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Justiça

MPE relaciona discurso de Bolsonaro com mobilização contra resultado da eleição

O parecer assinado pela PGE pede a condenação do ex-presidente em ação que pode torná-lo inelegível. Julgamento deve ocorrer ainda neste semestre

O parecer em favor do pedido de inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL), assinado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, utiliza a reunião promovida pelo ex-presidente para embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho de 2022, como ponto crucial para uma “inédita mobilização de parcelas da população que rejeitavam aberta e publicamente o resultado das eleições”.

A relação entre o discurso feito por Bolsonaro às autoridades de diversos países três meses antes das eleições e os movimentos contra instituições democráticas que ocorreram posteriormente é relatada no documento assinado pelo vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet e obtido pelo jornal O Globo.

A Procuradoria, integrante do Ministério Público Eleitoral (MPE), pede a condenação do ex-presidente por acreditar que a ação de Bolsonaro promoveu um ambiente político instável. O parecer ocorreu após a análise de uma ação movida pelo PDT, em 2022, para apurar os ataques ao sistema eleitoral feitos pelo então chefe do Executivo na reunião.

De acordo com o procurador Paulo Gonet, o Brasil passou a registrar, após o evento, inúmeras manifestações contra as eleições e a segurança das urnas, veiculação de notícias falsas sobre o processo eleitoral e o estabelecimento dos acampamentos bolsonaristas em frente aos quartéis generais de todo o país.

“É fato notório que surgiram acampamentos e manifestações de rua animados por pessoas convictas de que as eleições haviam sido fraudadas. Estão ainda muito presentes e nítidas as imagens do dia 8 de janeiro último de destruição e de acintosa violência dos Poderes constituídos", escreveu Gonet.

De acordo com o parecer, o MPE sustenta que houve, além da incitação à rebelião contra as instituições democráticas, abuso de autoridade, ao proferir um discurso a embaixadores antes da eleição, uma conduta vedada aos outros candidatos à presidência da República; desvio de finalidade a utilizar bens públicos em busca de benefícios pessoais; e uso indevido dos meios de comunicação oficiais do governo — a reunião foi transmitida pelas redes sociais oficiais do governo e também pela TV Brasil.

Os pontos do discurso apontados como “relevantes” para incitar rebelião dos apoiadores

O parecer detalha ao menos quatro pontos do discurso feito por Bolsonaro que alimentou uma desconfiança de apoiadores sobre o futuro resultado das eleições. No evento, o ex-presidente citou uma “live” feita por um programador em outubro de 2018, que disse que é possível fraudar a eleição alterando o código-fonte das urnas, em uma clara acusação sem provas contra o sistema eleitoral. O “código-fonte” virou uma bandeira dos apoiadores para levantar suspeitas das urnas.

O segundo ponto citado pelo órgão foi a afirmação feita por Bolsonaro de que o TSE sofreu uma invasão de hackers em 2018 para sugerir uma fragilidade do sistema eletrônico — o ex-presidente omitiu, no entanto, que o tribunal afastou o risco para a votação e que o hacker teve acesso a dados administrativos do órgão e não às urnas.

A conduta de Bolsonaro em relação aos movimentos antidemocráticos no período da eleição é reforçada como algo contínuo, de acordo com o MPE, ao citar falas que atacavam as urnas antes da reunião com embaixadores e adiciona no parecer uma entrevista a um programa televisivo em 4 de agosto de 2021, quando ele defende uma suposta insegurança das urnas.

O órgão também cita uma live transmitida por Bolsonaro, em 12 de agosto de 2021, onde ele citou os mesmos temas. O parecer ressalta que a análise trata de condutas impróprias estritamente no âmbito eleitoral, e não criminal. Além disso, a relação do discurso do ex-presidente é apenas para movimentos feitos na época das eleições, e não aos atos golpistas de 8 de janeiro.

O vice-procurador Gonet também rebateu o argumento da defesa de Bolsonaro, de que o ex-presidente queria apenas aperfeiçoar o processo eleitoral ao emitir as falas, e afirmou que a discussão sobre qualquer desconfiança das urnas foi encerrada pelo Congresso, que rejeitou a proposta do voto impresso em 2021.

“A decisão a esse respeito já havia sido tomada (pelos parlamentares) e muito recentemente. A escusa do propósito do discurso de contribuir para a melhoria do sistema, portanto, não se sustenta em fundamento que impressione”, sustenta Gonet.

O Correio entrou em contato com a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço segue aberto para futuras manifestações. 

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