Lisboa — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a demora de quatro anos para a entrega do Prêmio Camões ao cantor, compositor e escritor Chico Buarque de Holanda foi um dos maiores absurdos cometidos pela contra a cultura brasileira nos últimos tempos. “ Digo isso porque esse prêmio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi. Todos nós sabemos por quê”, disse, ao lado de Chico. A cerimônia ocorreu no suntuoso Palácio Nacional de Queluz, onde nasceu e morreu Dom Pedro I.
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Segundo Lula, o ataque à cultura, em todas as suas formas, foi uma dimensão importante do projeto que a extrema-direita tentou implementar no Brasil. “Se, hoje, estamos aqui para fazer esse gesto de reparação e celebração da obra do Chico, é porque, finalmente, a democracia venceu no Brasil”, assinalou. Ele ressaltou que o Brasil não Pode esquecer que “o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico no Brasil e em Portugal”.
Para o líder brasileiro, a premiação de Chico é “uma resposta do talento contra a censura, do engenho contra a força bruta”. Acrescentou que a obra de Camões foi o início da grande epopeia da língua portuguesa, que hoje floresce nos nove países que a utilizam oficialmente. “A obra de nosso Chico Buarque, produzida nesse mesmo idioma, acompanha toda a história recente do Brasil, com especial atenção ao destino político e cultural de nossos países-irmãos”, completou.
Liberdade e democracia
No discurso, praticamente todo lido, o presidente enfatizou que “Chico transformou em patrimônio literário comum os amores de nossos povos, as alegrias de nossos carnavais, as belezas de nossos fados e sambas, as lutas obstinadas de nossas cidadãs e cidadãos pela conquista da liberdade e da democracia”. E emendou: “Em seu cancioneiro, em suas peças de teatro e em seus romances, o cantor nunca deixou de fazer da língua portuguesa instrumento de transmissão de nossas culturas e de nossas lutas”.
Segundo Lula, na obra de Chico Buarque, o passado, o presente e o futuro do Brasil e de Portugal sempre estiveram vinculados. “Foi assim que ele decidiu revisitar nossa história, na peça Calabar, para nos mostrar, por meio deste personagem luso-brasileiro, quantas vezes em nosso destino se fizeram de traidores, heróis; de heróis, condenados; e da justiça, arbítrio”, disse. “Quando Brasil e Portugal atravessavam violentos regimes ditatoriais, foi assim que Chico jogou luz sobre a festa da redemocratização portuguesa, fazendo com que guardássemos, ‘teimosos e renitentes’, um velho cravo como esperança para nós mesmos. Um cheirinho de alecrim”, acrescentou.
Na avaliação do presidente, “a vasta contribuição da obra de Chico vai além de seus inegáveis aportes à riqueza literária da língua portuguesa e mostra que arte e cultura estão entrelaçados com a política e com nossos ideais de liberdade e democracia”.
No único improviso de sua fala, Lula brincou com Chico: “Quando ainda era muito pequeno, eu queria ser cantor, queria escrever peças de teatro e queria fazer tudo o que você faz, inclusive escrever romances. Aí falei para minha mãe que eu queria ser tudo isso, ela falou ‘não, meu filho, você não pode ser, porque já nasceu um menino dois anos mais velho do que você chamado Chico Buarque, que vai ser o mais importante’. E eu, há 75 anos, falei para minha mãe o que vou ser? Ela falou ‘se prepare, que você vai ser presidente’. E aqui estou, eu, presidente da República, e o Chico, representando a cultura viva do nosso país”