Atendendo à determinação dos comandantes das três Forças Armadas, o 59º aniversário do golpe de Estado que instaurou, em 31 de março de 1964, uma ditadura militar no Brasil, não foi lembrado nas unidades das Forças Armadas, ontem. Apenas o Clube Militar, no Rio de Janeiro, tradicional reduto dos oficiais da reserva do Exército, manteve a tradição de promover um almoço comemorativo da data. Em carta aberta, intitulada O lugar de 31 de março de 1964, publicada, ontem, no site da agremiação, a Comissão Interclubes Militares declarou que o golpe — chamado de "contrarrevolução" e de "movimento cívico-militar" — "pertence à história, e não à política".
A tradição militar de comemorar o aniversário do golpe só foi quebrada em 2010, pela presidente Dilma Rousseff. Desde a redemocratização do país, em 1988, com a promulgação da Constituição, as menções à data foram toleradas por todos os presidentes até o fim do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, em 2019, a tradição foi retomada de forma oficial, com direito à Ordem do Dia dos comandantes e tropas perfiladas em todos os quartéis.
O almoço de ontem, na sede do clube, na Zona Sul da capital fluminense, reuniu oficiais da reserva e, segundo o Correio apurou, alguns militares da ativa. Fontes da caserna asseguram que esses oficiais estão sujeitos a punição por descumprir a ordem dos comandos das Forças para que a data fosse ignorada.
"Cada Força tem seu regimento, mas isso (participação no almoço) pode caracterizar infração militar", avaliou uma dessas fontes.
Nesta semana, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, orientou os generais a dissuadir oficiais para que não houvesse nenhum tipo de manifestação alusiva à data. E avisou que a orientação é punir oficiais que comemorarem o aniversário do golpe ou participar de eventos organizados pelo pessoal da reserva. O aviso segue a determinação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de excluir a data do calendário de eventos das Forças Armadas.
O ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, não recebeu nenhuma informação de descumprimento da decisão do governo. Sobre o almoço no Clube militar, minimizou o evento. Lembrou que a agremiação é uma entidade de caráter privado e que vai aguardar o posicionamento dos comandantes das Forças sobre uma possível participação de militares da ativa no almoço.
Os comandos das três Forças não se manifestaram. Nas redes oficiais das instituições, a data só foi lembrada em comentários aleatórios escritos por internautas em postagens sobre atividades de rotina. "Seria muita ousadia de algum comandante fazer festa hoje (ontem). Só se fosse maluco", reagiu, com bom humor, um oficial de alta graduação ouvido pelo Correio.
Na carta publicada pelo Clube — assinada pelo presidente da agremiação, general de brigada da reserva Sérgio Tavares Carneiro, e pelos presidentes do Clube Naval, almirante reformado Luiz Fernando Palmier Fonseca, e da Aeronáutica, major brigadeiro da reserva Marco Antonio Perez —, a ameaça comunista usada como pretexto para a deflagração do regime de exceção foi relembrada. Eles reverenciaram colegas "que cumpriram seu dever enfrentando a agressão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e da sua franquia cubana no Brasil" e declararam que "continuam a fazer o acompanhamento permanente da situação nacional".
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"Marco histórico"
A última Ordem do Dia que fez referência à data foi assinada em 30 de março do ano passado pelo então ministro da Defesa, Walter Braga Netto. No texto, o golpe de 31 de março de 64, tratado como "O Movimento", foi considerado "um marco histórico da evolução política brasileira, pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época". A cúpula militar do governo Bolsonaro defendeu que "a história não pode ser reescrita, em mero ato de revisionismo, sem a devida contextualização".
Na véspera do aniversário do golpe, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania promoveu uma solenidade para marcar o reinício das atividades da Comissão de Anistia e anunciar a retomada da análise dos processos de reparação de perseguidos pela ditadura militar. Durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, a comissão negou o direito de reparação a cerca de 95% dos processos avaliados.
O ex-ministro dos Direitos Humanos no governo Dilma e atual assessor da pasta Nilmário Miranda lamentou que, nos últimos anos, a comissão tenha sido "desrespeitada por pessoas contra a anistia e a favor da ditadura, o oposto do que deveria ser".
Para o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a retomada dos trabalhos da comissão marca "uma nova fase desse país de restauração da memória, da verdade e da justiça". "Alguns veem nessas iniciativas revanchismos ou mesmo tentativas de dividir a nação brasileira. Diria que é justamente o contrário. Nenhuma nação se ergueu ou se manteve coesa sem olhar para suas fraturas e repará-las", salientou.
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