Um dia antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou, no Dia do Trabalhador, de um evento com centrais sindicais no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Ao discursar, o petista voltou a criticar a taxa de juros no país que, segundo ele, é responsável, em parte, "pela situação que vivemos hoje", em referência ao desemprego. A crítica faz parte dos embates que perduram há meses entre o governo federal e o BC, sob comando de Roberto Campos Neto.
"Não podemos viver em um país onde a escola não é levada a sério. Não podemos viver em um país onde o emprego não é levado a sério pelos governantes. Nós não podemos viver em um país onde a taxa de juros não controla a inflação, ela controla, na verdade, o desemprego. Ela é responsável por uma parte da situação que vivemos hoje", afirmou Lula.
O Copom se reúne hoje e amanhã, para discutir os rumos da política monetária e da taxa de juros no Brasil. Desde a última reunião, finalizada em 22 de março, ocorreram avanços no cenário econômico, entre eles a apresentação do novo arcabouço fiscal. Atualmente em 13,75% ao ano, a Selic está em seu maior patamar desde 2016.
No último encontro, o grupo de economistas realizou a quinta manutenção consecutiva da Selic, mesmo após a intensa pressão que tem sido feita por Lula e aliados, que cobram cortes na taxa e criticam os efeitos dos juros sobre a atividade econômica. O comitê havia sinalizado, anteriormente, a possibilidade de uma nova alta, mas o Palácio do Planalto bate na tecla de que os recentes resultados positivos na economia, como a inflação abaixo do esperado, poderiam incentivar até mesmo uma queda nos juros.
Medidas anunciadas
Lula também anunciou, no evento, a política de aumento real do salário mínimo, que ele prometeu implementar a partir deste ano. "Quando o salário mínimo aumenta, quem ganha não é só o cidadão que ganha o mínimo. Ganha o cidadão do comércio, o cidadão que vende comida. Porque com o trabalhador tendo mais dinheiro, ele compra mais. Ele comprando mais, o comércio gera emprego e encomenda coisa da indústria, e a indústria vai gerar emprego e a roda-gigante da economia começa a girar. E todo mundo começa a ganhar neste país. Até os mais ricos ganham com aumento do salário mínimo", defendeu.
Outro anúncio feito pelo presidente foi o de que há um estudo para isenção do Imposto de Renda para os valores recebidos pelos trabalhadores a título de PLR (participação dos lucros e resultados). Segundo Lula, o assunto está sendo analisado pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O chefe do Executivo afirmou que é um "absurdo" o pagamento de imposto sobre a PLR. "Se o patrão não paga Imposto de Renda sobre lucro e dividendo, por que os trabalhadores têm que pagar imposto no PLR? Estamos estudando, quem sabe para o próximo ano. O trabalhador não pode pagar Imposto de Renda sobre a participação dele no lucro da empresa", reclamou o presidente. Lula revelou que o fim da cobrança do imposto foi um pedido das centrais em reunião com ele e com Haddad.
Empregos
A tabela com os novos valores de descontos do IR foi publicada em medida provisória na noite de domingo. "Estamos mudando a faixa de isenção do imposto de renda que, há oito anos estava congelada em R$ 1.903. A partir de agora, o valor até R$ 2.640 por mês não pagará mais nem um centavo de Imposto de Renda. E, até o final do meu mandato, a isenção valerá para até R$ 5.000 por mês", disse o presidente.
"Vamos mudar este país porque a economia vai voltar a crescer e gerar mais empregos. Vou fazer por compromisso com as pessoas que ralam o dia inteiro. Vou fazer mais que em meus primeiros mandatos por compromisso ao povo trabalhador", completou Lula. Entre as medidas prometidas, além de destacar o aumento real do salário mínimo, anunciado no fim de semana, o petista voltou a citar o retorno da farmácia popular e o aumento de médicos especialistas na saúde básica. "Nós vamos garantir que as pessoas pobres deste país tenham direito ao especialista para não morrer com uma receita na cabeceira da cama", disse.
O presidente afirmou ainda que fará mais em seu terceiro mandato, até 2026, do que fez em seus dois primeiros mandatos. "Eu sou muito agradecido à confiança que vocês me deram a vida inteira. O sucesso do meu governo de 2003 a 2010 se deveu à solidariedade e ao apoio do povo trabalhador deste país. Estamos nos primeiros quatro meses de governo e eu quero provar que, nesses próximos quatro anos, vamos fazer muito mais do que eu fiz."
Atos golpistas
O presidente também voltou a prometer, ontem, que todos os envolvidos nas manifestações golpistas de 8 de janeiro serão responsabilizados. Em meio à tramitação do Projeto de Lei das Fake News na Câmara dos Deputados — o texto tramita em regime de urgência e deve ir à votação hoje (leia mais na página 4) —, Lula pediu para que todos virem "soldados" contra as fake news. "A gente não pode permitir que a mentira continue prevalecendo nesse país", declarou. "A gente não pode mandar mensagem mentirosa, passar para frente aquilo que você sabe que pode prejudicar a pessoa."
E completou: "Vocês se lembram que eles tentaram dar um golpe no dia 8. Eu quero terminar dizendo a vocês: 'Todas as pessoas que tentaram dar golpe serão presas, porque este país quer democracia de verdade, quer respeito'", prometeu.
Bolsonaro reitera papel de "ex" na Agrishow
Aos gritos de "mito" e de "Lula ladrão", o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), foi recebido pelos visitantes da principal feira agrícola do Brasil, a Agrishow, realizada nesta semana em Ribeirão Preto (SP). Bolsonaro chegou, ontem, ao evento acompanhado do governador do estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e fez um breve pronunciamento em uma solenidade reservada ao governador para liberação de títulos de revitalização fundiária, entrega de tratores para produtores rurais e assinatura de títulos de assentamento estadual.
Bolsonaro reforçou a importância do agronegócio para o país e criticou a homologação de terras indígenas e quilombolas no Brasil. "Em uma das reservas indígenas, há 31 mil hectares e apenas nove indígenas lá, algo não está certo", disse o ex-presidente sem detalhar a que área se referia.
Na ocasião, o ex-presidentre elogiou a gestão de Tarcísio de Freitas à frente do governo do Estado de São Paulo. Sem mencionar a disputa política com o atual governo, Bolsonaro disse que há momentos que devem ser considerados "como página virada". "A nossa vida continua até o dia que Deus nos chame para a eternidade", afirmou. "Eu tenho muita coisa para falar para vocês, mas, como sou 'ex', encerro por aqui", disse ao finalizar o pronunciamento no evento.
Reduto eleitoral
Depois, o Bolsonaro e o governador passearam por alguns estandes da feira, seguidos por centenas de visitantes que se aglomeravam e empurravam.
Os dois subiram em tratores e acenaram aos apoiadores. Alguns dos eleitores de Tarcísio e Bolsonaro portavam bandeiras do Brasil, cantando, em coro, o hino nacional brasileiro.
A Agrishow é um reduto eleitoral de Jair Bolsonaro, que ainda mantém fortes ligações com o setor. A expectativa da presença dele foi amplamente divulgada no interior paulista e também motivo de atrito entre a organização da feira e membros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que a organização do evento sugeriu a ele que fosse apenas no segundo dia do evento, para evitar constrangimentos diante da presença de Bolsonaro na abertura. O gesto foi recebido no Palácio do Planalto como uma "descortesia" e como demonstração de uma priorização do ex-presidente.
Neste ano, pela primeira vez, a Agrishow não realizará uma abertura oficial com a presença de organizadores do evento e integrantes do governo federal. A suspensão da atividade ocorreu após o mal-estar com o Executivo. O presidente do evento, Francisco Matturro, afirmou ter alertado o ministro da Agricultura quanto à possível presença do ex-presidente Jair Bolsonaro na abertura do evento, mas negou o desconvite.