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Qual o impacto de gafes e falas polêmicas de Lula nos primeiros meses de governo

Em alguns casos, ele reconheceu o erro e pediu desculpas. Isso ocorreu, por exemplo, quando Lula relacionou problemas de saúde mental com violência

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postado em 29/04/2023 08:49 / atualizado em 29/04/2023 08:49
 (crédito: Reuters)
(crédito: Reuters)

Desde que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu algumas declarações controversas que geraram debates nas redes sociais, críticas e até reações de outros países.

Em alguns casos, ele reconheceu o erro e pediu desculpas. Isso ocorreu, por exemplo, quando Lula relacionou problemas de saúde mental com violência, em uma reunião em que anunciou medidas para aumentar a seguranças nas escolas.

Em outras ocasiões, o presidente tentou corrigir rumos, como fez depois da repercussão gerada quando disse que a Ucrânia, que foi invadida pela Rússia, também tem responsabilidade pela guerra.

Mas até que ponto essas falas do presidente tiveram impacto direto na política doméstica ou na relação do Brasil com o mundo?

A BBC News Brasil reuniu aqui algumas das gafes e falas polêmicas mais recentes. E ouviu especialistas, diplomatas e políticos sobre as consequências dessas declarações nos primeiros meses do governo Lula.

Falas controversas sobre minorias e pessoas com deficiência

Lula com indígenas
Reuters
Lula disse que escravidão, apesar de terrível, trouxe algo bom para o Brasil, a miscigenação

Recentemente, algumas falas de Lula causaram desconforto entre pessoas com deficiência e minorias.

Ao assumir a Presidência, Lula anunciou o ministério com mais diversidade da história do país — com maior presença de mulheres, negros e indígenas.

Mas, ao falar de improviso em discursos, alguns deslizes chamaram a atenção.

Por exemplo, ao visitar em Roraima a reserva indígena Raposa Serra do Sol, em 13 de março, Lula falou que a escravidão, apesar de terrível, teria trazido algo de bom, a miscigenação no Brasil.

"Toda desgraça que isso causou ao país, causou uma coisa boa, que foi a mistura, a miscigenação da mistura entre indígenas, negros e europeus, que permitiu que nascesse essa gente bonita aqui, que gosta de música, que gosta de dança, que gosta de festa, que gosta de respeito, mas que gosta de trabalhar para sustentar a sua família e não viver de favor de quem quer que seja", afirmou.

Muitos ativistas e historiadores usaram as redes sociais para explicar que a miscigenação no Brasil, na verdade, é fruto da violência e do estupro de mulheres negras e indígenas — não de um processo harmônico e pacífico. Também reforçaram que não há saldo positivo na escravidão.

‘Problema de parafuso’

Outro momento que causou polêmica foi quando Lula disse que pessoas que sofrem de deficiência intelectual têm "problemas de desequilíbrio de parafuso".

A fala foi feita durante o anúncio de investimentos em segurança nas escolas, após o ataque que matou crianças numa creche em Blumenau.

"A OMS [Organização Mundial da Saúde] sempre afirmou que, na humanidade, deve haver 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso", disse.

"Pode uma hora acontecer uma desgraça", completou.

Mais uma vez, a declaração gerou fortes críticas, dessa vez de pessoas com deficiência ou que trabalham por políticas de saúde mental.

O apresentador Marcos Mion, que tem um filho no espectro autista, usou suas redes sociais para dizer que a fala de Lula reforça o preconceito contra pessoas com deficiência intelectual.

"Irresponsavelmente, a fala dele liga deficientes intelectuais diretamente aos casos de violência que infelizmente temos visto acontecer. Isso é um absurdo, pois não há qualquer comprovação. Como pai de um autista, eu me sinto atingido", disse Mignon.

Lula se retratou depois com uma publicação no Twitter.

"Gostaria de pedir desculpas sobre uma fala que fiz na semana passada, durante reunião sobre violência nas escolas. Conversei e ouvi muitas pessoas nos últimos dias e não tenho vergonha de assumir que sigo aprendendo e buscando evoluir", disse.

"É por isso que quero me retratar com toda a comunidade de pessoas com deficiência intelectual, com pessoas com questões relacionadas à saúde mental e com todos que foram atingidos de alguma maneira por minha fala."

Ele também se desculpou por relacionar transtorno mental com violência.

"Não devemos relacionar qualquer tipo de violência a pessoas com deficiência ou pessoas que tenham questões de saúde mental. Não vamos mais reproduzir esse estereótipo. Tanto eu quanto nosso governo estamos abertos ao diálogo."

Gafes têm impacto no governo?

Para o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), vice-líder do governo no Congresso, as gafes do presidente têm "pouca repercussão no dia a dia do povo brasileiro" e não abalam a popularidade de Lula.

"Acho que o impacto é muito pequeno. Você vê o presidente Bolsonaro, anterior ao Lula. Ele falava os maiores absurdos e a quantidade de preconceitos contra as pessoas negras, mulheres, contra o povo LGBT, indígenas. Ele fazia isso a torto e a direito e mesmo assim ele manteve uma certa popularidade", disse Zarattini à BBC News Brasil.

"O presidente Lula toma o maior cuidado. E ele não é preconceituoso nem com as mulheres, nem com os gays, nem com os negros. Mas, às vezes, tem questões que são um modo de falar da população brasileira, que ainda está muito introjetado nas pessoas. Então, às vezes, qualquer pessoa, por mais que tenha uma visão moderna, tenha uma visão progressista, comete também esse tipo de fala, entende? Mas tem muito pouca repercussão isso no dia a dia do povo brasileiro."

Pesquisa da Genial/Qaest de abril mostrou que a avaliação positiva do governo Lula recuou quatro pontos percentuais desde fevereiro, passando de 40% para 36%. Mas, de fato, segundo o levantamento, a queda se deu sobretudo entre eleitores de Jair Bolsonaro (PL), não entre quem votou no atual presidente.

Ou seja, ao menos por enquanto, as gafes não se refletiram necessariamente em perda de apoio popular.

"Foram os eleitores que votaram em Bolsonaro na eleição do ano passado que passaram a se posicionar contrariamente ao governo. Entre os bolsonaristas, a avaliação negativa do governo subiu de 51% para 60%, enquanto a não resposta caiu de 20% para 5%", explicou Felipe Nunes, da Genial/Qaest, em post no Twitter.

"Lula tem sido um bom presidente para quem votou nele, mas seu governo, ao não fazer acenos para o eleitorado de centro e oposicionista, dá boas razões para que ele passe a buscar motivos para não gostar do que está vendo", avaliou.

Na política externa, impacto é maior

Lula e Xi Jinping
Reuters
Em visita à China, Lula disse que Europa e EUA contribuem para continuidade da guerra

Mas outras declarações de Lula que envolvem política externa provocaram reações imediatas de outros países. E, segundo diplomatas e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, tiveram impacto concreto na relação do Brasil com o mundo.

É o caso de duas falas de Lula relacionadas à Guerra da Ucrânia.

Em entrevista coletiva quando visitava a Arábia Saudita, Lula atribuiu à Ucrânia, que foi invadida pela Rússia, responsabilidade pela guerra.

Antes, quando visitava a China, sugeriu que Estados Unidos e Europa contribuem para a continuidade da guerra.

"É preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia pare de incentivar a guerra e comecem a falar em paz", disse.

A Casa Branca reagiu. Um porta-voz do governo americano chegou a dizer que a posição brasileira "é profundamente problemática" e que o país estaria "papagueando propaganda russa e chinesa" sobre a guerra.

A Europa também se manifestou. "Não é verdade que os Estados Unidos e a União Europeia estão ajudando a prolongar o conflito. Nós oferecemos inúmeras possibilidade à Rússia de um acordo de negociação em termos civilizados", disse Peter Sano, porta-voz para Assuntos Externos da União Europeia.

Depois, em Portugal, Lula tentou corrigir rumos ao enfatizar que o Brasil condena as ações da Rússia na Ucrânia.

"Nunca igualei os dois países porque sei o que é invasão e integridade territorial. Todos nós achamos que a Rússia errou e já condenamos em todas as decisões da ONU", disse.

Efeito da retratação

Mas, segundo o professor Christopher Sabatini, especialista em Relações Internacionais, as declarações anteriores do presidente podem ter minado a tentativa do Brasil de ter papel ativo nas negociações pela paz entre Rússia e Ucrânia.

Sabatini foi professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e é pesquisador da Chatham House, instituto de políticas públicas em Londres, no Reino Unido.

"Claramente as falas de Lula em Portugal são uma tentativa de correção de rumos, mas pode ser tarde demais. Acho que permanece a desconfiança gerada pelas declarações dele na China", disse à BBC News Brasil.

"Ele realmente pode ser um mediador neutro? Onde está a lealdade dele? Ele tende a uma posição pró-Rússia? Acho que vários governos da Europa Ocidental vão ficar relutantes em confiar a Lula qualquer tipo de esforço sério de servir como mediador da paz."

Já Zarattini, vice-líder do governo no Congresso, minimizou as consequências dessas declarações e disse que Lula está reforçando a posição de independência do Brasil em relação aos Estados Unidos.

"Os governos do Lula e da Dilma sempre tiveram uma posição de independência. A gente sempre teve boas relações com os Estados Unidos e com outros países, mas sempre mantendo uma posição de independência. Então, não é porque o Estados Unidos têm uma opinião que nós devemos seguir exatamente aquela opinião. Nós temos uma opinião diferente, nesse caso, em relação a esse conflito", disse.

Para Hussein Kalout, pesquisador da Universidade Harvard e especialista em Relações Internacionais, apesar do ruído causado pelas falas de Lula sobre Ucrânia, existe um desejo das potências ocidentais em reforçar a boa relação histórica com o Brasil, após tensões durante o governo Bolsonaro.

Na visão dele, Lula tem a seu favor o fato de ser visto internacionalmente como um democrata, em contraste com seu antecessor. E também o fato de se dizer comprometido em proteger a Amazônia, depois dos recordes de desmatamento no governo anterior.

"Esse momento de aparente estremecimento é absolutamente superável porque há uma convergência maior de agenda e complementaridade mais aguda de interesses entre Lula e Europa e o governo (americano de Joe) Biden", disse Kalout.

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