Jornal Correio Braziliense

ÓDIO

Agressões contra jornalistas aumentaram em 23% em 2022, diz relatório

O levantamento afirma, ainda, que no último ano, 31,6% das agressões foram relacionadas diretamente à cobertura eleitoral e, em 56,7% das situações, os agressores foram agentes do Estado, como gestores públicos eleitos ou funcionários públicos

O relatório Monitoramento de Ataques a Jornalistas no Brasil, publicado no fim de março pela Abraji, mostra que em 2022 foram levantados 557 ataques contra profissionais de imprensa, 23% a mais que no ano anterior. Segundo o documento, tal resultado demonstra um aumento "sem precedentes" de violência contra jornalistas.

O levantamento afirma, ainda, que no último ano, 31,6% das agressões foram relacionadas diretamente à cobertura eleitoral e, em 56,7% das situações, os agressores foram agentes do Estado, como gestores públicos eleitos ou funcionários públicos. O ex-presidente Jair Bolsonaro e sua família estiveram envolvidos em 41,6% dos ataques totais.

"Há uma compreensão de parte da sociedade de que somos inimigos, de que é aceitável atacar jornalistas. Nenhum profissional, em nenhuma circunstância, pode ser vítima de um crime", defendeu Katia Brembatti, presidente da Abraji, no lançamento da pesquisa.

As mulheres são um alvo frequente dos ataques. Segundo a pesquisa, entre os casos registrados em 2022, 145 apresentaram características explícitas de violência de gênero. Entre os alertas gerais, 61,2% envolvem discursos estigmatizantes contra as mulheres.

A Abraji observou, também, que 176 das situações apuradas foram referentes a casos de agressões físicas, destruição de equipamentos, hostilizdades e ameaças. "Um governo que restringe o trabalho da imprensa ignora a obrigação constitucional de ser transparente", criticou a Abraji na época.

Já a organização Repórteres Sem Fronteiras apontou o Brasil, no ano passado, era um dos países mais perigosos para a prática do jornalismo. Dos 57 profissionais mortos no exercício da profissão, pelo menos três ocorreram no país, que ficou atrás de México, Ucrânia — que vive uma guerra contra a Rússia em seu território — e Haiti. E empatou com a Síria — que há anos vive uma guerra civil — e Iêmen.

Um dos episódios que atestam a insegurança da atividade jornalística no Brasil é o assassinato do jornalista inglês Dom Phillips, no ano passado, junto com o indigenista Bruno Pereira, na Terra Indígena Vale do Javari (AM). À época, Bolsonaro chegou a dizer que o britânico era "malvisto" na Amazônia.

"Esse inglês era malvisto na região, fazia muita matéria contra garimpeiros e questão ambiental. Então, naquela região bastante isolada, muita gente não gostava dele. Deveria ter segurança mais do que redobrada consigo próprio", afirmou, sem dar provas do que acusava. 

A verdade como compromisso

A celebração do Dia do Jornalista, ontem, serviu para que políticos e entidades não somente destacassem o trabalho da imprensa como um dos pilares da democracia, mas fizessem uma reflexão de um período em que mentiras e desinformações inundam as redes sociais e "formam" opinião. A data também salienta que o trabalho do jornalista profissional está diretamente relacionado à apuração profunda dos fatos, e não a opiniões que amplificam visões pessoais.

"A democracia não pode prescindir do trabalho jornalístico profissional, livre e independente, caracterizado, acima de tudo, pela responsabilidade. Ele se faz ainda mais necessário em tempos da disseminação de notícias falsas. Portanto, devemos valorizar a profissão e os profissionais que prezam pela busca e manutenção da fundamental e necessária informação", tuitou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Para o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, "em tempos de disseminação de fake news e desinformação, o jornalismo profissional é ferramenta indispensável para defesa da democracia e da credibilidade na informação".

Segundo o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), "em tempos de extremismo e exaltação do autoritarismo, precisamos reconhecer o trabalho dos jornalistas, guerreiros na cobertura dos temas prioritários para o povo brasileiro. A democracia precisa de vocês".

Porém, o Relatório de Atentados Contra Jornalistas e Comunicadores, levantado entre 8 a 11 de janeiro de 2023 pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), mostra que o exercício da profissão é inseguro e violento. Pelo menos 45 agressões contra jornalistas foram denunciadas no período.

"Dados mostram a escalada das agressões durante o governo de Bolsonaro. Por conta de atos antidemocráticos, realizados principalmente desde as eleições, no dia 30 de outubro do ano passado, 2022 já havia sido definido como o ano mais violento para profissionais da imprensa", alerta a Abraji.

Segundo dados do ano passado da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil está em 110º lugar no ranking de liberdade de imprensa. A organização indica que as relações entre o governo e a imprensa se deterioraram no governo Bolsonaro.

Nova atitude

O ataque a uma creche em Blumenau (SC) levantou o debate sobre mudanças na cobertura de episódios violentos. Diversos veículos divulgaram que a cobertura de ataques a escolas não trará mais a identidade de criminosos, detalhes das ações, fotos e vídeos, para evitar o "efeito contágio" — que estimularia novos episódios semelhantes.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), do Ministério dos Direitos Humanos, apoiou a decisão. "Saudamos os veículos da imprensa brasileira, que já estão tomando medidas preventivas em não transformar os autores de violência contra nossa infância e adolescência em 'heróis', evitando dar destaque a tais personagens, evitando gatilhos", destaca a nota do conselho.