O velho Partidão completaria, ontem, 101 anos de fundação. Surgiu em março de 1922, com o nome de Partido Comunista do Brasil (PCB), alterando o nome para Partido Comunista Brasileiro, sob o comando de Luiz Carlos Prestes, em 1961, e Partido Popular Socialista (PPS), em 1992, sob liderança de Roberto Freire, que promoveu nova metamorfose partidária ao mudar o nome da legenda para Cidadania. Agora, Freire quer conduzir seu partido, hoje federado com o PSDB, para uma federação ainda mais ampla, com o Podemos e, talvez, o MDB. Como nas mudanças anteriores, a proposta enfrenta resistências, mas, dessa vez, da maioria da Executiva e do Diretório Nacional.
Às vésperas do aniversário da legenda, Freire convocou uma reunião dos presidentes regionais do Cidadania, ad referendum das instâncias dirigentes, para debater a proposta. "Aproveito para avisar aos companheiros e companheiras que acabei de convidar os presidentes dos nossos diretórios estaduais para conversarmos sobre as perspectivas políticas de uma possível Federação PSDB/Cidadania com o Podemos e o MDB. Não haverá encaminhamento nem decisão alguma. Esse comunicado seria desnecessário, mas é imprescindível, infelizmente, neste momento por nós vivido, para evitar ruídos e mal-entendidos", justificou.
A proposta de ampliação da federações com o Podemos havia sido rechaçada pela maioria da Executiva do Cidadania, mas seu diretório nacional não chegou a se manifestar sobre o assunto, em reunião convocada para definir a posição do partido em relação ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Por 65 votos a 35, a legenda decidiu apoiar o governo sem impor condições, uma derrota que Freire assimilou parcialmente, ao comunicar a decisão oficialmente ao próprio presidente da República. A bancada federal, porém, em nota divulgada na mesma ocasião, declarou independência em relação ao governo.
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Com cinco deputados — Alex Manente (SP), Arnaldo Jardim (SP), Carmem Zanoto (SC), Any Ortiz (RS) e Amom Mandel (AM) —, o Cidadania sobreviveu à cláusula de barreira, em 2022, por causa da federação com o PSDB, aprovada em congresso por apenas um voto de diferença. Mas essa escolha também foi traumática. As alternativas eram uma chapa própria, encabeçadas pelo senador Alessandro Vieira, que deixou o partido, ou uma federação com o PDT, que havia lançado Ciro Gomes. Em consequência da decisão, o governador da Paraíba, João Azevedo, candidato à reeleição, e a senadora Leila Barros, que era candidata ao governo do Distrito Federal, também deixaram a legenda.
A federação com o PSDB foi uma faca de dois gumes. A deputada Paula Belmonte (DF), que pretendia concorrer ao Senado, ficou sem legenda e se viu obrigada a disputar uma vaga na Câmara Distrital. O ex-governador Cristovam Buarque desistiu de disputar uma cadeira na Câmara pelo mesmo motivo. Os deputados Rubens Bueno (PR) e Daniel Coelho (PE), vice-presidentes da legenda, não se reelegeram. O deputado Marcos Marrafon (que era suplente, foi diplomado, mas não conseguiu tomar posse) também. O ex-deputado Arnaldo Jordy (PA) não conseguiu voltar à Câmara. Bem-sucedido no empenho de Freire para viabilizar a candidatura de Simone Tebet (MDB) à Presidência, o partido acabou ensanduichado pela polarização entre o ex-presidente Jair Bolsonaro e o presidente Lula, na aba do chapéu do PSDB, que resolveu não ter candidato próprio.
Na verdade, a mudança do nome da legenda de PPS para Cidadania foi feita sob medida para a candidatura do apresentador de televisão Luciano Huck, acalentada por Freire como uma alternativa nova para o país, capaz de incorporar à legenda os movimentos cívicos que surgiram durante o governo Dilma Rousseff e ganharam força na campanha do impeachment. A ideia era constituir uma nova formação política, organizada em rede, que unisse ex-comunistas, socialistas, social-democratas, liberais progressistas e democratas radicais. Huck renovou seu contrato com a TV Globo, a militância dos movimentos cívicos foi abduzida pelo bolsonarismo e a maioria dos seus quadros, que permaneceram no Cidadania nas eleições municipais de 2020, não teve bom desempenho eleitoral. O projeto original do Cidadania de se tornar um partido social-liberal robusto não avançou.
Há 31 anos na presidência do Cidadania, aos 80 anos de idade, Roberto Freire é o mais longevo líder partidário do país, mas ainda não ultrapassou a marca do legendário dirigente comunista Luiz Carlos Prestes, que comandou o PCB de 1945 a 1980. Eleito para o Comitê Central em 1982, no 7º Congresso, lidera uma geração de dirigentes que hoje discorda da opção transformista que vem dando à legenda. O caminho proposto por Freire é a formação de uma grande federação de centro, liderada pelo velho MDB, mas o espaço para isso está congestionado pela existência do União Brasil e do PSD. A maioria dos dirigentes do Cidadania prefere apoiar o governo Lula, administrar os conflitos com o PSDB nas eleições municipais e, somente depois, decidir o caminho a seguir.
Mudanças anteriores no antigo PCB já provocaram rachas históricos, dos quais surgiram os atuais Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1962, encabeçado por João Amazonas, e o novo Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Ivan Pinheiro, que conseguiu seu registro em 1996. Em 1967, uma das alas que optara pela luta armada, liderada por Apolônio de Carvalho e Mario Salves, criou o PCBR (R de revolucionário), mas a organização foi dizimada pelo regime militar.
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Legado e personagens do velho PCB
O emblemático PCB não surgiu de uma corrente socialista ou social-democrata, mas de um grupo de sindicalistas e intelectuais anarquistas que se encantou com o marxismo. Por isso, o partido demorou a ser aceito pela III Internacional Socialista. Por causa dessa singularidade, sofreu também sucessivas intervenções do Cominter — órgão controlado pelo ditador soviético Joseph Stálin, que substituiu a III Internacional — que resultaram no afastamento de alguns dirigentes históricos, entre os quais o próprio Astrojildo Pereira, Heitor Ferreira Lima e Fernando de Lacerda. Essa tensão entre os soviéticos e o PCB foi permanente, mas não impediu seu alinhamento automático quando houve a invasão na antiga Tchecoslováquia, em 1968, nem permitiu que a corrente eurocomunista liderada por Armênio Guedes, Carlos Nelson Coutinho e Luiz Werneck Viana se mantivesse na legenda, na década de 1980.
Em 1982, o poeta Ferreira Gullar resumiu num poema o lugar histórico do antigo Partidão: “Eles eram apenas nove: o jornalista/ Astrojildo, o contador Cordeiro,/o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro/Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa/ o ferroviário Hermogênio/ e ainda o barbeiro Nequete/ que citava Lênin a três por dois/ Em todo o país,/ eles não eram mais de setenta/ Sabiam pouco de marxismo/ mas tinham sede de justiça/ e estavam dispostos a lutar por ela...” Segundo Gullar, “o PCB não se tornou o maior partido do Ocidente/ nem mesmo do Brasil/ Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis/ tem que falar dele/ Ou estará mentindo”.
Desde os debates sobre agrarismo e industrialização, nas décadas de 1920 e 1930, protagonizados por Astrojildo Pereira, Otávio Brandão e Heitor Ferreira Lima, o desenvolvimento nacional esteve no centro das preocupações do PCB. O debate sobre a superação do atraso econômico por uma via democrática, porém, esbarrou nos dogmas comunistas e confrontou o sonho de uma revolução socialista. Por isso, ao longo dos anos, intelectuais, dirigentes e militantes renovadores deixaram o PCB.
Os erros de Luiz Carlos Prestes
Ex-capitão do Exército, à frente da coluna rebelde que levou seu nome, Luís Carlos Prestes percorreu o Brasil entre 1925 e 1927, combatendo as tropas dos governos Artur Bernardes e Washington Luís. Foram 25 mil quilômetros de marcha. Procurado por Astrojildo Pereira, o fundador do PCB, na Bolívia, onde a coluna havia se internado, para evitar a rendição, Prestes aderiu ao comunismo.
Em novembro 1935, Prestes liderou um levante militar sem chance de dar certo por falta de apoio popular e militar, que se tornaria o mito fundador da “ameaça comunista” no Brasil. Por causa da chamada “Intentona Comunista”, ficou preso por nove anos; sua esposa Olga Benário, uma judia alemã, foi deportada e executada em um campo de concentração nazista, no qual dera à luz a historiadora Anita Prestes, sua filha.
Nada disso impediu que Prestes apoiasse o governo Vargas para que o Brasil entrasse na II Guerra Mundial contra o nazifascismo. Libertado em 1945, foi eleito o senador mais votado do país. Seu mandato, porém, foi cassado, juntamente com o registro da legenda, em 1947, em razão da guerra fria. O PCB voltou à ilegalidade, da qual somente sairia em 1985.
Em 1964, Prestes e o PCB serviram de pretexto para o golpe militar. Uma declaração infeliz sobre a participação dos comunistas no governo João Goulart e o fato de estar articulando a reeleição de Jango foram explorados pelos generais que tomaram o poder. O PCB estava isolado politicamente, embora fosse hegemônico na esquerda brasileira, cuja atuação política viria a influenciar até hoje, a partir de uma ideia-força: a da revolução brasileira.
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