Passado o recesso branco desta semana na Câmara, o governo será obrigado a se acertar com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Depois da derrota para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na queda de braço das comissões mistas para a análise das medidas provisórias (leia reportagem abaixo) e da formação do bloco MDB-PSD-Podemos-Republicanos-PSC, que ameaça reduzir o poder de fogo do Centrão, o deputado precisa mostrar que perdeu uma batalha, mas não a guerra. E é aí que Lira se torna razão para tirar o sono de muita gente no Palácio do Planalto.
Para começar, é o presidente da Câmara quem ditará a velocidade de tramitação do arcabouço e indicará o relator da matéria. Há, pelo menos, quatro deputados do PP interessados na função, mas Cláudio Cajado (PP-BA) tem a preferência de Lira.
O parlamentar baiano é presidente em exercício do PP e, na relatoria, leva o partido a votar fechado no documento que elaborar sobre o arcabouço — que, aliás, é alvo de críticas do senador Ciro Nogueira (PP-PI) antes mesmo de desembarcar no Congresso. Fazer de Cajado relator "ajusta" a bancada da legenda.
Presidente licenciado do partido, Ciro tuitou em pleno Domingo de Ramos contra a proposta do governo para o balizamento econômico: "Um arcabouço baseado no aumento de receitas, que não prevê corte de despesas, ou seja, um arcabouço inflacionário, não é um arcabouço fiscal. Vamos tratar as coisas como elas são: arcabouço fatal", publicou.
Em outro tuíte, fez chacota da nova regra fiscal, comparando-a ao "lobo mau" do conto infantil. "Para que essa despesa enorme? Para te proteger, Chapeuzinho. E as receitas tão baixas? Para te fazer crescer! Mas, arcabouço, e se não der certo? Eu vou te devorar! Moral da história: o arcabouço fatal é o lobo mau fantasiado de vovozinha."
Os tuítes do senador foram vistos por integrantes do PP como um recado ao Centrão para bombardear o texto, mesmo sem ser conhecido. Ao Correio, em entrevista publicada ontem, Ciro afirmou que Lula não se atualizou e não deveria ter voltado. A leitura dos parlamentares é de que o ex-ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro trabalhará para manter o partido na oposição. O PP, hoje, tem uma parcela expressiva interessada em se aproximar do Palácio do Planalto.
Cautela
Mas, entre os deputados — do PP e outras legendas —, prevalece a cautela em relação às novas regras. Muitos dizem que, sem conhecer os detalhes da baliza fiscal, não dá para aprová-la em tempo recorde. Prova disso é que, na semana passada, dois deputados de matizes ideológicos opostos foram cautelosos e deram declarações idênticas: "O diabo mora nos detalhes", disseram ao Correio os líderes do PSol, Guilherme Boulos (SP), e do PL, Altineu Côrtes (RJ).
A tendência é que o arcabouço seja aprovado, mas não sem alterações ou algum estresse na relação política. A formação do bloco MDB-PSD-Podemos-Republicanos-PSC, deixando o PP com um grupo menor de partidos, é um desses problemas. Aliados de Lira tentam, agora, juntar um número de legendas maior para tentar suplantar a nova força de 142 deputados, costurada pelos presidentes do PSD, Gilberto Kassab, e do Republicanos, Marcos Pereira.
Nessa queda de braço de Centro x Centrão, caberá ao governo estabelecer um ambiente político saudável, a fim de que o projeto do arcabouço não pague o preço das brigas políticas. Entre os integrantes do União Brasil, que trabalha um bloco com o PP, há quem veja o dedo do Palácio do Planalto na formação do bloco que dividiu o Centrão.
As últimas contas dos governistas indicam que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conta, hoje, com cerca de 240 votos na Câmara. Para aprovar o arcabouço, terá que ampliar esse número, mantendo uma relação amistosa com os partidos de Centro e com uma parcela expressiva do Centrão. Isso passa por atendimento na liberação de emendas e indicações nos segundo e terceiro escalões do Executivo.
O conselho de quem conhece profundamente a Casa é de que, para facilitar o próprio jogo, o melhor é governo se acertar com Lira — hoje o senhor do tempo na Câmara.
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