Lisboa — Se dependesse apenas da vontade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele só trataria de temas amenos na visita de Estado a Portugal. Mas o líder brasileiro está sendo confrontado com temas geraram enormes ruídos, mesmo antes de ele cruzar o Atlântico. O petista está sendo questionado, principalmente, sobre as recentes declarações de que a Ucrânia é tão culpada quanto a Rússia pela guerra travada entre os dois países e de que a União Europeia e os Estados Unidos têm estimulado o conflito em vez de pregarem a paz.
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Na tentativa de desfazer o que o Palácio do Planalto classificou como um mal-entendido, ele disse, ontem, em entrevista coletiva a jornalistas do mundo inteiro, em Lisboa, que nunca igualou a Ucrânia com a Rússia, condenou o país de Vladimir Putin pela invasão do vizinho e frisou que o único lado que defende é o da paz.
"Não tenho lado, estou na terceira via, que é o da construção da paz. Ele ressaltou ainda que sabe o que é integridade territorial, e que a Ucrânia, sim, teve a soberania atacada. "Todos acham que a Rússia errou, e já dissemos isso. Infelizmente, a guerra começou. Agora, é preciso encontrar as pessoas dispostas a se sentar para discutir a paz. É isso que estou tentando fazer", assinalou. "A guerra não está fazendo bem a ninguém, o mundo todo está sendo prejudicado, inclusive o Brasil, que compra fertilizantes (da Rússia)", emendou.
Sob pressão dos repórteres, o presidente disse que não aceitará o convite do governo da Ucrânia para visitar Kiev. "Eu não fui à Rússia e não vou à Ucrânia. Eu só vou (à Ucrânia) quando houver possibilidade de efetivamente ter um clima de construção de paz", afirmou. Lula confirmou que enviará o ex-chanceler Celso Amorim, assessor internacional da Presidência, à Ucrânia, repetindo o gesto que fez à Rússia. O presidente, porém, recorreu à ironia ao ser questionado sobre o que seria tratado com o governo ucraniano. "Se eu disser, estará tudo nos jornais amanhã. É preciso conversar primeiro", assinalou.
Lula reforçou que não quer agradar ninguém, seu objetivo único é tentar construir uma solução para que Ucrânia e Rússia cheguem a um acordo. Ele afirmou entender o papel da Europa ante a guerra. Contou que esteve com o presidente da Romênia, que tem 600 quilômetros de fronteira com a Ucrânia e que entende perfeitamente a visão dele. "Quando houve a Segunda Guerra Mundial, era difícil acreditar que as pessoas pudessem conversar. Mas houve. Então, acredito que agora também é possível encontrar a paz", frisou.
Visões diferentes
Apesar de deixar claro suas ressalvas em relação à posição do presidente Lula sobre a guerra entre na Ucrânia, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, preferiu não polemizar com o convidado e amigo. O líder português reforçou sua visão de que a Ucrânia é a vítima e que apoia todas as sanções impostas pela União Europeia e os Estados Unidos à Rússia.
"A posição portuguesa é conhecida por todos, que é não apenas a condenação da invasão russa à Ucrânia, mas também de solidariedade em relação ao povo ucraniano, no que foi uma violação do princípio fundamental do direito internacional previsto na Carta das Nações Unidas. E eu acrescentaria que faz sentido aplicar as resoluções das Nações Unidas aprovadas por maioria esmagadora na Assembleia Geral", afirmou Rebelo de Souza. Na opinião dele, é vital que haja a retirada imediata das forças russas da Ucrânia.
Nesse sentido, acrescentou o presidente português, seu país é solidário com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e com a União Europeia. "Penso que é justo permitir à Ucrânia se defender (com armas doadas) e tentar recuperar um território que foi invadido, com violação da integridade territorial e da soberania do Estado", ressaltou. Mas, para não confrontar diretamente Lula, Rebelo de Souza acrescentou que, se seu país diverge do Brasil em alguns pontos, na maioria das vezes, impera o consenso. "Estamos sempre do mesmo lado, sempre de um modo ou outro, mas, agora (em relação à Ucrânia), cada país considera qual é a sua prioridade. Para Portugal, aliado da União Europeia e da Otan, a posição é de total apoio à Ucrânia nos vários domínios", destacou.
Segurança reforçada
O presidente Lula foi recebido por Marcelo Rebelo de Sousa com honras de chefe de Estado. Sob forte calor, o líder brasileiro passou a tropa em revista, em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, que foi fechado à visitação pública.
O que mais chamou a atenção foi o forte esquema de segurança montado para o evento. Pelo menos duas centenas de policiais foram destacadas para a operação. O temor era de tumulto, diante das convocações feitas pelo deputado André Ventura, do Chega, partido de extrema-direita que, sistematicamente, tem atacado o petista.
A linha dura imposta pelos policiais, no entanto, não impediu que um grupo de apoiadores do PT se aglomerasse na Praça do Império. Lula, inclusive, rompeu rapidamente o protocolo e acenou para o público. O petista esteve, durante boa parte do tempo, acompanhado da primeira-dama, Janja da Silva, que, na véspera, havia causado polêmica ao deixar o hotel para comprar uma gravata em uma das lojas mais caras de Lisboa, da grife Ermenegildo Zegna. Lula usou a gravata, ontem. A assessoria de Janja informou que o presente não foi comprado com cartão corporativo do governo.
A visita de presidente brasileiro a Portugal marca o reatamento das relações com o Brasil. Nos últimos quatro anos, os dois países viveram momentos de tensão. Jair Bolsonaro quebrou a tradição e não pisou em solo português. Mesmo nos governos militares, isso nunca havia acontecido. Em duas oportunidades em que esteve no Brasil, Rebelo de Souza foi maltratado pelo então presidente. Um almoço agendado previamente foi desmarcado e, nas comemorações do Sete de Setembro, Bolsonaro colocou um empresário aliado entre ele e o líder português.
As boas-vindas a Lula incluiu uma visita ao túmulo do escritor Luís de Camões. O brasileiro se ajoelhou ante a lápide, num gesto de respeito. De lá, seguiu para o Palácio de Belém, sede da Presidência portuguesa. Os dois presidentes tiveram um encontro privado e, depois do almoço, participaram da reunião de Cúpula Brasil-Portugal.