Discriminação

Agricultura cancelou contratação de estagiário negro após entrevista

O caso ocorreu no ano passado, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entrevista presencial não era etapa eliminatória do processo seletivo

Renato Souza
postado em 30/05/2023 16:07
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

O Ministério da Agricultura e Pecuária cancelou, em janeiro do ano passado, a contratação de um estudante de Direito para uma vaga de estágio. Wesley da Silva, de 21 anos, que é negro, já tinha sido aprovado em todas as etapas do processo seletivo e teve a contratação suspensa após entrevista pessoal, realizada na sede da pasta. O Correio apurou que o cancelamento ocorreu mesmo com vagas ainda abertas para estagiários da mesma área.

Wesley iniciou o processo seletivo em novembro de 2021. Um mês depois, recebeu a informação de que tinha sido aprovado no processo seletivo e recebeu e-mail do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), empresa intermediadora da seleção, para providenciar a entrega de documentos, também por meio eletrônico, para formalização do contrato. A mensagem informava o dia em que o estágio teria início.

Em janeiro, ele foi contatado por representantes do ministério para entrevista presencial, para ser informado sobre o setor em que seria alocado e quais atividades desempenharia. Um dia após conversar com os gestores do órgão, o estudante recebeu uma mensagem do CIEE informando que não seria possível seguir com a contratação por decisão do governo. Ao entrar em contato com a gestora responsável na pasta, recebeu a informação que tratava-se de uma decisão interna.

Na ocasião, o estudante, que se autodeclara preto retinto, era repositor de estoque em um supermercado em Brasília e chegou a iniciar os procedimentos de desligamento, para conseguir se dedicar apenas ao estágio na área em que estuda. “Eu tinha iniciado o procedimento para findar o meu contrato no trabalho, por conta desse estágio, assim que chegou-me a informação que eu teria passado na vaga, a qual, para mim, segundo eles, estava garantida. Dois dias antes de começar, fui dispensado com a justificativa de que outra pessoa 'capacitada' veio a ocupar o meu lugar. Fiquei sem saída, muito triste”, afirma Wesley.

Vagas

A reportagem questionou o ministério por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). A pasta afirmou que, quando iniciou o processo seletivo, acreditava que existiam duas vagas, mas que, posteriormente, os servidores perceberam que havia apenas uma vaga. A pasta disse ainda que foi selecionado “o candidato mais capacitado” para o cargo.

“Informa-se que, dos seis estudantes entrevistados, dois candidatos se destacaram para a vaga de estágio, dentre eles, o estudante Wesley da Silva. O CIEE contactou os dois candidatos. Porém, constatado que havia apenas uma vaga para o período mencionado, foi selecionado o candidato mais bem preparado, provocando a interrupção dos procedimentos administrativos de contratação de Wesley da Silva”, respondeu a pasta.

Porém, na mesma resposta, a Agricultura informa que um processo seletivo para escolha de estagiário de Direito, com os mesmos critérios da seleção anterior, estava em andamento. Questionado sobre a cor declarada dos estudantes contratados, o ministério informou que, dos cinco escolhidos entre novembro de 2021 e janeiro de 2022, três se autodeclararam brancos e dois, pardos.

A reportagem apurou, junto a fontes no ministério, que o procedimento de contratação foi colocado em sigilo interno logo após a exclusão do estagiário, permitindo acesso apenas por parte dos gestores envolvidos no procedimento e da alta cúpula do órgão. Alguns meses após ser excluído da vaga, com o argumento de que foi escolhido o candidato melhor preparado, o estagiário foi aprovado em processos seletivos de estágio em dois tribunais de Brasília.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação