Jornal Correio Braziliense

CONGRESSO

Câmara flexibiliza regras de combate ao desmatamento na Mata Atlântica

O texto é criticado por ambientalistas porque distancia o país de compromissos contra a emergência climática. De janeiro a outubro de 2022, o bioma perdeu 48,6 mil hectares

A Câmara dos Deputados aprovou, na quinta-feira (30/3), a Medida Provisória (MP) 1150/22, que altera a Lei da Mata Atlântica e flexibiliza as regras do combate ao desmatamento no bioma. Segundo o texto, a vegetação secundária, em estado médio de regeneração, poderá ser derrubada para fins de utilidade pública, mesmo quando houver alternativa técnica ou de outro local para o empreendimento. Agora, a MP segue para votação no Senado.

A medida também dispensa o parecer técnico emitido por órgão ambiental estadual para o desmatamento, sendo que a autorização passa a ser competência de órgão municipal. Além disso, a exigência de medidas compensatórias ou estudo prévio de impacto ambiental também são dispensáveis nos casos de implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, de gasoduto ou de sistemas de abastecimento. "Será dispensada ainda a captura, coleta e transporte de animais silvestres, garantida apenas sua afugentação", diz o texto.

"A compensação ambiental para a derrubada de vegetação primária ou secundária nos estágios médio ou avançado de regeneração na Mata Atlântica poderá ocorrer em município vizinho e, quando envolver área urbana, também com terrenos situados em áreas de preservação permanente", acrescenta a MP.

A Medida Provisória aprovada pela Câmara foi editada ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas o relator do texto, o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), incorporou mais três emendas, nas quais inclui a alteração da Lei da Mata Atlântica. Antes, o texto versava apenas sobre a prorrogação para que os imóveis rurais aderissem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). Portanto, o prazo de adesão será de um ano contado da convocação pelo órgão ambiental.

"O maior jabuti da história"

A Fundação SOS Mata Atlântica definiu a flexibilização do combate ao desmatamento da Mata Atlântica como o "maior jabuti da história". Na política, essa expressão se refere a emendas parlamentares que não têm ligação com o texto original discutido no Congresso Nacional.

“A Câmara esfacelou a Lei da Mata Atlântica, adicionando uma emenda de plenário a meu ver inconstitucional. Na prática, essa aprovação recoloca o Brasil na contramão do que o mundo espera. Favorece e amplia o desmatamento, afasta o país dos compromissos internacionais do clima, da água e da biodiversidade. O único bioma brasileiro que conta com uma lei especial foi desrespeitado por bancadas alheias às necessidades da sociedade neste momento de emergência climática. Vamos tentar reverter esse retrocesso no Senado e, se preciso, mobilizar a sociedade para que o presidente Lula vete a MP em defesa da Mata Atlântica”, afirma Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação, em comunicado.

Para o diretor de Justiça Ambiente da ONG WWG Brasil, Raul do Valle, a medida desprotege áreas que nunca foram desmatadas ou que estão em recuperação há anos. “Isso acontece porque deixa de exigir que o empreendedor (de rodovias, linhas de transmissão etc.) analise se há vegetação primária antes da instalação da obra. Hoje, quando isso acontece, ele tem de indicar uma rota alternativa, que não descaracterize aquela área. Isso, por si só, já seria um desastre. Mas há mais retrocesso: o texto incentiva a expansão urbana sobre a área de preservação permanente, ao retirar as poucas salvaguardas que existem na legislação", diz.

Segundo a deputada federal Fernanda Melchionna (PSol-RS), o texto é uma "premiação aos desmatadores". "Dia triste para o meio ambiente. Aprovada a lei que é mais uma premiação aos desmatadores ao ampliar o prazo do CAR e ainda teve um jabuti gigante que acaba com a Mata Atlântica", escreveu no Twitter.

Restam apenas 24% da floresta original

A Mata Atlântica abrange aproximadamente 15% do território nacional, em 17 estados brasileiros. Segundo dados da Fundação Mata Atlântica, restam apenas 24% da floresta que existia originalmente, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem preservadas. Entre janeiro e outubro de 2022, o bioma perdeu 48.660 hectares por desmatamento.

O Correio tentou contato com o Ibama para pedir um posicionamento, mas ainda não obteve resposta.