Na entrevista coletiva que concedeu, sábado, após a coroação do rei Charles III, Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que exercerá papel central nas articulações políticas do governo de agora para diante. Embora tenha defendido o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), ficou evidente que, para o presidente, a ponte entre o Palácio do Planalto e o Congresso precisa ter um trânsito mais fluído. Ou seja, as demandas dos parlamentares têm que ser destravadas com rapidez para que o governo evite derrotas para propostas nas quais tem interesse — como o Projeto de Lei 2.630/20, o PL das Fake News, cuja votação foi adiada, e o do Marco do Seneamento, cujos trechos foram derrubados pelos deputados.
Pelo novo desenho da articulação do governo, Lula cuidará da negociação e Padilha se incumbirá da execução. A essa conclusão o presidente chegou, na terça-feira passada, quando foi avisado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o atendimento às demandas dos deputados — sobretudo o preenchimento de cargos no segundo escalão do governo — estava emperrada. Ao final do encontro, Lula deu a ordem: as barreiras deveriam ser suspensas.
"Na Câmara, estão se queixando que o governo está tardando a fazer o que combinou, como a indicação para um ministério, a nomeação de um técnico competente. Tem que fazer, pois, senão, a conta vai ficar mais alta. Acho que a coisa mais barata é cumprir o que a gente prometeu. Quando a gente abrir a boca e prometer, temos de cumprir. Se não for cumprir, não prometa. Essa é a lição. Tenho conversado com o presidente Lira. Se houver desavenças na política, tudo se acerta", afirmou Lula, em Londres.
Inclusive, o presidente deve reunir líderes de partidos, esta semana, para recolher as demandas e ajustar a base aliada, que ainda se mostra dispersa.
Risco iminente
Mas, na terça-feira, depois da reunião que o presidente e o deputado tiveram, era tarde para evitar a derrota no PL das Fake News. Lira e os articuladores do governo não reuniram votos suficientes para a matéria passar. Segundo apuração do Correio, ao contarem, o presidente da Câmara e a base somaram que apenas 220 parlamentares votariam favoravelmente, dos 257 necessários para a aprovação.
"Avaliamos que era arriscado. Não se tinha maioria absoluta, mas havia uma possibilidade grande de construí-la e, inclusive, ganhar a votação se tivesse mais tempo (Para trabalhar a aprovação do PL)", afirmou uma deputada petista, que pediu o anonimato.
Lira atendeu ao pedido do relator do projeto, Orlando Silva (PCdoB-SP), e adiou a votação por pelo menos 15 dias, uma vez que ele participa, amanhã, do Lide Brazil Investment Forum, em Nova York, o que fará com que os trabalhos da Câmara nesta semana andem mais lentamente. O deputado já avisou que deseja participar das articulações até o momento em que a matéria entrar na pauta de votação.
O deputado Rogério Correia (PT-MG), porém, chama a atenção para o fato de que o blocão criado por Lira — formado por PP-União Brasil-PDT-PSB-Solidariedade-Avante-Patriota —, que em tese reúne 175 parlamentares, mais a e a Federação PSDB/Cidadania — capaz de dar 18 votos, caso vote fechada —, que habitualmente atende ao comando do presidente da Casa, não terem sido suficientes para assegurar os votos para o PL das Fake News passar. Alguns integrantes da Casa avaliam que Lira já teve mais controle sobre as votações de assuntos mais espinhosos ou de textos de interesse do Palácio do Planalto.
"Como tem dois grandes blocos agora, não é só o dele. Ele próprio reclamou que as big techs (empresas que controlam as plataformas das redes sociais) tiveram influência lá dentro, provavelmente até econômica, o que pode ser um sinal de falta de atuação do blocão", avaliou.
Correia também sinalizou que, com o fim do orçamento secreto, o caráter das negociações fica diferente. "O orçamento secreto ficava todo na mão dele. O governo não vai fazer isso de novo, da forma que era. Isso é um foco de tensão, gera crise aqui. Agora, a responsabilidade dele é com o governo de reconstrução democrática, tem que compreender isso. Não dá para botar tudo a perder por causa de interesse pessoal", frisou.
Nos bastidores, deputados argumentam que não necessariamente faltou a força do orçamento secreto para manobrar e assegurar fidelidade, mas que o projeto de lei emperrou porque é controverso e porque houve muita pressão de adversários e apoiadores do texto. "É uma matéria que, realmente, gera muita polêmica. Nesse momento, há uma divergência natural, um pluralismo de ideias. Basta apenas ele (Lira) respeitar que boa parte do parlamento hoje não concorda com o PL 2.630. Tínhamos a certeza de que o projeto não ia passar e, por isso, queríamos votar. O governo e o presidente da Casa perceberam que iriam perder naquele dia, houve um convencimento graças justamente às plataformas, às redes sociais", afirmou o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN).
Para o deputado Glauber Braga (PSol-RJ), se a votação do PL das Fake News tivesse sido pautada na semana anterior, logo após a aprovação do requerimento de urgência, teria sido aprovada. Isso porque se aproveitaria a mobilização que havia.
"O que teve foi uma ampla pressão de setores que têm poder, como as próprias plataformas. Isso voltou forte com a articulação da extrema direita no plenário, o que já vinha acontecendo", avaliou.
Já o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) considera que Lira vem entregando exatamente aquilo que prometeu. "Ele está sendo coerente com o discurso que sempre foi dele. Nunca disse: 'vou pautar projeto da esquerda, ou da direita'. Quando a pauta é polêmica, ele joga para o plenário, e foi o que ele fez. Fui voto vencido, queria que ele tivesse mantido a votação para rejeitarmos o PL das Fake News naquele dia. Mas, no dia seguinte, ele já pautou o PDL (Projeto de Decreto Legislativo) do Saneamento, que derrubamos, o que foi bom para a gente. Então, está equilibrado", avaliou.
Surpresa desagradável
Mas não foi somente o PL das Fake News que mostrou o quanto o Congresso está insatisfeito com o não atendimento das demandas pelo Palácio do Planalto. O governo foi surpreendido pela inserção na pauta do plenário da votação sobre as mudanças propostas pelo Poder Executivo no Marco do Saneamento.
Sem tempo para negociações, e com votos pela derrubada do decreto, deputados infiéis da base ajudaram a formar o placar de 295 votos a 136. Os 48 deputados do União Brasil, que tem três ministérios na Esplanada, ajudaram na derrubada do decreto. No MDB, foram 31 dos 32. PSB e PSD também seguiram o fluxo e votaram, em sua maioria, contra a proposta do governo.
O recado era claro. Na quinta-feira, em entrevista à Globo News, Lira mais uma vez enfatizou que o governo não tem feito uma articulação eficaz. "É o maior problema: reúne, reúne, reúne e não decide. No Senado e na Câmara, o governo tem suas complexidades e dificuldades. Lula precisa entender que estamos em 2023. De 2002 para 2023 tem um gap de autonomia do Congresso", diagnosticou.
Rogério Correia concorda que, com a liberação de emendas, as pautas patrocinadas pelo Palácio do Planalto devem fluir melhor. "Melhora, mas eles (os deputados) têm responsabilidade com o sistema democrático brasileiro", cobrou.
Glauber Braga discorda do toma lá dá cá que o Palácio do Planalto pretende levar adiante, e defende que as negociações devem ser feitas em outros termos. Tanto que ataca Lira ao classificá-lo como "chantagista geral da nação".
"Ele exerce, na cadeira da Câmara, aquilo que a gente dizia que ele faria, que é um processo de chantagem permanente, representando esses interesses do Centrão e da direita. Ele é uma representação disso", criticou.
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