O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi cobrado, no plenário da Câmara, a devolver as joias que seu pai, o então presidente Jair Bolsonaro (PL), recebeu ilegalmente no Brasil, como presente do regime da Arábia Saudita, sem ter declaração à Receita Federal e que entraram de forma clandestina no País.
Nesta quarta-feira (15/3), Eduardo Bolsonaro foi à tribuna da Câmara para criticar a ida do ministro da Justiça, Flávio Dino, ao Complexo da Maré, conjunto de comunidades na zona norte da capital do Rio de Janeiro. Sem nenhuma prova, fez acusações sobre suposto envolvimento de integrantes do governo federal com o crime organizado do Rio. Na segunda-feira, 13, Dino participou do lançamento de um boletim sobre violência e encontrou diversas lideranças comunitárias da região.
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) reagiu às falas de Eduardo Bolsonaro e acusou o ex-presidente de corrupção. "Ele tá aqui no plenário, então ele tem que responder o seguinte: já devolveu o colar? Já devolveu o relógio e os outros itens de R$ 400 mil que o seu pai levou pra casa? Porque isso, deputado Eduardo Bolsonaro, é corrupção. Vocês têm de responder exatamente por isso. Devolvam aquilo que levaram", afirmou Braga.
O deputado mencionou ainda outros episódios que envolveram a família Bolsonaro. "É engraçado porque o deputado Eduardo Bolsonaro, sempre que tem a oportunidade, tenta criminalizar alguma comunidade do Rio de Janeiro. Só que a maior apreensão de armas e de fuzis foi feita a partir da pista de onde? Do condomínio do pai dele! A grande apreensão de cocaína estava onde? No avião do pai dele! Ora, ora, ora... Tá querendo enganar a quem?"
Ontem, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu prazo de até cinco dias para que o ex-presidente Jair Bolsonaro devolva o segundo jogo de joias que recebeu do regime da Arábia Saudita. O conjunto, que reúne peças em ouro como relógio, caneta e abotoaduras, está guardado em um local privado de Bolsonaro, no Brasil.
A ordem é para que as joias sejam enviadas para a Secretaria Geral da Presidência da República, que fica dentro do Palácio do Planalto. O tribunal também determinou, por unanimidade, que o conjunto de diamantes de R$ 16,5 milhões que está apreendido com a Receita Federal na alfândega de Guarulhos (SP) tenha o mesmo destino, após a conclusão das investigações sobre o caso.
Além das joias dadas pelo regime saudita, a corte requereu o fuzil e pistola recebida por Bolsonaro em 2019, dos Emirados Árabes. Paralelamente, foi determinada uma varredura minuciosa em todos os presentes que o ex-presidente recebeu em seus quatro anos de governo, conforme antecipou o Estadão nesta quarta-feira, 15. Aquilo que não for considerado como presente "personalíssimos" terá de ser integrado ao patrimônio da União, e não poderá ficar com Bolsonaro.
Outra decisão tomada é que, a partir de agora, nos últimos dois meses que antecedem o fim de cada mandato, passará a ser feito um pente-fino daquilo que pode ou não ser incorporado pelo então presidente como bem pessoal.
A defesa de Jair Bolsonaro sustentou que os presentes dados pelos sauditas seriam bens pessoais e que poderiam ser incorporados ao acervo privado do presidente. Na semana passada, ao se manifestar sobre os presentes, o advogado do ex-presidente Bolsonaro, Frederick Wassef, declarou que Bolsonaro, "agindo dentro da lei, declarou oficialmente, os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas". Flávio Bolsonaro também saiu da defesa do pai e disse que as caixas de joias eram "personalíssimas, independentemente do valor".
Como tem revelado o Estadão em uma série de reportagens, Bolsonaro atuou diretamente no caso, não apenas para receber o pacote de presentes que entrou no País, como para tentar reaver, de todas as formas possíveis, o segundo pacote de joias que ficou retido na Receita. Suas ações diretas estão fartamente documentadas por meio de ofícios, ligações telefônicas, agendamento de voo da Força Aérea Brasil, pedidos formais para retirar as joias, acesso a ministérios e à chefia da própria Receita, com pressão direta sobre os funcionários do órgão.
Bolsonaro também já mudou de versão sobre o assunto. Primeiro, atacou a imprensa e disse que não tinha nenhum conhecimento sobre as joias. A mesma postura foi adotada por Michelle Bolsonaro. Uma semana depois, com a profusão de provas sobre o assunto, reconheceu que recebeu um pacote e decidiu entregá-lo.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro embarcou na manhã da terça-feira, 14, em Brasília, rumo a Orlando, nos Estados Unidos, para encontrar Jair Bolsonaro. Nos bastidores do PL, partido do casal Bolsonaro, a informação é a de que o escândalo das joias pautará o encontro. Michelle tem uma agenda prevista para o dia 21 de março no Brasil, para o lançamento dela como presidente do PL Mulher.
A Receita Federal também desmentiu a versão apresentada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados de que as joias enviadas pelo regime da Arábia Saudita ao Brasil seriam para o patrimônio público da Presidência. O órgão afirmou que, mesmo após orientações e esclarecimentos prestados pelos servidores do Fisco de que o bem poderia ser regularizado caso essa fosse a justificativa, "isso não aconteceu no caso em análise".
Por meio de nota, a Receita afirmou que a incorporação ao patrimônio da União exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como, por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante, que possam ser enviadas para um museu.
"Não cabe incorporação de bem por interesse pessoal de quem quer que seja, apenas em caso de efetivo interesse público", informou a instituição, explicitando novamente que o governo não apresentou pedido para que as joias fossem tratadas como bem da União.
O caso deflagrou uma série de medidas e hoje é investigado hoje pela PF, Ministério Público Federal e Controladoria-Geral da União, além da Comissão de Ética da Presidência da República. O Tribunal de Contas da União também interveio e vai ficar com a guarda do segundo pacote que entrou no País enquanto se investiga o caso. No Congresso, há coleta de assinaturas na Câmara para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No Senado, o escândalo será investigado pela Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC).