A transferência de gestão de pelo menos três aeroportos do país para a iniciativa privada se tornou um problema. Além de divergências entre as empresas concessionárias e o governo federal sobre as contrapartidas estabelecidas em contrato, há suspeitas conduta indevida por integrantes do governo de Jair Bolsonaro. Para a atual gestão, uma relicitação dos terminais aeroportuário representaria um prejuízo de pelo menos R$ 6,4 bilhões, a título de indenização às empresas envolvidas.
No último domingo, em entrevista ao Correio, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, afirmou que houve pressão de integrantes do governo Bolsonaro para as concessionárias dos terminais do Galeão, no Rio de Janeiro e de Viracopos, em Campinas (SP) devolverem os aeroportos, a fim de o governo promover nova licitação.
Segundo França, “na expressão do CEO (presidente) do Rio Galeão, eles foram obrigados (pelo governo Bolsonaro) a assinar (a devolução)” afirmou o ministro. Ele relatou que os empresários foram coagidos por telefone durante audiências. “A audiência rolando, no fórum, e os caras ligando, ‘olha não vão aceitar, vai decretar a falência no final do dia, se não assinar, aí vai’, e assinaram” disse Márcio França.
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Nenhum dos concessionários comenta formalmente a fala de França, mas fontes dos terminais e do ministério confirmaram ao Correio, em caráter reservado, o relato do ministro. Os depoimentos obtidos pela reportagem apontam o ex-ministro da Infraestrutura, hoje governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como o articulador do movimento.
Além dos aeroportos do Galeão e de Viracopos, a lista de licitações problemáticas inclui o terminal de Natal, administrado pela Inframerica. Os gestores atribuem a dificuldade a uma divergência entre a previsão de movimento anunciada nos leilões pelo Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e o registrado na operação. Com o faturamento menor que o previsto, as companhias buscaram a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para renegociar o valor anualmente pago como remuneração ao governo, as chamadas outorgas, mas a Anac não concordou com a readequação dos contratos. Procurada pelo Correio, a agência não comentou o assunto.
Caducidade
O consórcio Aeroportos Brasil opera o terminal de Viracopos, responsável por 40% de toda carga aérea que chega ao país. A empresa aponta divergências entre os números recebidos do governo e os previstos no contrato da licitação. Por essa razão, a concessionária suspendeu o pagamento da outorga. Diante da falta de pagamento, o governo federal entrou com um processo de caducidade, medida que decreta a falência da administradora e não prevê indenização aos acionistas pelos investimentos feitos. “Tentaram tirar os acionistas de qualquer jeito, tentando decretar a caducidade, assim o aeroporto precisou pedir a recuperação judicial para a caducidade ficar bloqueada”, disse uma fonte ligada a Viracopos.
Ao entrar em processo de recuperação judicial, em 2018, o terminal de Campinas deixou de depositar nos cofres públicos mais de R$ 250 milhões ao ano em valores de outorga. O plano de recuperação precisava ser aprovado pelo governo federal, principal credor no processo. Na gestão de Bolsonaro, a União condicionou aprovar o plano proposto à devolução do terminal para relicitação.
Segundo o relato de um funcionário de alto escalão de um dos terminais, a pressão pela devolução foi explícita e, durante o processo, os aeroportos chegaram a receber visitas de executivos de empresas concorrentes interessadas no negócio, acompanhados de dirigentes da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Fontes dos dois terminais confirmam que Tarcísio de Freitas era o principal articulador da retomada do Galeão e de Viracopos.
Contatado, o atual governador de São Paulo disse, por meio da assessoria, que “não passa de ilações” a denúncia do envolvimento dele na suspensão dos contratos.
Relicitar sai caro
A relicitação dos terminais preocupa o governo Lula. O ministro Márcio França indicou que a mudança não é vantajosa para os cofres públicos. “Para o governo, para a cidade e para o estado, cada vez que tem essas mudanças, é um impacto, porque (a concessionária) não sai amanhã e vai embora. Ela fica no prédio até que haja transição para o novo (gestor), e a primeira coisa que o novo tem que pagar é indenizar quem está dentro”, ponderou. O mesmo argumento é usado por dirigentes dos dois aeroportos, que acreditam que as indenizações pelos investimentos feitos ficariam mais caras que um possível ganho do governo com uma nova licitação.
Apesar desses problemas, fontes ligadas aos terminais do Galeão e de Viracopos afirmam que as empresas concessionárias pretendem seguir operando os aeroportos. Mas desejam renegociar os valores das outorgas (valor pago ao governo pelo ‘aluguel’ do terminal).
A relicitação dos terminais representa novos obstáculos. Com os novos estudos de viabilidade financeira, o valor das outorgas dificilmente conseguirá cobrir os valores já investidos pelas concessionárias nos aeroportos.
No caso do aeroporto de Natal, o mais adiantado no processo de relicitação, a empresa pede R$ 700 milhões de indenização pelos investimentos realizados. O ministro Márcio França já avisou que o governo entende que a indenização é cerca de R$ 600 milhões. O processo de relicitação recebeu aval do Tribunal de Contas da União em 18 de janeiro de 2023.
No caso do Galeão, os valores chegam a R$ 2,6 bilhões. Em Viracopos a indenização deve alcançar R$ 3,1 bilhões. Somadas, as indenizações podem somar mais 6,4 bilhões. Esse seria o montante que teria de ser reembolsado pelo governo para realizar a relicitação dos terminais.
Viracopos não respondeu oficialmente aos pedidos de esclarecimento feitos pela reportagem. Já o Galeão informou que, “em novembro (de 2022), o Rio Galeão assinou — com ressalvas — o termo aditivo que permite a continuidade do processo de relicitação (renúncia) do Aeroporto Internacional Tom Jobim, e cumpre o cronograma estabelecido para sua devolução”, em comunicado oficial.
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