Em meio a desencontros sobre o projeto de lei do novo arcabouço fiscal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adiou a apresentação da proposta para depois da sua viagem à China. Ele visitará o país asiático entre os dias 26 e 31 deste mês e tem encontro marcado com o presidente Xi Jinping.
"Falei para o Haddad: 'Não temos que indicar o nosso modelo de marco fiscal agora. Vamos viajar para a China, quando a gente voltar, Haddad, você reúne e anuncia'", disse o petista, em entrevista à TV 247, numa referência ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Lula alegou que seria "estranho" anunciar o texto e deixar o país sem maiores detalhes a respeito da proposta. "Nós embarcamos sábado. O Haddad não pode comunicar uma coisa e sair. Seria estranho. Eu anuncio e vou embora. Não. O Haddad tem de anunciar e ficar aqui para debater, responder, dar entrevista, visitar, conversar com o sistema financeiro, Câmara, Senado, ministros, empresários. O que não dá é a gente avisar e ir embora", argumentou.
Ele destacou que aproveitará as 24 horas de viagem ao lado do ministro da Fazenda para conversar mais sobre o assunto.
O presidente frisou que o texto da ancoragem fiscal, que combina curva da dívida, superavit e controle de gastos, está "maduro". E voltou a defender que políticas sociais fiquem fora do teto.
"O que precisamos, e eu tenho chamado atenção, é: vamos fazer as coisas com muito cuidado porque não pode deixar faltar recurso para educação e saúde."
O chefe de Executivo enfatizou, porém, que é preciso "discutir um pouco mais" a respeito do arcabouço. "É preciso discutir um pouco mais. A gente não tem que ter a pressa que algumas pessoas do setor financeiro querem. Precisamos saber o seguinte: vamos fazer um marco fiscal, eu quero mostrar ao mundo que tenho responsabilidade."
O petista disse não precisar que "venha um banqueiro me cobrar responsabilidade". "Gastar é uma coisa que eu tenho responsabilidade. Só gastar aquilo que posso ganhar. Se for gastar, tenho que fazer uma dívida que seja algo que tenha rentabilidade, tenha recebíveis garantidos, posso aumentar o patrimônio deste país, a infraestrutura", comentou. "O que não posso é gastar à toa. 'Ah, vender a Petrobras para pagar juros da dívida interna'. 'Vender a Eletrobras para pagar juros'. Isso, sim, é irresponsabilidade", acrescentou.
Haddad ganhou elogios. Lula ressaltou que o ministro "pensa igual ao governo" e é "competente para fazer o que tem que ser feito". "Obviamente, o Haddad convive com outro segmento da sociedade que eu não convivo, que é o sistema financeiro. Haddad é obrigado a conversar com banqueiros, investidores, e tem de fazer as coisas com cuidado."
Ele negou divergências entre o partido e o titular da Fazenda. "Não há nenhum problema do PT contra o Haddad, não há nenhum problema meu contra o Haddad. Tenho respeito e carinho profundo e tenho certeza de que ele vai ajudar a resolver o problema da economia deste país. É apenas uma questão de tempo. É importante lembrar como é que encontramos este país: desmontado."
Banco Central
O Banco Central foi alvo do presidente na entrevista. Ele voltou a acusar a autoridade monetária de "irresponsabilidade" ao insistir na Selic — a taxa básica de juros — a 13,75%. Ontem foi o primeiro dia da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que divulgará, hoje, sua decisão de manter ou alterar a taxa.
"A primeira coisa que acho absurda é a taxa de juros estar a 13,75% no momento em que a gente tem os juros mais altos do mundo, no momento em que não existe uma crise de demanda, excesso de demanda", criticou. "Ainda temos 33 milhões de pessoas passando fome, desemprego crescendo, a massa salarial caindo. Então, não há nenhuma razão, explicação, lógica. Só quem concorda com os juros altos é o sistema financeiro, que vive disso e ganha muito dinheiro com as especulações. Mas as pessoas sérias que trabalham, os empregados que investem, sabem que não está correto. Ninguém pode tomar dinheiro emprestado a 13,75% com juro real de 8%, se descontar a inflação", emendou.
O petista insistiu na reprovação à independência do BC. "Acho um absurdo os juros estarem a 13,75%, e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) estar sem recurso para fazer investimento. A gente só vai poder mudar o Banco Central daqui a dois anos, porque ele tem autonomia", destacou. "Nunca me importei com a autonomia do Banco Central, nunca achei que era importante. Tive o Meirelles (Henrique) como presidente do BC durante oito anos, e ele teve muita autonomia", emendou.
Para Lula, o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, não se importa com a questão do emprego. "Acho que o presidente do Banco Central não tem compromisso com a lei que foi aprovada de autonomia do Banco Central. A lei diz que é preciso cuidar da responsabilidade da política monetária, mas é preciso cuidar da inflação também, é preciso cuidar do crescimento do emprego, coisa que ele não se importa", alfinetou.
"Vou continuar batendo, vou continuar tentando brigar para que a gente possa reduzir a taxa de juros, para que a economia possa ter investimento", acrescentou. "O que precisamos é fazer a economia voltar a crescer. Quando voltar a crescer, todo mundo vai ganhar dinheiro: empresário, trabalhador, aposentado. É para isso que eu vou brigar", sustentou.