O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a responsabilização das redes sociais pelos conteúdos que veiculam e a importância de medidas contra a disseminação de fake news nas plataformas. “Não basta o Marco Civil da Internet, o artigo 19, que exige que o conteúdo — tem sido assim interpretado — só possa ser retirado mediante ordem judicial. É preciso que haja uma outra arbitragem nesse sentido e que a gente possa avançar”, afirmou, em entrevista ao programa CB.Poder, parceria entre o Correio e a TV Brasília. O magistrado destacou o cuidado a ser tomado na preservação da liberdade de expressão, mas frisou que “também na vida geral não se pode dizer tudo”. “É um modelo de liberdade com responsabilidade.”
Para o ministro, o Brasil não pode ser escravo das companhias de tecnologia. “Somos uma nação grande, a oitava economia do mundo, temos 200 milhões de habitantes, um imenso território, somos quase um continente. Não podemos agora ser servos dessas big techs, não podemos, por propósitos argentários delas, estar submetidos ou nos submeter a um risco imenso.”
De acordo com Mendes, os ataques golpistas de 8 de janeiro abriram a janela de oportunidade para abordar o tema. “Acho que não estamos discutindo apenas o problema dos ataques nas redes sociais, estamos discutindo democracia, porque há uma perturbação da democracia”, enfatizou. “Vimos que essa eleição de 2018, de alguma forma, foi definida nas redes sociais e, se isso continuar, esse campo de selvageria, certamente podemos reeditar esse fenômeno.”
Na avaliação do ministro, as investigações a respeito dos atentados extremistas estão incompletas. “Tenho a impressão de que está faltando alguma coisa sobre os financiadores, porque, de fato, de novembro até 8 de janeiro, essas pessoas tiveram uma estrutura”, argumentou. Para ele, o governo atual também errou no episódio, ao permitir a continuação do acampamento golpista em frente ao QG do Exército. “No dia 1º de janeiro, deveria ter encerrado esse curso.”
O magistrado também classificou como positiva a decisão do ministro Alexandre de Moraes, também do STF, de soltar o ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres, que estava preso desde 14 de janeiro, suspeito de omissão nos atos extremistas. “Essa é a filosofia da prisão provisória. Não é uma pena por antecipação, primeiro é preciso julgar para depois condenar. Agora, era necessário, tendo em vista todos os desdobramentos que nós tivemos e enquanto as investigações estivessem em curso, para o fim de coleta de provas”, argumentou.
A seguir, a entrevista completa:
O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi liberado da prisão. Era o momento de soltá-lo? Qual é a sua avaliação sobre essa decisão do ministro Alexandre de Moraes?
Acho que é positiva. Essa é a filosofia da prisão provisória. Não é uma pena por antecipação, primeiro é preciso julgar para depois condenar. Agora, era necessário, tendo em vista todos os desdobramentos que nós tivemos e enquanto as investigações estivessem em curso, para o fim de coleta de provas. Não havendo mais a necessidade, se encerra a prisão provisória, e, hoje, temos as medidas alternativas da prisão: tornozeleira eletrônica, restrições de ir a determinados locais, suspensão de passaporte, todas as medidas que podem ser implementadas com os cuidados devidos.
O advogado de Anderson Torres deu uma coletiva dizendo que não há intenção de fazer uma delação premiada. Era esperada uma delação premiada?
Não sei. Acho também que o objetivo da prisão provisória nunca pode ser esse. Sou um crítico em relação a isso (delação premiada). Falei e tenho falado, recomendo inclusive que olhem o livro do Emílio Odebrecht, em que ele fala de torturas da Lava-Jato em Curitiba. Estou sugerindo até ao ministro Salomão (Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça), a partir de um caso que tivemos na turma, em que o então juiz Moro exigia que a pessoa entregasse todos os dados bancários e etc em troca da liberdade e pedia que o advogado manifestasse o assentimento. Estou pedindo tanto ao CJF (Conselho de Justiça Federal) quanto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que se faça uma investigação ampla do que se passou em Curitiba, sobre os métodos, o que me parece que aqui falharam muitos.
Onde houve falhas?
Falhou o STJ (Superior Tribunal de Justiça), falhou o TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). Acho que certamente houve um acumpliciamento, uma proteção da própria mídia, tanto é que a mídia se sente envergonhada de falar sobre isso, de fazer uma mea-culpa, mas acho que é hora de ter — vamos chamar assim — um tipo de comissão da verdade sobre isso. A ser verdade o que se revela, tanta gente que delatou a partir desse tipo de constrangimento, e depois vão se revelando outras coisas. Então, acho que é necessário que isso se discuta, para que não mais se repita. Além de termos de corrigir, também, um outro ponto: precisamos encerrar esse ciclo desse juiz todo-poderoso. Por isso, é importante. O Congresso já deu resposta, hoje está suspenso — foi uma decisão do ministro (Luiz) Fux —, mas eu espero que logo isso se resolva, o “juiz de garantia”, porque é fundamental. É dar um passo à frente e resolver essa problemática.
Mas também o Supremo demorou a reagir em relação à Lava-Jato?
Sim e não. Na turma, tínhamos o relator da Lava-Jato, que era o ministro Teori Zavascki. Nós dependíamos muito disso. Falei sempre das prisões alongadas de Curitiba e que nós tínhamos até um encontro marcado com isso. E, claro, não conseguíamos resolver esse problema. Os casos em que conseguimos liberar as pessoas, por exemplo, nos casos de prisão, foi porque o ministro (Dias) Toffoli, eu e o ministro Teori votamos juntos, no geral havia essa pontuação. E vou até depois fazer um levantamento sobre isso. Mas se o relator ficasse com outra posição, nós não conseguiríamos reverter. E havia uma pressão midiática enorme. Eu me lembro que na eleição, a primeira que levou (Donald) Trump ao poder, nós nos encontramos, Toffoli, eu e Teori, em Washington. Fomos observadores daquela eleição, e o ministro Teori, então, foi o último momento em que nós estivemos juntos mesmo, assim, em um momento tranquilo. E o ministro Teori estava fazendo uma autocrítica, dizendo “eu tenho que mudar a minha relação nesse processo”. Ele mesmo falando da pressão que sofria da Procuradoria-Geral (da República), onde estava (Rodrigo) Janot, e todo esse quadro que nós sabíamos.
Depois, a função foi assumida pelo ministro Edson Fachin...
O ministro Fachin também passou sistematicamente a indeferir esses pedidos e até, muitas vezes, a fazer aquele manejo. “Ah, a matéria está na turma, mas eu calculo que vou perder na turma, leva para o plenário, depois devolvo para a turma, não é? Esse próprio caso que foi objeto agora de discussão já tinha tido esse passeio para lá e para cá. E agora ele decide aplicar a jurisprudência que já era pacífica. Se o caso não tem a ver com Petrobras, não deveria ficar na Lava-Jato, na 13ª Vara em Curitiba. Mas aí ele fez isso, inclusive, tentando prejudicar o habeas corpus que estava comigo, o visto estava comigo, que era o caso da suspensão do Moro.
Sobre o 8 de janeiro, o Supremo tem referendado o entendimento do ministro Alexandre de Moraes sobre os réus, e já se passaram mais de quatro meses. Qual é a avaliação do senhor a respeito da investigação e do que está faltando?
Sempre que a gente está falando, podemos estar muito atrasados em relação às próprias investigações, que podem estar muito mais avançadas. Como estão sob sigilo, não temos acesso. Mas eu tenho a impressão de que está faltando alguma coisa sobre os financiadores, porque, de fato, de novembro até 8 de janeiro, essas pessoas tiveram uma estrutura. Vocês publicaram matérias sobre a estrutura desse acampamento aqui no Forte Apache (no QG do Exército). Tinha cabeleireiro, tinha hot dogs e coisas do tipo. Isso não nasce por geração espontânea. Então, essa é uma questão que acho que precisa ser olhada, não só para a punição, que precisa ocorrer, mas também para que isso não se repita. Acho fundamental que isso ocorra.
Como analisa a tolerância com os atos em frente aos quartéis?
Não tenho me cansado, também, de destacar que houve um erro gravíssimo de quem deliberou, nessa temática, a propósito dessas manifestações em frente a quartéis. Não há justificativa. Não há justificativa jurídica, não há justificativa política para isso. E o governo do Distrito Federal — eu lembro que tinha conversado com o secretário Gustavo Rocha, e ele até concordava —, tentou fazê-lo (tomar providências) em dados momentos, e houve resistência dos militares, do comando militar, inclusive. Não conseguiu, com o argumento de que esse era um espaço de domínio ou de supervisão do Exército. Portanto, eles assentiram com isso. Isso precisa ser cobrado. É toda uma estrutura, mas houve esse tipo de assentimento. E o governo atual, o novo governo, também errou. No dia 1º de janeiro, deveria ter encerrado esse curso. E aí houve aquela negociação, aquela fala do ministro (José) Múcio (da Defesa) de que também tinha amigos e parentes lá, talvez ele estivesse traduzindo, na verdade, o fato de que militares tinham parentes lá, e se deixou, com a expectativa de que isso se dissolveria naturalmente. Ocorreu essa tragédia e deu no que deu. Mas isso é preciso colocar de maneira muito clara. É um absurdo que alguém exerça direito de reunião a céu aberto em frente ao quartel, até por razões de segurança. Imagine que nós estivéssemos em um estado de tensão e tivéssemos o esforço de uma iniciativa, militares precisam sair dali, e manifestantes na frente.
A Justiça do Distrito Federal condenou dois indivíduos envolvidos naquele episódio da tentativa de atentado no aeroporto, em 24 de dezembro. Ou seja, é evidente que havia um estado de tensão. O que o senhor enxergou ali?
E nós já tínhamos tido esse episódio do 12 de dezembro, extremamente sério (baderna na área central de Brasília, provocada por bolsonaristas, com veículos incendiados e tentativa de invasão à Polícia Federal). Acho que até agora está um pouco nas névoas, num quadro muito nebuloso. Precisamos também procurar isso. E, ali, me parece que já havia dedo de autoridades. Prendem um líder indígena e levam para a Polícia Federal, no centro, para provocar todas aquelas manifestações. Veja que houve riscos imensos. Um ônibus é colocado naquele viaduto, fica pendurado, um carro é explodido, queimado ao lado de um posto de gasolina. Gravíssimo. Não são fatos isolados. Essa tentativa da explosão do aeroporto, imaginemos, todos nós usamos o aeroporto, temos familiares viajando. E quando a gente vê, parece que as investigações têm algum tipo de carência. Quem treinou essas pessoas? Um dono, um gerente de posto de gasolina? Quem montou essa bomba no acampamento? Tudo isso, parece, são perguntas que nós devemos fazer.
Qual é o perfil que deve ter o indicado para substituir o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou?
Tenho a impressão de que é importante que seja alguém atualizado em relação a nossa realidade política e econômica. Eu, se fosse também recomendar uma qualidade, que fosse respeitoso, tivesse convicção bastante acentuada em relação às garantias fundamentais, especialmente aos direitos processuais. Estamos vindo de uma crise profunda nessa matéria. Abusos perpetrados de maneira tão clara, como já falamos. Acho que é fundamental que a gente tenha também essa visão e que haja essa percepção, que entenda um pouco o contexto político em que estamos inseridos. Tenho repetido que, não fosse o inquérito das fake news, inicialmente, talvez a gente tivesse tido um descarrilamento da democracia. Vimos que chegamos muito perto. A partir de todos esses episódios, a própria — independentemente do esclarecimento mais profundo, ou não — existência daquela minuta que foi encontrada na casa do Anderson (Torres). E vários impulsos, reuniões. No mínimo, ia se estabelecer uma balbúrdia, uma confusão, tentativa de montar GLOs (Operação de Garantia da Lei e da Ordem). Vimos aqueles episódios também na eleição, a fiscalização que se fez no Nordeste para impedir que ônibus e motos chegassem, que as pessoas chegassem ao local de votação (ações feitas pela Polícia Rodoviária Federal). As pessoas ultrapassaram por demais o rubicão, de fato, abusaram. Então, é preciso que essa pessoa que venha tenha essa visão, inclusive dos riscos democráticos.
Em outra época, o senhor disse que torcia para que o próximo ministro fosse terrivelmente constitucionalista.
Isso. Tem toda essa imagem e ficou essa ideia que o presidente Bolsonaro timbrou muito: "Eu tenho 10% do Supremo", como se fosse uma conexão direta, que não pode existir, não deve existir, não é isso que é o ideal. Sistemicamente, não é razoável que assim se trate. Tenho dito também que as pessoas precisam entender que o Brasil pulou uma imensa fogueira. Ao queimar todas as alternativas políticas e ter eleito Bolsonaro como um tipo de salvador da pátria, ele veio com discurso da não política, mas ninguém era mais político do que ele, que vivia familiarmente da política, colocava os familiares na política, profissional da política no pior sentido do termo, com toda a família espalhada em Câmaras, Assembleias e coisas do tipo. Mas ele veste essa capa de salvador e, inclusive, mereceu o apoio — a gente nunca pode esquecer — de parte significativa do empresariado e do lavajatismo, então, é preciso estar atento a isso.
Muita gente acha que o ex-presidente Bolsonaro pode ser preso. Acredita que venha a ser o destino dele?
Não faço esses votos, mas tenho a impressão de que tem muitos problemas, a responsabilidade política dele, inclusive nos episódios do 8 de janeiro. Se isso passa para uma responsabilidade jurídica, aí a gente pode falar inclusive de responsabilidade penal. É um outro passo que terá de ser investigado e certamente está sendo, tanto é que houve essa busca e apreensão recente em sua casa. São muitos os episódios. O Brasil, de fato, precisa se reinventar nessa matéria. Nós, de fato, cometemos uma série de deslizes institucionais, e posso dizer até que tivemos alguma sorte.
Como analisa o tema das redes sociais?
Precisamos mudar a relação com as redes sociais, as big techs, e caminhar para um modelo de maior responsabilidade delas. Já não basta o Marco Civil da Internet, o artigo 19, que exige que o conteúdo — tem sido assim interpretado — só possa ser retirado mediante ordem judicial. É preciso que haja uma outra arbitragem nesse sentido e que a gente possa avançar. A Alemanha avançou nessa temática a partir de 2017 e influenciou o avanço que está se fazendo agora na União Europeia com a ideia de atos que responsabilizem as big techs. É positivo. Hoje, já temos, portanto, uma vereda, um caminho que podemos seguir. É claro que sempre se tem a delicadeza de dizer que a liberdade de expressão precisa ser preservada. Claro, a liberdade de expressão precisa ser preservada, mas também na vida geral — vocês vivem isso nos jornais — não se pode dizer tudo. E há respeito, consequências. É um modelo de liberdade com responsabilidade. É preciso que isso seja olhado.
O assunto está em debate no Congresso, mas enfrenta resistências.
Torço de maneira muito enfática para que o Congresso, agora a Câmara, encontre uma solução. Até adivinho que o Congresso vai superar esse impasse. De qualquer forma, temos também o debate, que agora já foi pautado, sobre o artigo 19, do Marco Civil da Internet, que o relator é o ministro Toffoli. Também o ministro Fux é relator de uma das ações. Certamente, se não neste semestre, no outro semestre, vamos poder deliberar sobre isso. Mas como é um tema extremamente complexo e que precisa ser construído em termos institucionais, desejaria do fundo da alma que houvesse uma solução legislativa. Tem até um ponto que é importante e que está no centro dessa discussão, que é o tal órgão regulador e como achar a justa medida para não ser um órgão corrupto e corruptível. E que tenha, de fato, independência, porque, se já temos alguns problemas com os órgãos de regulação, aqui estamos diante de um tema altamente sensível. Temos de ter uma imensa responsabilidade.
O senhor tem alguma sugestão?
Vi uma sugestão tramitando que fala na ideia de ter representantes indicados pela Câmara, pelo Senado e pelo Supremo, eventualmente pelo Executivo. Tentar achar um grupo altamente qualificado e que desse a esse órgão uma função singular, que não fosse apenas de um órgão do Executivo, e que houvesse essa participação. Talvez isso desse um alinhamento e alguma segurança para isso. Mas certamente há muitas propostas que podem ser feitas. O importante é que o 8 de janeiro abriu essa janela de oportunidade. Acho que não estamos discutindo apenas o problema dos ataques nas redes sociais, estamos discutindo democracia, porque há uma perturbação da democracia. Vimos que essa eleição de 2018, de alguma forma, foi definida nas redes sociais e, se isso continuar, esse campo de selvageria, certamente podemos reeditar esse fenômeno.
Acredita que a democracia ainda está em risco?
Não diria que sim. Acho que, como eu disse, pulamos uma fogueira imensa e que as pessoas revelaram a convicção na defesa da democracia. Mas é fundamental que nós..., veja, somos uma nação grande, a oitava economia do mundo, temos 200 milhões de habitantes, um imenso território, somos quase um continente. Não podemos agora ser servos dessas big techs, não podemos, por propósitos argentários delas, estar submetidos ou nos submeter a um risco imenso nisso, tem que se olhar por essa perspectiva. E certamente vamos olhar.
Se o Congresso não aprovar, o STF pode votar?
Não trabalho com a possibilidade de o Congresso não votar.
As redes sociais se transformaram, também, em instrumentos contra o próprio Supremo...
O ataque às instituições, que teve um pouco patrocínio da mídia, da grande mídia, começa com a Lava-Jato, com o ataque ao Supremo: "A gente prende aqui, e o Supremo solta". Então, vinha com esse tipo de discurso, vocês vão se lembrar das 10 medidas. Usaram as redes sociais nesse sentido, e isso virou uma terra de ninguém. Mas o ovo da serpente estava aqui, e com o beneplácito da mídia. "Ah, essa decisão que o senhor tomou contrária à Lava-Jato". Que diabo. Tenho que andar com uma bíblia perguntando o que é de acordo com a Lava-Jato? Era uma coisa ridícula. Hoje, certamente as pessoas andam um pouco envergonhadas por aí, mas era o rabo abanando o cachorro.
E sobre o caso do habeas corpus? Brincavam que, qualquer coisa, pode pedir para o ministro
É claro, e é bom que se peça. Na verdade, o habeas corpus fez o Supremo Tribunal Federal. Foi o habeas corpus que fez a grandeza do Supremo Tribunal Federal. Se a gente olhar a tradição republicana, com Ruy Barbosa, a doutrina brasileira do habeas corpus, e isso virou uma maledicência. E agora, quando a gente descobre que muita gente delatava a partir de prisões alongadas... Esses dias, o ministro Toffoli falava na turma de um caso muito específico em que alguém ficou preso e pedia aplicação das medidas cautelares. O juiz Moro — está num despacho, isso é fácil de iluminar — vem e diz: "Eu concedo as cautelares se o advogado traduzir o assentimento da parte". O ministro Toffoli chamou e disse isso. Isso é o pau de arara do século 21.
Defende uma investigação em relação à condução da Lava-Jato? Acha que alguém vai ser responsabilizado? Vai chegar esse momento?
Sou muito favorável a aquilo que eu digo: vamos organizar a fuga pra frente, que não aconteça mais. Vamos tomar medidas, porque não podemos simplesmente fingir que não houve. E, nesse sentido, acho que tem muita gente devendo explicações. Acho que eles próprios, os que atuaram nesse processo, o TRF4. Tem um TRF qualificado, todos nós sabemos da qualidade da jurisprudência dos juristas gaúchos, dos juristas sulistas. O STJ também faltou muito nesse tipo de matéria. Agora, todos nós estamos falando desses episódios, que são lamentáveis, onde está o órgão de correição que é o CJF? É preciso fazer alguma coisa. "Ah, mas não vai resultar em nada, as pessoas que lá estavam já saíram." Não é por isso. Vamos dizer aos novos juízes. Tenho dito isso: como se fez uma seleção de um concurso, que vocês sabem que é qualificado, quem produziu essas figuras técnicas? Tenho falado sempre do Moro, que esses dias reclamava que eu tinha uma obsessão. Não vou me esquecer do (Marcelo) Bretas, do Rio de Janeiro, que acaba de ser afastado pelo Conselho Nacional de Justiça. Veja, praticamente unanimidade. Mas estava produzindo esses filhotes. Vocês se lembram que alguém se elegeu no Mato Grosso, no meu estado, a tal juíza Selma, que era chamada de juíza, que é "a Moro do Pantanal" e que, no dia em que deixou a magistratura, já estava recebendo dinheiro. Foi cassada por dinheiro ilegal.
*Estagiárias sob a supervisão de Cida Barbosa