Jornal Correio Braziliense
Atos antidemocráticos

Apesar da liberdade provisória, situação jurídica de Torres segue delicada

Sem delação à vista, depois de 117 dias preso, o ex-secretário da Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres deve muitas explicações à Justiça

Sem delação à vista, depois de 117 dias preso, o ex-secretário da Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres deve muitas explicações à Justiça. Além da possível omissão nos ataques golpistas do 8 de janeiro, entre as questões que o ex-ministro bolsonarista deve responder estão as justificativas sobre a minuta golpista encontrada na casa dele, a motivação dos bloqueios nas estradas do Nordeste pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições e a participação em uma transmissão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em que atacou o sistema de voto eletrônico.

Apesar da liberdade provisória concedida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ser um alívio para bolsonaristas, a situação jurídica de Torres é complicada. Ainda sem contato com o ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro (PL), a deputada Bia Kicis (PL-DF) saiu em defesa do aliado. Ela explicou ao Correio que a minuta encontrada na casa do ex-secretário não é um documento, não está assinada e, como não foi dado nenhum golpe, "não tem valor jurídico nenhum, só serve para alimentar narrativas". A parlamentar também refutou a participação do ex-ministro em bloqueios nas estradas.

"Isso foi feito a vida inteira para evitar crime eleitoral, o transporte de eleitores é crime eleitoral. Foi isso que a PRF fez diante de, não sei, denúncias. A PRF faz blitz para evitar isso. Foi feito mais no Nordeste, porque talvez lá aconteça mais esse tipo de transporte clandestino", apontou a deputada.

Quanto à live em que o ex-presidente questionava a credibilidade das urnas eletrônicas, Kicis ironizou, dizendo que a atividade legislativa dela também deve estar sendo considerada crime, já que ela é autora da proposta de voto impresso. A parlamentar confirmou que aconteceram, sim, omissões, mas por parte do governo federal, o que espera que seja revelado durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os atos antidemocráticos do 8 de janeiro.

Defesa

Após a prisão, em 14 de janeiro, Anderson Torres chegou a ter 12 advogados na sua defesa, incluindo o ex-senador Demóstenes Torres. Sem a divulgação do motivo, todos abandonaram o caso, ficando apenas o advogado de confiança da família Bolsonaro, Rodrigo Roca, conhecido por defender militares do Exército acusados de tortura durante a ditadura militar, ao acompanhar o general Nilton Cerqueira em audiências da Comissão Nacional da Verdade. Ganhou notoriedade nacional quando assumiu, em 2020, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), após a saída de Frederick Wassef, nos processos sobre as "rachadinhas".

Tida como contrário a delações, a saída da defesa de Torres, em 30 de março, criou rumores quanto à possibilidade de o ex-ministro procurar esse tipo de acordo para atenuar possíveis condenações. O advogado que assumiu a defesa, Eumar Novacki, foi secretário da Casa Civil na gestão Ibaneis Rocha (MDB). Após a soltura do ex-ministro esta semana, ele garantiu que "não existe possibilidade de delação premiada" por parte do cliente.

Segundo Kicis, a oposição não teme uma possível delação, "porque não há nada que ele possa delatar contra a gente".

Outro aliado de Bolsonaro que estava sendo representado pelo advogado Rodrigo Roca é o ex-ajudante de ordens do ex-presidente, coronel Mauro Cid. Preso nas investigações do caso envolvendo a adulteração dos registros de vacinação, ele perdeu a representação do advogado no início do mês, o que levantou rumores sobre uma possível delação do militar.

Uma das razões apontadas para a saída do defensor do caso teria sido a irritação da família do militar com uma entrevista do advogado para um canal de televisão, em que ele teria defendido mais Bolsonaro do que o próprio cliente, Mauro Cid.

Inquéritos

Com os atos golpistas do 8 de janeiro, o STF dividiu as investigações em oito inquéritos. Três procedimentos apuram a participação de parlamentares na incitação dos ataques, outro apura os financiadores e aqueles que forneceram auxílio material, outro identifica os autores intelectuais e instigadores e, enquanto um identifica os executores que não foram presos em flagrante, outro procedimento autuou os presos em 8 e 9 de janeiro.

O último procedimento, o inquérito 4923, é o que apura a responsabilidade de autoridades por omissão. Nessa investigação, além do ex-secretário de Segurança Pública do DF, figuram o governador do DF, Ibaneis Rocha; o comandante da Polícia Militar à época, coronel Fábio Augusto Vieira; o número dois da Segurança Pública do DF à época, Fernando de Sousa Oliveira; e o coronel Jorge Eduardo Naime, ex-chefe do departamento operacional da PMDF, único que segue preso em razão da investigação.

Na última sexta-feira, aliás, a defesa do coronel Naime entrou com um novo pedido de relaxamento da prisão do militar. "Ele é investigado pelos mesmos fatos que Anderson Torres. Para Naime, como para Torres, a prisão, mantida para preservar as investigações, não faz mais sentido a esta altura, considerando os depoimentos colhidos, laudos e perícias já produzidos neste inquérito e em processos diversos", apontou a defesa do coronel no pedido de liberação.