Por várias razões, entre as quais a vitória apertada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a campanha eleitoral de 2026, que normalmente começaria após as eleições de 2024, está sendo antecipada, às vezes pelo próprio estilo palanqueiro do presidente da República. A disputa pelas bandeiras da democracia, da ética e do moderno está instalada no cenário político. Em torno delas se decidirá o destino do país. Lula da Silva, com suas diatribes, ajuda um precoce realinhamento de forças políticas que o apoiaram no segundo turno e já se descolaram ou começam a se afastar do seu governo.
Além disso, também existe vida inteligente no campo da oposição ligada ao presidente Jair Bolsonaro, que já se movimenta para aprofundar essas fissuras na base política e social do governo. Na sexta-feira, isso ficou claro durante a gravação de conversa como o ex-ministro e senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, na Confraria do Brito (um grupo de jornalistas que se reúne semanalmente, criado pelo falecido Orlando Brito, craque do fotojornalismo político), para o Canal MyNews (YouTube).
A conversa será exibida hoje, às 19h30. Marinho, que disputara o comando da Casa com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi assertivo, elegante, hábil e, digamos, “politicamente correto”: defendeu as bandeiras da democracia, da ética e do moderno. Seu posicionamento é completamente diferente da linha adotada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que lidera uma radicalizada oposição bolsonarista na Câmara.
No quesito democracia, condenou os atos praticados no dia 8 de janeiro — “quem cometeu crime deve ser punido” —, mas criticou o inquérito comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), sem citar seu nome. Para o líder da oposição, o país estaria vivendo “um estado de exceção”. Não questiona o mérito do inquérito, mas a forma como está sendo feito.
Marinho traduziu o sentimento que cresce nos meios jurídicos e políticos, de que o inquérito das “milícias digitais” não deve prosseguir por tempo indeterminado, para que a política e suas instituições não fiquem sob tutela de um ministro do STF. No Supremo, porém, há amplo entendimento de que o inquérito aberto de ofício pelo então presidente da Corte, Dias Toffoli, foi fundamental para evitar um golpe de Estado.
O debate sobre a amplitude e duração do inquérito e o empoderamento do ministro Moraes, um mote recorrente da oposição, já começa a constranger o Supremo, principalmente as frequentes comparações com a operação Lava-Jato. No encontro anterior da Confraria do Brito, com o ministro do STF Gilmar Mendes, apesar da defesa do inquérito feita pelo magistrado, ficou evidente um certo constrangimento.
Liderança moral
A bandeira da ética saiu das mãos do presidente Jair Bolsonaro e dificilmente será recuperada, principalmente por causa do escândalo das joias milionárias que recebeu de presente da Arábia Saudita e que tentou incorporar ao seu o patrimônio pessoal. Mesmo assim, tampouco está em poder do governo Lula, alvo de ataques sistemáticos da oposição por causa dos escândalos do “mensalão” e da Petrobras nos mandatos anteriores.
A oposição explora esse ponto fraco do governo atual. A perda da liderança moral da sociedade pelo PT dificulta a consolidação de sua hegemonia política mais até do que as agruras administrativas. Hoje, a bandeira da ética anima o reagrupamento dos políticos da chamada terceira via como oposição de centro-direita; o governo Lula precisará de tempo e uma gestão sem escândalos para recuperá-la.
O tema da ética foi tangenciado por Marinho ao defender a blindagem das estatais, que atribuiu ao governo Michel Temer. “O que vamos defender é um legado do que foi feito a partir de 2016”, afirma. Ex-ministro do Desenvolvimento Regional, o líder da oposição fez uma gestão sem escândalos neste cargo. Diz que nomeou apenas seis secretários de sua confiança e preencheu os demais cargos do ministério com funcionários de carreira, cujo desempenho elogia. Faz um óbvio contraponto ao aparelhamento dos ministérios pelo PT.
Entre os aliados de Lula, são frequentes as críticas ao PT em razão da disputa pela ocupação de cargos, que também são cobiçados por partidos aliados. Entretanto, a ênfase da crítica de Marinho ao governo é a defesa do moderno. Chama de “retrocessos” as tentativas de mudança da lei do saneamento e de “reprivatização” da Eletrobras. Segundo o líder da oposição, o intervencionismo do governo na economia provoca sua desagregação e um realinhamento de forças políticas na sociedade, que já se reflete no Congresso. “As coisas estão mudando, gente que apoiou Lula está vindo para o nosso lado.”