Na véspera do 59º aniversário do golpe de Estado que instaurou a ditadura militar no Brasil, a Comissão de Anistia promoveu, nesta quinta-feira (30/3), a primeira sessão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após mais de quatro anos de perda de protagonismo do colegiado criado para identificar violações de direitos e reparar vítimas do regime de exceção. Para marcar a retomada de seu objetivo original, a comissão pautou para análise quatro casos considerados simbólicos.
A cerimônia de abertura foi marcada por fortes discursos de repúdio ao autoritarismo e muitas referências aos dois governos anteriores — de Michel Temer (MDB) e de Jair Bolsonaro (PL) —, que esvaziaram as atribuições do colegiado responsável por aprovar sucessivas negativas de reconhecimento do direito à reparação de perseguidos políticos. Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), cerca de 95% dos processos de pedidos de reparação avaliados pela comissão foram negados.
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O ex-ministro de Direitos Humanos Nilmário Miranda, atual assessor especial da pasta, fez questão de lembrar que a retomada dos trabalhos se dá, justamente, “no dia da chegada de quem destruiu essa comissão”, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que, horas antes, desembarcara em Brasília vindo dos Estados Unidos, onde estava desde o fim do ano passado.
“Não esqueceremos”
Na abertura dos trabalhos, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, fez um vigoroso discurso em defesa da democracia e de repúdio à ditadura. “Não esqueceremos”, declarou ele. “Estamos aqui por respeito à Constituição Federal, às leis deste país e aos tratados internacionais que o Brasil é signatário. Mas, sobretudo, por respeito aos crimes praticados pelo Estado brasileiro.”
“Aos que veem nessa iniciativa revanchismo ou tentativas de dividir a nação brasileira, eu diria que é justamente o contrário. Nenhuma nação se manteve coesa sem olhar para suas fraturas irreparáveis. Aliás, não existe nação sem fraturas, sem confronto”, disse o ministro.
A presidente da comissão, Eneá de Stutz e Almeida, afirmou que, nos últimos anos, o colegiado atuou “negando o golpe de Estado, a ditadura e a perseguição política”, e que, a partir de agora, o trabalho se dará no sentido de “desfazer dos retrocessos que aconteceram desde 2017”. Uma das principais ações será a revisão de todas as decisões adotadas nesse período, que somam entre 3,5 mil e 9 mil processos.
A comissão também passa a incorporar a tarefa de pedir desculpas aos perseguidos políticos e seus familiares, além de passar a aceitar processos coletivos — sem reparação financeira — de grupos e coletivos atingidos pela ditadura militar, como negros, indígenas, população LGBTQIA+, sindicalistas e movimentos sociais, por exemplo.
Recursos
Para quem teve a reparação financeira (de R$ 100 mil) negada nos últimos anos, Almeida aconselhou que entre com recurso para revisão da decisão. Mas há também tem a prerrogativa de levar a análise do colegiado ações que considere relevantes. “Quem teve seu pedido negado pode, agora, recorrer ao plenário da comissão. É mais rápido se a pessoa recorrer. Se não recorrer, eu vou fazer esse levantamento, mas isso demanda um tempo maior”, explicou.
Esse é o caso dos quatro processos que foram avaliados nessa primeira audiência da comissão, em um auditório lotado, na sede do MDHC: do deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), do líder sindical José Pedro da Silva, da professora Cláudia de Arruda Campos e do jornalista Rogério Schettino.
Em julgamentos promovidos entre 2018 e 2022, os membros da comissão (nomeados pelo governo Bolsonaro) justificaram que essas pessoas participaram de movimentos ilegais contra o então regime. Ivan Valente e Cláudia Campos chegaram a ser chamados de terroristas por conselheiros que julgaram os pedidos de reparação.
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