Jornal Correio Braziliense

Senado

Comissão de Direitos Humanos debate expropriação por trabalho escravo

Segundo organizações que atuam no combate ao trabalho escravo, a medida, que regulamenta emenda constitucional já existente, é um passo importante para desencorajar economicamente a exploração

A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal realizou nesta quarta-feira (29/3) uma audiência pública para debater a expropriação de terras e propriedades rurais de empresas envolvidas com trabalho escravo. A sessão foi conduzida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que preside o colegiado.

O projeto em questão é de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo no Congresso Nacional. O PL 5970/2019 estava na pauta de votação da comissão, mas duas audiências públicas foram convocadas após pedido da oposição, feito pelos senadores Dr. Hiran (PP-PR), Magno Malta (PL-ES), Damares Alves (Republicanos-DF) e Eduardo Girão (Novo-CE). O projeto de Randolfe regulamenta uma Emenda Constitucional de 2014 que já prevê a expropriação em casos de trabalho escravo, o que nunca foi implementado na prática.

Participaram da audiência pública representantes do governo, como a secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Isadora Brandão Araújo, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), e representantes da sociedade civil.

Ao Correio, o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Fernando da Silva Filho, declarou que a expropriação é um passo importante para atualizar a legislação brasileira de combate ao trabalho escravo. O sindicato representa os servidores responsáveis pelo resgate e fiscalização de casos do tipo.

“Nós estamos em um momento em que este é o próximo passo da hora, avançar para a expropriação. Como eu falei na apresentação, a teoria econômica do crime já sinaliza a importância de você combinar elementos da punição criminal com a punição econômica”, defendeu o auditor. “No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, os R$ 7 milhões previstos como condenação por danos morais coletivos é irrisório perto do que está previsto como o lucro geral do grupo econômico”, completou.

O caso citado por Carlos é o de três vinícolas gaúchas que utilizavam trabalhadores em condição análoga à escravidão na colheita das uvas, por meio de uma empresa tercerizada. O pagamento da indenização foi firmado pelas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton, em acordo com o Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS). Além das mudanças na legislação, segundo Carlos, é preciso recompor o quadro dos servidores, já que 46% dos cargos de auditor fiscal do trabalho estão vagos, e não são realizados concursos desde 2013.

Apoio

Para a secretária-executiva da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), Andreia Figueira Minduca, o direito a propriedade deve ser respeitado, mas a constituição define que ela deve atender a função social. “[A propriedade] Deverá, além de atender aos interesses do proprietários, atender aos direitos e interesses da sociedade. Trabalho escravo não é interesse da sociedade”, frisou.

A secretária Isadora Brandão, durante a audiência, declarou o apoio do Ministério dos Direitos Humanos à proposta de Randolfe. Segundo ela, o projeto propõe “a regulamentação necessária do dever de diligência das suas empresas em relação a suas cadeias de valor”. A secretária ressaltou ainda que a expropriação só ocorrerá após o trânsito em julgado em casos de trabalho escravo.

Por sua vez, a senadora Soraya Thronicke (União-MS), em sua fala, questionou se a proposta não pode ter definições “subjetivas” para os casos de expropriação, como o trabalho em condição de isolamento geográfico, e sugeriu que esses termos sejam revistos. Para defensores da proposta de expropriação, a oposição tenta apenas atrasar a tramitação do texto.

Uma nova audiência pública será realizada no dia 10 de abril, e a votação do projeto está agendada na comissão para o dia 12.