A presidente do Fórum Permanente de Afrodescendentes das Nações Unidas (ONU), Epsy Campbell Barr, desembarcou ontem em Brasília para uma série de encontros com representantes do governo e da sociedade civil. Na agenda, estratégias para avançar no debate sobre os direitos de negros, indígenas e outras populações vulneráveis.
O primeiro dia de Epsy na capital federal coincidiu com o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, celebrado ontem, em memória às 69 vítimas do Massacre de Sharpeville — em 1966, na África do Sul, por causa do regime discriminatório do apartheid. Também celebrou-se ontem, pela primeira vez, o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, instituído em janeiro pelo governo federal.
Ao Correio, Epsy adiantou que pretende realizar uma reunião extraordinária do Fórum Permanente de Afrodescendentes no país, em novembro, e quer acertar isso com o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida. Para ela, que é economista e foi a primeira mulher e a primeira pessoa negra a assumir a vice-presidência do seu país, a Costa Rica, a instauração de ministérios voltados para as questões dos negros e dos indígenas é um avanço não somente para o país, mas para o mundo.
Epsy elogiou, ainda, a recolocação no Brasil no debate internacional sobre os direitos humanos, com a participação de Silvio Almeida na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU no final de fevereiro. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual a importância da sua vinda ao Brasil e dessas duas datas que temos hoje (ontem), uma nacional e uma internacional, sobre a luta das pessoas negras?
Em primeiro lugar, o Brasil é um dos principais países em termos das pessoas de descendência africana no mundo. E o papel que o Brasil deve assumir para avançar na agenda internacional é muito importante. Nós precisamos voltar a engajar o Brasil nesse tema. E também o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial é uma data importante para unir coisas diferentes, que estão em diferentes partes (do mundo) até agora. Por isso que sinto que, como detentora de uma cadeira do Fórum Permanente de Afrodescendentes, precisamos fazer duas coisas: uma é trabalhar com as organizações da sociedade civil, pensando no plano internacional, mas também nos planos nacionais contra o racismo; outra, voltar a engajar com o governo do Brasil. Precisamos ter uma visão em comum sobre a Declaração dos Direitos Humanos das Pessoas de Descendência Africana, que estamos fazendo no Fórum.
A senhora pretende trazer uma sessão extraordinária do fórum, no Brasil, em novembro. O que será discutido nesse encontro?
Temos que entender o papel internacional de um país continental como o Brasil, à luz dos termos da Declaração dos Direitos Humanos das Pessoas de Descendência Africana. Também precisamos pensar nos passos que precisamos dar para termos a Segunda Década Internacional de Afrodescendentes (a primeira foi definida pela ONU entre 2015-2014), além de como engajar a realidade dos direitos humanos das pessoas de descendência africana com a agenda ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
Como a senhora avalia a instauração, pelo atual governo, de ministérios para a Igualdade Racial e para os Povos Indígenas?
A decisão do presidente Lula sobre a nova organização do governo é um exemplo para todos os países desta região. Porque o racismo sistêmico que as pessoas de descendência africana têm que enfrentar requer uma organização institucional para combatê-lo. Nós, pessoas de descendência africana de fora do Brasil, vemos isso como um avanço dos nossos direitos, não somente dos direitos das pessoas negras no Brasil, mas em todo o mundo. O racismo sistêmico requer uma resposta sistêmica, e é por isso que acredito que o Ministério da Igualdade Racial é uma das decisões mais importantes deste governo. Há, ainda, a realidade dos povos indígenas ao redor do mundo, mas especialmente neste hemisfério. E o Ministério dos Povos Indígenas manda uma forte mensagem nesse sentido. As pessoas de descendência africana e indígena são as mais pobres na nossa região. Temos que tomar decisões e ter a possibilidade de fazer importantes programas, ações, políticas por meio do governo.
Esses ministérios propiciam, também, um diálogo sobre os direitos humanos…
Não podemos falar em democracia sem falar dos direitos humanos da população. Na nossa região, os governos veem os direitos humanos como um "gueto", como algo que fica no canto. Sinto que este governo entende que os cidadãos devem ter um entendimento real do que são os direitos humanos. Por isso, acredito que esse é um dos mais importantes avanços em toda a agenda dos direitos humanos. Temos que criar instituições mais fortes, que lidem com os direitos humanos da população, porque os maiores grupos de pessoas não os têm, não alcançam seus direitos. Acho que esta é uma visão moderna de governo. Ter esses três ministros é uma oportunidade para a população alcançar, de verdade, seus direitos — tanto as de descendência africana, as LGBTQIA , as pessoas do campo, com deficiência, entre outras.
O ministro Silvio Almeida teve uma destacada participação no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em fevereiro. Como a senhora analisa o que ele disse?
Vocês estão em um país continental, em um dos países mais importantes do mundo. Mas, também, estão nesta região na América Latina e no Caribe. A fala do ministro colocou novamente essa questão na discussão internacional. Espero que a forma como o Brasil está começando a andar agora seja o caminho da inclusão e da igualdade para todas as pessoas do mundo. É uma oportunidade para falar de reparação, de justiça, de igualdade, de democracia e cidadania reais — tornar possíveis programas e políticas para trabalhar nas falhas com as quais temos que lidar. Estou convencida de que o papel do Brasil é necessário para alcançar completamente a agenda ODS — porque significa que ninguém ficará para trás.