A oitiva de 72 militares do Exército realizada pela Polícia Federal na última quarta-feira (12/4) marca a maior investigação sobre militares da força-terrestre desde a ditadura militar. A PF apura, no âmbito de um inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), a eventual participação deles nos ataques contra prédios públicos em Brasília no 8 de janeiro. A politização das Forças Armadas, realizada nos últimos quatro anos, pode render complicações criminais para os militares que estavam de plantão quando extremistas invadiram o Palácio do Planalto, o Congresso e a sede da Suprema Corte.
Diversos depoimentos, entre eles o do coronel Nunes, ex-comandante da Polícia Militar do Distrito Federal, apontam para proteção, por parte do Exército, a extremistas que estavam acampados em frente ao Quartel-General da Força, na capital federal. As denúncias apontam desde a proibição de que tropas policiais chegassem até o local para realizar prisões após os atentados, assim como a retirada, as pressas, de parentes de oficiais que estavam na estrutura montada na região.
O aviso da chegada da PM e o impedimento do acesso da autoridade policial à estrutura montada na região teriam como objetivo dar tempo hábil para a retirada de algumas pessoas. Os 72 depoimentos foram colhidos no mesmo dia, por 50 delegados, em salas separadas, para evitar combinação de versões por parte dos depoentes. Oito militares que foram convocados não compareceram e alegaram que estavam fora de Brasília na data marcada. Eles serão ouvidos posteriormente. O Exército afirmou que os militares prestam depoimento na condição de testemunhas e que “a instituição segue à disposição dos órgãos que apuram os fatos, a fim de contribuir com as investigações em curso, sendo que quaisquer esclarecimentos solicitados serão prestados exclusivamente aos mesmos”.
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Até agora, o Supremo já adotou medidas e decretou prisões contra extremistas que participaram da invasão, autoridades acusadas de omissão no planejamento da segurança, como o ex-ministro Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal à época dos fatos e que também afastou, por quase três meses, o governador Ibaneis Rocha (MDB). Empresários acusados de financiar acampamentos e políticos suspeitos de incitar as depredações também foram alvos. Apenas o núcleo militar da articulação não tinha entrado na mira, até agora. Nos bastidores, oficiais do alto escalão avaliam que as convocações para depor envergonham a força, mas entendem ser necessário para a conclusão do caso.
Berlinque Cantelmo, advogado especialista em ciências criminais, afirma que, se comprovada a culpa, os militares podem responder pelos crimes imputados a outros envolvidos. “Caso as investigações contra os militares sejam conclusivas e desfavoráveis, existe a hipótese de que todos possam responder como coautores, partícipes ou colaboradores de crimes como: associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.”
O jurista afirma que os militares da reserva que forem condenados podem perder suas graduações e condições de militares, mas mantêm eventuais aposentadorias já conquistadas pelo tempo de contribuição. Já os da ativa, além de perderem o posto ocupado no Exército, podem perder as remunerações e responder processos administrativos.
Anistia histórica
Durante o regime militar, que durou 21 anos, diversos crimes envolvendo pessoal da caserna foram identificados e chegaram a passar por investigação nos anos seguintes ao período. Porém, nenhuma diligência avançou ao ponto de render condenação na Justiça em razão da Lei da Anistia, promulgada em 1979, antes dos militares deixarem o poder.
Entre 2012 e 2022, após as investigações da Comissão Nacional da Verdade, que trouxe à tona novos fatos envolvendo o governo militar e esclareceu crime como tortura, assasinatos e ocultação de cadáver, o Ministério Público Federal moveu 53 ações relacionadas aos crimes durante o regime, mas nenhuma ação foi acatada pela Justiça. Apenas um delegado de São Paulo foi condenado em primeira instância, mas teve a sentença revogada na instância seguinte.
Em 2010, o Supremo analisou uma ação protocolada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que pedia a declaração de inconstitucionalidade da Lei da Anistia. Os magistrados da corte decidiram que a medida foi fruto de um acordo bilateral, com amplo debate, que envolveu militares e a sociedade civil, por isso não poderia ser alterada.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Brito votaram no sentido contrário, para permitir a punição de agentes públicos envolvidos em crimes, como tortura, que é imprescritível. Por conta do resultado, que não foi unânime, a OAB apresentou recurso, que nunca chegou a ser julgado. Procurado pelo Correio, o Supremo informou que não existe previsão para que o recurso entre na pauta.
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