Jornal Correio Braziliense

Congresso

Governo se aproxima de Pacheco no embate com Lira pela tramitação de MPs

Governo não interfere na estratégia articulada por Renan Calheiros e se aproxima do presidente do Senado Federal no embate com Arthur Lira pelo controle da tramitação de medidas provisórias

Discutindo a relação

Lira aposta na suposta fragilidade da base aliada do Planalto. No dia 6, disse, na Associação Comercial de São Paulo, que "o governo ainda não tem uma base consistente nem na Câmara nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matéria de quórum constitucional". No caso das comissões mistas para análise de MPs, porém, a situação não seria tão desconfortável, principalmente no Senado. De acordo com a divisão de forças no Plenário, o bloco majoritário "Democracia", formado por MDB, União Brasil, Podemos, PDT, PSDB e Rede, indicaria cinco dos 13 membros do colegiado (12 titulares e um suplente). O bloco "Resistência Democrática", com PSD, PT e PSB, mais quatro. Os dois blocos de oposição, com PL, PP e Republicanos, teriam quatro assentos apenas.

Fortalecida na formação do governo Lula e capitaneada pelo líder da Maioria, Renan Calheiros, e pelo líder do MDB, Eduardo Braga (AM) — com a anuência discreta do líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA) —, a bancada de senadores da base aliada aumentou a pressão para enfraquecer a posição de Lira. Incomodado, o presidente da Câmara passou a explicitar sua insatisfação com o movimento dos senadores governistas. Um dos gestos foi recusar o convite do presidente Lula para integrar, ao lado de Pacheco, a delegação brasileira que iria à China, no sábado — a viagem foi desmarcada por causa da doença que acometeu o chefe do Executivo.

Pacheco ainda tentou uma última rodada de negociação, ao aceitar um convite para um almoço privado com Lira na residência oficial do presidente da Câmara. Segundo apurou o Correio com mais de uma fonte, o encontro foi "um fiasco". Pacheco foi embora sem almoçar.

Ação e reação

Arthur Lira sentiu o golpe. Logo após Renan Calheiros apresentar a questão de ordem à Mesa do Senado, na noite de quarta-feira, o presidente da Câmara deixou seu gabinete e seguiu para o carro oficial. Antes de embarcar, a reportagem do Correio perguntou como ele avaliou a questão de ordem. Irritado, respondeu com outra pergunta: "Você acha que o Senado é sozinho, que o Senado pode decidir só?".

No dia seguinte, o presidente do Senado anunciou a decisão de retomar o rito de tramitação previsto na Constituição, com apoio de todos os partidos com assento na Casa. "Encerrada a pandemia, felizmente, não havendo mais o estado de emergência, revogado inclusive pelo Poder Executivo, havia a necessidade, obviamente, da retomada da ordem constitucional e do cumprimento da Constituição no rito das medidas provisórias, isso com uma obviedade muito grande", declarou o presidente do Senado ao anunciar a decisão da Mesa. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, um dos petistas mais influentes da base governista, sintetizou: "Mesmo estando frustrados por não ter tido o acordo, fomos unânimes no acolhimento da questão de ordem feita. E que se proclame a instalação das comissões", disse o senador.

Em uma inusual entrevista coletiva no Salão Verde, convocada simultaneamente à que o presidente do Senado concedia, poucos metros adiante, no Salão Azul, sobre a decisão anunciada em Plenário, Arthur Lira desafiou Pacheco. Disse que a decisão foi "truculenta" e ameaçou: "Essa questão de ordem cedida, pelo que eu entendi, na reunião de líderes, não vai andar um milímetro na Câmara dos Deputados, e o prejuízo vai ser para o governo atual". É nesse clima que o presidente Lula, mesmo convalescendo da pneumonia, tentará arbitrar, nesta semana, uma saída negociada antes que se expirem os prazos de validade das MPs estratégicas.

Disputa de pesos-pesados alagoanos

A crise entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem um personagem-chave e uma disputa política originada em Alagoas que transbordou para o cenário nacional ainda na eleição presidencial de 2022. Principal adversário político de Lira na seara alagoana, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acumula poder desde que Luiz Inácio Lula da Silva enterrou o sonho de reeleição de Jair Bolsonaro (PL), que contava com o apoio irrestrito do presidente da Câmara e principal líder do Centrão. Lira foi reeleito deputado federal e manteve em Brasília o ringue da peleja.

Na montagem do governo, Renan emplacou o filho no comando do Ministério dos Transportes. Ex-governador de Alagoas e senador eleito, Renan Filho (MDB) comanda uma das pastas com maior poder de investimentos da Esplanada dos Ministérios. No Senado, Renan pai foi indicado para a Liderança da Maioria, o que dá a ele palanque e espaço para negociar temas de interesse do presidente Lula. É com esse cacife que o ex-presidente do Senado enfrenta o adversário Arthur Lira.

Os embates se dão quase que diariamente, em declarações ácidas tanto no Congresso quanto nas redes sociais. No dia 22, Calheiros chamou Lira de "tiranete" em sua conta no Twitter, ao escrever que o adversário "quer rasgar a Constituição". Lira respondeu na mesma postagem que "o bom da liberdade de expressão é que permite até os bobos se manifestarem, embora, no geral, se comportem de maneira ridícula, panfletária e incendiária".

Ao chamar Renan para uma conversa no Palácio do Planalto, na semana passada, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, traçou os cenários possíveis para a crise que pode afetar a tramitação de medidas provisórias essenciais para o governo, como as que criam ministérios e reeditam os programas Bolsa Família e Minha casa, minha vida. Ele recebeu do senador a garantia de que, se as comissões mistas forem instaladas, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que também preside o Congresso Nacional, tem a prerrogativa de indicar os deputados do colegiado caso Lira se negue a fazer as indicações.

Histórico de brigas

Essa não é a primeira vez que Renan Calheiros enfrenta um presidente da Câmara dos Deputados. Quando presidiu o Senado pela segunda vez, entre 2013 e 2017, o parlamentar alagoano antagonizou com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que era do mesmo partido, o MDB, diversas vezes. Renan via com preocupação a determinação de Cunha em fazer avançar o processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff e acusava o presidente da Câmara de "tumultuar" o processo legislativo. Depois do impeachment, Eduardo Cunha acabou enfrentando, ele próprio, um processo de cassação por ter mentido na CPI que apurava corrupção na Petrobras, investigada no âmbito da Operação Lava-Jato. O deputado fluminense perdeu o mandato em setembro de 2016, um mês depois de o Congresso tirar Dilma Rousseff da Presidência da República. 

Cronologia da guerra das MPs

6 de maio

Lira diz em São Paulo que o governo “ainda não tem uma base consistente nem na Câmara nem no Senado para enfrentar matérias de maioria simples, quanto mais matéria de quórum constitucional”.

21 de maio

Lira recusa convite de Lula para integrar a delegação brasileira que iria à China.
Ministro Alexandre Padilha se reúne, no Palácio do Planalto, com o líder da Maioria no Senado, Renan Calheiros, para avaliar as alternativas de tramitação das medidas provisórias do governo.

22 de maio

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco se reúnem na residência oficial do presidente da Câmara para uma última (e frustrada) tentativa de acordo.

Renan Calheiros apresenta, no Plenário do Senado, a questão de ordem para restabelecer as comissões mistas de análise das MPs, com apoio da maioria governista.

23 de maio

Rodrigo Pacheco acata a questão de ordem, com apoio de todos os partidos no Senado, inclusive os da oposição, e declara, em entrevista, que a decisão é de uma “obviedade muito grande”.
Arthur Lira convoca entrevista coletiva e diz que decisão do Senado é “truculenta”.

24 de maio

Com diagnóstico de broncopneumonia, o presidente Lula reúne o Conselho Político no Palácio da Alvorada para discutir a crise institucional no Congresso, que pode pôr em risco a aprovação de medidas provisórias de interesse do governo.

Arthur Lira vai ao Palácio da Alvorada para conversar com o presidente e expôr sua insatisfação com a mudança no rito de tramitação das MPs.