Em suas primeiras declarações após a apresentação do arcabouço fiscal pelo governo Lula, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, elogiou a nova âncora apresentada, mas ponderou que a proposta não garante a queda dos juros. "Não existe relação mecânica entre o fiscal e a taxa de juros na forma como é colocada. O importante para a gente é atuar dentro do sistema de metas", frisou. "Nós temos uma meta de inflação e olhamos as expectativas. O mais importante é como as medidas que estão sendo anunciadas afetam o canal das expectativas", acrescentou, em evento promovido pelo Bradesco.
O texto final do arcabouço está em vias de ser concluído e deverá sofrer algumas alterações, sugeridas por economistas do mercado e acatadas por técnicos do governo. Caberá ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a decisão política de enviar para o Congresso na próxima semana, ou com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), cuja data-limite para ser encaminhado ao legislativo é 15 de abril.
No próximo dia 27, o ministro da Fazenda e o presidente do BC vão ao Senado debater sobre a taxa de juros. A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, também foi convidada para o encontro.
A data foi confirmada, ontem, pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas está sujeita a mudanças, visto que antecede a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).
No pedido da audiência, Pacheco disse que é preciso encontrar um equilíbrio para as taxas de juros e afirmou que "ao mesmo tempo em que não é viável o aumento descontrolado de preços, também não é desejado o sufocamento da economia no curto prazo".
A questão fiscal vinha sendo considerada uma das pedras no caminho da queda dos juros no país. Em meio a críticas recorrentes do governo à condução da política monetária, o presidente do BC mostrou preocupação com a politização do processo de decisão do Copom sobre a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano.
"A tentativa de politizar um processo que é totalmente técnico, isso é uma coisa que deixa os funcionários da Casa e os diretores, de uma forma geral, bem preocupados", ressaltou o chefe da Autoridade Monetária, no evento de ontem.
Ante a pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela redução dos juros, Campos Neto voltou a defender a autonomia do BC. "Tem milhares de pessoas, diretores da Casa, que sabem que passam a noite rodando modelos, fazendo toda a parte de estimativa, de projeção. Não tem nada na decisão que é política, é sempre técnica", complementou.
Para o presidente do BC, a ausência de divergência nas decisões do Copom não pode ser confundida com a falta de debates no colegiado. "Os diretores também têm mandato e também são autônomos; assim como eu, eles devem seus mandatos ao Senado. Isso traz equilíbrio para a tomada de decisão", frisou.
Campos Neto ressaltou ser preciso reconhecer o esforço de Haddad para reduzir os riscos fiscais do país. Segundo ele, a regra "elimina um risco de cauda para quem achava que a dívida poderia ter uma trajetória explosiva". "Nossa avaliação é superpositiva. Reconhecemos o esforço do governo. Vamos observar como vai se passar o processo de aprovação no Congresso, se vai ter alguma modificação. Para quem avaliava o risco de ter uma trajetória de dívida mais descoordenada, acho que isso foi eliminado", destacou.
Harmonia
Campos Neto considerou ainda que o arcabouço trabalha por meio do canal de expectativas. "Vamos tentar ajudar e ser construtivos, inclusive com sugestões, sempre entendendo que é prerrogativa do governo e entendendo que precisamos trabalhar juntos para ter harmonia entre o fiscal e o monetário."
Haddad, por sua vez, demonstrou otimismo para uma conciliação entre o governo e o BC, após a avaliação "superpositiva" de Campos Neto. "Vamos construir a harmonia necessária para o Brasil crescer", disse o ministro ao sair do gabinete. (Colaboraram Rosana Hessel e Raphael Felice)
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