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PRESIDÊNCIA

Novo Ensino Médio, juros e STF: veja os pontos do encontro de Lula com jornalistas

Em encontro com jornalistas, chefe do Executivo sugere mudar a meta de inflação, atualmente em 3,25% ao ano, mas diz não querer confronto com o presidente do BC. Afirma, ainda, não ter compromisso com perfil específico para o Supremo

Em um café com jornalistas no Planalto para um balanço dos primeiros cem dias de governo, o presidente Lula deixou claras as suas preocupações em relação ao futuro. Embora otimista, declarou com todas as letras ser “difícil” pensar numa coalizão política com 30 partidos. E falou da “obsessão” de, passados os primeiros três meses, gerar empregos e crescimento econômico. Neste terceiro mandato, Lula considera como “grande teste” a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional.

Para cumprir o desafio do crescimento, o país precisa, segundo Lula, reduzir os juros. E foi justamente nesse ponto, mencionado logo no início da entrevista, que o presidente, involuntariamente, abalou o mercado financeiro ao não descartar mudanças na meta de inflação para baixar os juros. “Esses dias, eu li uma frase, não sei se foi dita pelo presidente do Banco Central, que, para atingir a meta de 3% (de inflação) precisaria de um juro de 20%. Não sei se foi verdade isso, mas, no mínimo, é uma coisa não razoável de ser dita. Se a meta de inflação está errada, muda-se a meta”, disse Lula.

A declaração do presidente causou alvoroço imediato no mercado, enquanto Lula ainda estava no café com os jornalistas. Ao final, porém, o presidente não descartou rever a meta, mas minimizou sua fala, ao dizer que apenas fizera um comentário em tese. “Eu disse que ouvi de uma jornalista que o presidente do Banco Central teria dito. Já tive o prazer de discutir meta, inflação, câmbio. Ele que exerça a sua autonomia”, delimitou o presidente.

A definição da meta de inflação, porém, não é exclusividade do Banco Central. Trata-se de uma atribuição do Conselho Monetário Nacional, composto por Banco Central e por três ministérios: Fazenda, Planejamento e Gestão. A fala de Lula indica que, num futuro próximo, o governo pode sim, começar a tratar de revisar a meta de inflação dentro do CMN.

Antes de mexer nesse pilar da economia, contudo, o governo pensa em outros caminhos. “É humanamente inexplicável a taxa de juros de 13,5%. Estive com empresários do varejo, da indústria. Não vou ficar brigando com o presidente do Banco Central. Ele tem dois anos de mandato. Quando precisar mudar, o que precisar mudar, vamos mudar de acordo com os interesses do governo, com pessoas da mais alta responsabilidade. Essa taxa de juros é incompreensível para o desenvolvimento do país e vamos ter que dar um jeito”, disse Lula.

A política de preços da Petrobras também foi destaque. O presidente foi direto, ao chamar para si a responsabilidade dessa discussão: “A política de preços será discutida pelo governo quando o presidente da República convocar. Enquanto não convocar, não vamos mudar o que está funcionando hoje”, disse Lula, acenando com mudanças no futuro. “Na campanha, disse que era preciso abrasileirar os preços. A Petrobras não pode continuar distribuindo os dividendos que está distribuindo e não sobrar dinheiro para investimento”, afirmou o presidente, sem entrar em detalhes do que será proposto.

Lula chegou ao café acompanhado dos ministros da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta, e da Secretaria Geral da Presidência, Márcio Macedo. Com 22 minutos de atraso e muito bem-humorado, foi logo dizendo que, se todos os presentes fizessem perguntas, ele só sairia dali no final de seu governo. Respondeu a 12 perguntas sobre os mais variados temas.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente da República.

Cem dias

Estou muito, mas muito satisfeito com as coisas que conseguimos fazer até agora. Quando voltei a ser candidato a Presidente da República, eu tinha noção das dificuldades que iríamos encontrar. Mas se você faz política sem dificuldade, a política não tem prazer. A política não tem sentido. Ou seja, um pouco de confusão política ajuda a gente a gostar da política. Estou convencido de que nós vamos consertar o país. Estou mais do que satisfeito porque conseguimos projetar, nesses três meses, a retomada de todas as políticas sociais que deram certo nesse país. Obviamente elas ainda não estão surtindo o efeito necessário, porque muitas estão sendo colocadas em prática há poucos dias. Mas eu acho que quando essa política começar a ser implantada, a gente vai ter uma mudança no ritmo da economia brasileira.

Juros impossíveis

Não é possível a gente imaginar que possa se estabelecer crédito com taxa de juros a 12%, 16%, 17%. Não é possível o país continuar assim. Quando eu voltar da China, vamos ter que discutir com muita clareza a linha de crédito para cooperativas e pequenos e médios empresários. Somente com circulação de dinheiro é que a gente vai poder retomar o crescimento da economia. Faremos um esforço incomensurável para a economia voltar a crescer. Não existe outro milagre, não existe outra possibilidade.

Investimento em obras

Nós não vamos privatizar empresa para trazer dinheiro. Nós queremos que as pessoas que venham ao Brasil para fazer investimento em coisas novas, em coisas que nós precisamos, em obras de infraestrutura. Nós temos um potencial extraordinário, que é a quantidade de obras que foram paralisadas desde 2016.

Obsessão: crescimento

Minha obsessão, nesses primeiros três meses, era retomar os programas sociais. A minha obsessão agora é com crescimento e geração de empregos. E tenho certeza de que teremos sucesso. Não foram poucos os analistas que, em 2004, zoaram com a minha frase sobre o espetáculo do crescimento. E naquele ano, a economia cresceu 5,8%. Economia não tem mágica: É estabilidade, credibilidade e previsibilidade. Se conseguirmos estabelecer essas três palavras, voltará a crescer como ocorreu no período em que fui presidente".

Três palavras mágicas

Tem três palavras que eu considero as coisas mágicas na economia: estabilidade, credibilidade e previsibilidade. Se a gente conseguir estabelecer o funcionamento dessas três palavras, a economia volta a crescer como cresceu no período em que eu fui presidente da República. Naquele tempo, muita gente dizia 'O Lula teve sorte', porque o agronegócio e as commodities cresceram. Eu comecei a ter sorte outra vez, tanto que ganhei as eleições. Segundo porque, veja, nós nunca tivemos os lagos tão cheios como agora, nunca tivemos a produção de energia alternativa como temos agora. Daqui pra frente, a gente vai reverter essa mediocridade do Brasil não crescer, do Brasil ficar velho. Minha discussão com o governo é a seguinte: a gente não discute as mazelas da macroeconomia. Nós temos que discutir o que nós temos de fazer.

Campos Neto

Eu não vou ficar brigando com o presidente do Banco Central. Ele tem dois anos de mandato, quem indicou ele foi o Senado. E daqui a dois anos vai se discutir o novo presidente do BC. E os novos diretores, nós vamos mudar de acordo com os interesses do governo e pessoas da mais alta responsabilidade. Porque nós não vamos brincar com a economia. A história de vários países do mundo mostra que, quando você tenta brincar com a economia, e a brincadeira não dá certo, o resultado é desastroso. Eu sou muito meticuloso a tratar da questão econômica.

"Muda-se a meta"

Essa taxa de juros é incompreensível para o desenvolvimento do país. Nós vamos ter que encontrar um jeito. O Banco Central não é compreensível, porque não temos inflação de demanda. Não existe mais sobre demanda do país. Eu não sei se a frase foi dita pelo presidente do Banco Central, de que para atingir a meta de 3%, precisaria de juros de 20%. Ora, é no mínimo uma coisa não razoável de ser dita. Porque se a meta está errada, muda-se a meta. O que é preciso imaginar que o empresário vai pegar dinheiro emprestado a essa taxa de juros? Nós vamos escolher as pessoas corretas para o lugar certo.

Novo ministro do STF

"Tem muita gente precipitada. Quem escolhe sou eu e não estou preocupado. Lamento que o ministro Ricardo Lewandowski tenha completado 75 anos e tenha que se aposentar. Mas o sucessor será escolhido por mim, no momento em que eu achar que deva fazer. Não adianta as pessoas ficarem plantando nome, tentando vender candidato pela imprensa. Não é assim que se escolhe ministro da Suprema Corte. Tem mais gente do que quando eu tive de escolher há 13 anos. Não tenho pressa. O critério de escolha, da forma que vai ser escolhida, será feito por mim. E o nome que eu indicar certamente será um nome que irá fazer justiça ao povo brasileiro. Jamais indicarei ministro da Suprem Corte por conta de precisar dele para algum favor. Ministro tem que ser uma pessoa que leve em conta a Constituição e que não dê o voto dele pela imprensa, e sim nos autos do processo.

Vaga de Rosa Weber

Não vou criar um compromisso que não quero criar. Vou indicar (para a vaga) uma pessoa altamente gabaritada, que conheça a realidade deste país. Tem que ter uma compreensão dos problemas sociais, da realidade e o mínimo de sensibilidade social para assumir uma posição dessas, que é de muita responsabilidade. Não vou indicar ninguém pensando num futuro problema do presidente da República.

Relação com o Congresso

"Quando a gente está num cargo como esse, tem que ter muito equilíbrio. Até hoje não senti nenhuma dificuldade com o Congresso Nacional. Eu não era presidente e conseguimos aprovar a PEC que era difícil de ser aprovada. Vejo aí uma divergência entre o presidente do Senado (Rodrigo Pacheco) e o presidente da Câmara (Arthur Lira), quem pode mais, quem pode menos. Conversei com eles e tenho certeza de que irão se colocar de acordo com o que precisa ser votado. O país não pode ficar parado.

Troca de ministro

Não haverá troca de ministro, a não ser que haja uma coisa importante com esse ministro. Estou muito tranquilo com a construção que fizemos. É muito difícil pensar num sistema de coalizão política com o mundo e partidos políticos que temos. Não senti nenhuma dificuldade. Vamos esperar a primeira votação de interesse do governo. Por exemplo, a política tributária, que é um teste para o Brasil e um teste para o governo. E vamos ver o que vai acontecer. Tenho certeza de que será aprovada a política tributária que vai resolver, em parte, o problema da tributação nesse país, da mesma forma que vai ser aprovado o arcabouço fiscal.

Tragédia de Blumenau

Ontem passei um dos piores dias da minha vida. O que aconteceu em Blumenau não é humanamente explicável. Só pode ser coisa de alguém de um planeta diferente. Não pode ser humano. Não pode ser de alguém que tenha sentimento, que tenha um mínimo de sensibilidade. Aquilo que foi feito não faz parte do humanismo que aprendi a conhecer e praticar. Vamos tentar, a nível nacional, ver no que a gente consegue ajudar a guarda municipal, a guarda estadual para, de forma preventiva, evitar essas loucuras. E também buscar especialistas que possam nos explicar por que um ser humano pode ser tão perverso. Temos que resolver isso e não é tarefa para um governo, nem para um homem. É para a humanidade. O mundo está vivendo um clima perverso que não conhecíamos. Sou bisavô, tenho neto, não posso acreditar que alguém tem coragem de matar uma criança de três anos".

Novo ensino médio

"Não vamos revogar. O ministro da Educação, ao suspender, estava simplesmente cumprindo uma decisão da equipe de transição. Foi suspenso para que se rediscuta com a sociedade brasileira e se chegue a um acordo sobre como aprimorar. O novo modelo do ensino médio é de 2017 e deveria ter entrado em vigor em 2022. Não entrou e, agora, será revisto antes de ser colocado em prática. O novo modelo prevê 60% de disciplinas obrigatórias e 40% de optativas, algo que provocou controvérsias no setor. Agora, será tudo rediscutido.

Política da Petrobras

Fui pego de surpresa com a discussão entre uma posição do ministro de Minas e Energia e uma suposta decisão da direção da Petrobras (Alexandre Silveira afirmou que a política do Preço de Paridade Internacional (PPI) é um "absurdo" e que esperava da empresa uma mudança a respeito). A política de preços da Petrobras será discutida pelo governo no momento em que o presidente da República convocar. Enquanto o presidente não convocar, a gente não vai mudar o que está funcionando hoje. Nós vamos mudar, mas com muito critério. Durante a campanha, eu disse que é preciso abrasileirar o preço da gasolina e do óleo diesel. O Brasil não tem por que estar submetido à PPI. Mas esse é um problema que nós vamos discutir no momento certo. Se houve divergência entre os dois (o ministro e a Petrobras), ela deixará de existir.

PIB

O crescimento industrial está muito pequeno. E o Brasil precisa investir e exportar manufaturados e ganhar mais mercado no plano internacional, para que a gente possa retomar o protagonismo que o país já teve. Vou à China, a Abu Dhabi, a Portugal, à Espanha, ao Japão, e ainda à coroação de Rei Charles. Meu compromisso é como eu disse na reunião com os governadores. Fomos eleitos na mesma data: seremos lembrados pelas coisas que tivermos competência de fazer. Lembro que já tivemos sucesso e é possível voltarmos a ter sucesso. Se o Brasil estivesse bem, maravilhosamente bem, certamente eu não teria sido eleito. Só ganhei as eleições porque muita gente voltou na perspectiva de retomar a democracia e conseguir mais desenvolvimento econômico. Isso eu tenho na minha cabeça: não posso falhar. Não vou fracassar.

A volta de Bolsonaro

A volta de um ex-presidente da República ao seu país é algo que acontece em todos os países do mundo. Tenho consciência de que Bolsonaro tem pretensão de voltar a ser candidato a presidente da República. Voltou a acreditar tanto em política que se filiou ao PL. Já não discorda tanto da política como discordava para enganar a sociedade brasileira. Depois de 28 anos de mandato (de deputado), dizer que não era político era para enganar os incautos deste país. Bolsonaro, para fazer oposição, terá que responder aos processos que ele responde. Vai ter muitos processos contra Bolsonaro, porque ele cometeu muitos erros. E o mais grave, na minha opinião, não estar sendo sequer discutido, que foram as 700 mil vítimas da covid, das quais, pelo menos metade é da responsabilidade dele. Há muitos processos.

Bolsonaro e covid

Eu, como fui vítima nesse país, defendo o direito à presunção de inocência. Ele (Bolsonaro) tem direito de se defender e de ser julgado corretamente. Eu acho inclusive que ele pode correr o risco de ter um processo no exterior, porque o que ele fez com a covid não foi brincadeira. Negar a ciência como ele negou não é qualquer coisa. Portanto, ele vai pagar o preço dos erros que cometeu. Agora, ele está livre para fazer motociata. Ele imaginava que ia ter uma grande recepção, motocicletas. Como não tinha ninguém para pagar a gasolina, não tinha motocicleta. Fica mais difícil. Ele também vai fazer a experiência que nunca fez. Vamos ver o que vai acontecer. Meu papel não é ficar preocupado com o que ele vai fazer. Meu papel é ficar preocupado com o que eu tenho que fazer.