Madri — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retorna ao Brasil confiante de que obteve importantes conquistas na viagem de uma semana a Portugal e Espanha, em especial por reabrir o diálogo com europeus, mas também ciente de que ficou para trás o líder que arrastava multidões e colhia aplausos e elogios. Em todos os lugares pelos quais passou, foi confrontado com seus erros e declarações equivocadas, sobretudo às relacionadas com a guerra da Rússia com a Ucrânia, fragilidades agigantadas pela extrema-direita que não está disposta a lhe dar trégua.
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O momento mais difícil da viagem para Lula foi o discurso na Assembleia da República de Portugal. Ela havia sido avisado de que o clima ali não seria só de exaltação, mas quis pagar para ver. Teve de lidar com vaias e xingamentos por parte de deputados do Chega, partido de ultradireita, que, a todo momento, exibiam cartazes com os dizeres “chega de corrupção, Lula ladrão e Lula na prisão”. Por várias vezes, foi interrompido por murros nas mesas do plenário. Os mesmos ataques ocorreram de fora do Palácio de São Bento, sede o Parlamento e joia a arquitetura portuguesa, onde centenas de manifestantes criticavam a sua presença em território luso.
Mesmo aliados e anfitriões — o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, e o primeiro-ministro, António Costa — foram obrigados a marcar posição ante as desastrosas falas do petista de que tanto a Ucrânia quanto a Rússia são culpadas pela guerra que travam há mais de um ano. Os líderes portugueses, quando questionados — o que ocorreu com muita frequência —, tiveram de frisar que tinham posição um tanto diferente do brasileiro e estavam do lado da Ucrânia, que teve seu território violado pelos russos, e da União Europeia, da qual fazem parte e a qual Lula disse que estimulava o conflito.
Do dia em que desembarcou em Portugal até quando deixou o país, o presidente teve de ir moldando o seu discurso. Como as críticas não cessavam, passou a dizer, mais claramente, que condenava a invasão russa. Nunca, porém, citou o nome de Vladimir Putin como o grande responsável pelo conflito que provocou pesado aumento dos preços dos alimentos e da energia elétrica, obrigando a Europa a conviver com uma praga, a inflação, que não via desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Enquanto tentava se explicar, lidava com outro desgaste, o da compra de uma gravata pela primeira-dama, Janja da Silva, numa loja de luxo. Seus detratores surfaram nas redes sociais.
Saia-justa
Na Espanha, apesar da agenda mais restrita, o confronto a Lula se manteve latente. Nas declarações ao lado do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, no Palácio Moncloa, foi obrigado a se posicionar sobre de que lado da guerra ele estava. Enrolou-se quando um jornalista espanhol lhe perguntou de quem era a Crimeia, região tomada pela Rússia da Ucrânia em 2014, e Dombass, área absorvida pelos russos no ano passado.
Tentou sair da saia-justa dizendo que a decisão estava com os dois países em guerra, que se sentassem e decidissem o que pertencia a cada um. Não convenceu. Zánchez, num gesto de cordialidade, disse que reconhecia a posição brasileira favorável à Ucrânia. Contudo, para demarcar território, ressaltou que a União Europeia estava no seu papel de apoiar o país comandado por Volodimir Zelenki, e chamou Putin de invasor. “Sabemos que, nessa guerra, existe um agressor e um agredido. O agressor é Putin e o agredido é o povo (ucraniano) que busca lutar por sua liberdade e soberania nacional”, assinalou. “A retirada das tropas russas de território ucraniano é inegociável”, reforçou. Antes do almoço com o rei Felipe VI, no Palácio Real, Lula teve de dizer, mais uma vez, que a Ucrânia é a vítima do conflito.
Muitas promessas
Em meio aos desacertos, Lula colheu muitas promessas. Ouviu do primeiro-ministro de Portugal e de Pedro Sánchez que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia é prioridade. Há um real empenho de portugueses e espanhóis em selar o pacto entre os dois blocos comercial, que se arrasta há mais de 20 anos. Do lado dos europeus, a vontade esbarra em interesses monumentais de países como França e Irlanda, principalmente na questão agrícola. Entre os sul-americanos, o Uruguai anda se assanhando por acordos bilaterais e a Argentina está mergulhada em mais uma de suas crises sem solução à vista.
Do ponto de vista do cerimonial, Lula foi tratado com todas a honras nos dois países. Sentiu-se acolhido. O primeiro-ministro espanhol disse-lhe que era muito solidário ante os atentados terroristas de 8 de janeiro, que destruíram as sedes dos Três Poderes em Brasília, numa tentativa fracassada de golpe. António Costa afirmou que, com o petista, “o Brasil voltou ao mundo, de onde não sairá mais”. O presidente português garantiu um aprofundamento nas relações entre os dois países, saudou a resiliência da democracia brasileira e tomou as dores do amigo depois dos ataques que ele sofreu na Assembleia da República.
Em Portugal e na Espanha, o presidente do Brasil fechou uma série de acordos em áreas diversas, da educação à mobilidade urbana, da ciência e saúde ao turismo. Ele sabe, no entanto, que memorandos de entendimento costumam se perder no meio do caminho da burocracia, como reconheceu no pronunciamento no Palácio Moncloa, sede do governo espanhol.
O petista está ávido para atrair investimentos estrangeiros ao Brasil com o intuito de acelerar o crescimento econômico. Contudo, terá de ir além das palavras e mostrar o quanto realmente está comprometido com políticas economistas consistentes, que passam pelo efetivo controle da inflação e equilíbrio das contas públicas.
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