Jornal Correio Braziliense

VISITA À EUROPA

Lula defende endividamento para aumentar renda e emprego no Brasil

Para presidente, dívidas, contudo, devem ser feitas para a construção de ativos que gerem emprego e renda. "Não pode ser dívida para pagar dívida", diz

Madri — Ansioso para que a economia volte a crescer e, com isso, reduzir a pressão sobre seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, nesta quarta-feira (26/4), na Espanha, o endividamento do setor público e da iniciativa privada, desde que seja para construir algum ativo que resulte em mais emprego e na melhora da renda dos trabalhadores. “Não se pode fazer dívida para pagar dívida”, afirmou. Não por acaso, ele vem cobrando a queda da taxa básica de juros (Selic), de 13,75% ao ano, num embate explícito com o Banco Central. Para Lula, é vital que a oferta de crédito aumente, mas a um custo bem mais baixo. “Sem crédito, a economia não cresce.”

Na véspera, ele havia pedido que os espanhóis fossem para o Brasil fazer empréstimos a juros menores. O Santander, por sinal, tem no país o seu maior negócio fora da Espanha. Como praticamente ninguém acredita nesse movimento, Lula assegurou que os bancos públicos — Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil (BB), Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia — voltarão a abrir os cofres para financiar a produção e o consumo. “No governo passado, esses bancos não emprestavam dinheiro, porque não queriam que o Brasil crescesse”, acusou.

Segundo o presidente, que foi recebido pelo primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, o crescimento econômico é vital, porque o Brasil não pode oferecer, permanentemente, programas assistenciais, como o Bolsa Família. Na avaliação dele, ao longo do tempo, os benefícios devem ser substituídos por empregos de qualidade. Atualmente, mais de 20 milhões de famílias recebem ajuda de R$ 600 por mês do governo federal. Com o desemprego na casa dos 8%, quase 10 milhões de trabalhadores não têm nenhum tipo de renda. “E temos 33 milhões de pessoas passando fome”, assinalou.

Lula acredita que o Banco de Desenvolvimento do Brics, acrônimo que reúne, além do Brasil, China, Índia, Rússia e China, também pode ser um grande financiar de projetos que impulsione o Produto Interno Bruto (PIB) desses países. “Podemos transformar esse banco numa instituição muito maior que o Banco Mundial (Bird), que, em algum momento, já foi ultrapassado pelo BNDES”, frisou. “Tudo, porém, será feito com responsabilidade”, ressaltou. O presidente disse, também, que é preciso ver a possibilidade de os países que formam o Brics passarem a fazer comércio em suas moedas, não mais em dólar.

União pelo Mercosul

Procurando mostrar forte sintonia, a despeito de posições um pouco conflitantes em relação à guerra da Rússia com a Ucrânia, Lula e Sánchez reforçaram os laços entre os países que governam. Coincidentemente, o Brasil assumirá, no segundo semestre, a presidência do Mercosul, bloco que integra Argentina, Paraguai e Uruguai, e a Espanha, a presidência da União Europeia. Eles acreditam que, juntos, poderão unir forças para convencer seus parceiros a fecharem o acordo entre os dois grupos, processo que se arrasta há mais de 20 anos. “Todos tem a ganhar com o acordo”, disse o espanhol.

No entender de Sánchez, há poucos elementos para não se chegar a um acordo com o Mercosul. Ele reconheceu, contudo, que alguns países europeus — especialmente, França e Irlanda, na questão agrícola —, têm dúvidas sobre a parceria. “Mas vamos trabalhar para solucioná-las. Se, verdadeiramente, temos uma oportunidade, ela é agora, porque a Europa precisa de aliados”, afirmou. Para Lula, é possível que o acordo saia até o fim do ano, mas é preciso rever alguns pontos, pois a proposta feita no governo anterior é inaceitável por parte do Brasil, porque impõe punição, inaceitáveis”. “Em um acordo, todo mundo tem de ganhar, ninguém quer perder. E, nesse ganha-ganha, é que podemos fazer um belo de um acordo”, emendou.

O primeiro-ministro espanhol enfatizou que tem enorme interesse no Brasil, que se tornou o maior parceiro comercial da Espanha. Já os espanhóis são o segundo maior investidor estrangeiro no Brasil. Ele explicou que essa relação tende a crescer pela América Latina e Caribe. Os países dessa região, agregados na Celac, vão se reunião em julho com os membros da União Europeia para ampliar parcerias, especialmente em áreas como energia renovável, saúde, tecnologia, educação e cultural. Lula acredita que será possível dobrar, nos próximos anos, o comércio entre Espanha e Brasil, hoje de mais de US$ 10 bilhões por ano.