplicativo ConecteSUS; que o declarante e sua esposa não realizaram o cadastro no sistema Gov.br e ConectSUS em nome de L.F.B (filha de Bolsonaro); que pelo fato de L.F.B não ter sido vacinada não tinham motivo para acessar e emitir certificado de vacinação em nome de sua filha", diz trecho do depoimento do ex-chefe do Executivo.

Habeas corpus

A defesa de Cid protocolou, ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF), um pedido de revogação da prisão preventiva do militar. A detenção dele foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes.

No pedido apresentado à Corte, o advogado argumenta que os autos devem ser encaminhados à Procuradoria-Geral da República (PGR) e o coloca à disposição para o cumprimento de medidas cautelares.

"O recolhimento domiciliar noturno, a proibição de contato com os demais investigados, a proibição de ausentar-se do país e a entrega de seu passaporte revelam-se plenamente suficientes para resguardar a ordem pública e a ordem econômica", diz um trecho do documento.

O defensor justifica o pedido de soltura alegando que não há risco de descumprimento de eventuais medidas cautelares. "A não ser que consideremos que o Exército brasileiro poderia ser conivente com o descumprimento de uma ordem do STF, o que, por óbvio, ocasionaria uma completa ruptura institucional, algo completamente inconcebível no Estado democrático de Direito da República do Brasil", afirma.

 

Veja a cronologia da fraude

O primeiro cartão em nome de Gabriela Santiago Ribeiro Cid aponta duas doses da vacina Pfizer supostamente aplicadas na cidade de Cabeceiras (GO), cidade a cerca de 349km de Goiânia. Os dados usados foram copiados do cartão de uma enfermeira, que foi, de fato, vacinada no município, segundo a investigação.

As doses seriam registradas no sistema integrado do Ministério da Saúde com a ajuda do segundo-sargento do Exército Eduardo Crespo Alves, mas ele não conseguiu fazer o cadastro, porque os lotes destinados a Goiás não foram aceitos. Ele operava a plataforma pelo Rio de Janeiro, e o sistema identificou a inconsistência.

Um segundo cartão foi falsificado, dessa vez em Duque de Caxias (RJ), com duas doses da Pfizer. O advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes teria conseguido o cartão em branco e os lotes que, segundo conversas de WhatsApp obtidas pela Polícia Federal, foram copiados do certificado de um "amigo".

Coube ao então secretário municipal de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha, registrar os dados falsos de vacinação da família de Mauro Cid no sistema do Ministério da Saúde.