Fracassou a tentativa do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, de negociar um acordo com o Congresso para resolver a disputa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a instalação da Comissão Mista para apreciar as medidas provisórias baixadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem, Lira anunciou ao colégio de líderes da Câmara que não aceita o acordo e pretende manter as regras adotadas durante a pandemia.
O rito de apreciação das medidas provisórias havia sido alterado por causa da emergência sanitária, para acelerar a aprovação das propostas do governo. Lira não aceita restabelecer a existência da Comissão Mista, na qual deputados e senadores se alternam na presidência e na relatoria das medidas provisórias, porque isso aumenta seu poder em relação ao Palácio do Planalto e ao Congresso. A extinção da Comissão Mista, transforma o presidente do Senado numa espécie de rainha da Inglaterra.
Sem a Comissão Mista, o texto vai direto para o plenário da Câmara e, se aprovado, segue para o Senado. Assessores presidenciais avaliam que isso dá a Lira o poder de definir o relator e o ritmo de tramitação. Geralmente, as medidas provisórias somente chegam ao Senado às vésperas de caducarem, o que obriga os senadores a sancionar os jabutis introduzidos nas MPs pela Câmara.
A proposta de acordo negociada pelo governo, buscando a conciliação, era a aprovação de uma emenda constitucional que adotasse as mesmas regras de tramitação alternada nas duas Casas da legislação ordinária, mas Lira rejeitou a proposta. Junto ao governo, o presidente da Câmara argumenta que, aumentando o seu poder, as medidas provisórias tramitariam com mais celeridade e, com seu apoio, teriam garantia de aprovação.
A bancada do PT na Câmara, aliada de Lira, majoritariamente, também prefere a não instalação da Comissão Mista, porque o poder dos deputados aumenta de maneira geral, inclusive o dos deputados petistas junto aos ministros. Entretanto, ao contrário, a insatisfação dos senadores petistas também é grande, porque a manutenção do rito emergencial transforma o Senado em simples fórum homologatório. Senadores são eleitos em disputas majoritárias, não abrem mão de seu poder.
A ambição de Lira é usar as medidas provisórias para avançar sobre a fatia do Orçamento cuja execução é controlada pelo Executivo, restabelecendo o pleno poder sobre as emendas parlamentares do tempo do chamado orçamento secreto, cuja existência foi revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Câmara anunciou que manterá o rito atual até agosto, o que dá grande poder de barganha na negociação de cargos de segundo e terceiro escalão e nos conselhos e diretorias das estatais.
Como os senadores não concordam com Lira, há risco de judicialização. Ontem à noite, os líderes da base do governo no Senado acorreram à residência oficial do presidente do Senado para uma conversa com Rodrigo Pacheco. A maioria defende que a Comissão Mista seja instalada com base em antiga decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, que estabeleceu o rito das medidas provisórias, que é igual ao de outras comissões mistas, como a de Orçamento da União.
Quanto às medidas provisórias que já decretou, o presidente Lula está com a corda no pescoço, porque os prazos de sua apreciação, desde 1º de janeiro, já estão correndo. Embora entrem em vigor com uma canetada do presidente da República, as medidas provisórias precisam ser aprovadas em até 120 dias, para não perder a validade.
Por essa razão, a orientação dada pelo presidente Lula ao ministro Padilha foi buscar o acordo em torno da PEC. Na Câmara, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), e o líder do PT, Zeca Dirceu, defendem o entendimento com Lira ou manutenção do rito atual. No Senado, porém, o estresse é grande, porque existe uma oposição bolsonarista ao governo muito forte, que pode se fortalecer ainda mais com a perda de poder de Pacheco.
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Dois estilos
O presidente do Senado tem um estilo de atuação completamente diferente de Lira. Não é homem de confronto, prefere sempre uma solução negociada. Além disso, é muito fleumático e prudente, não entra na pilha de seus pares. Ao contrário, Lira é audacioso e não foge dos confrontos, desde que isso sirva para fortalecer seu poder e a liderança entre os deputados da miríades de partidos, do PL ao PT, que apoiaram a sua reeleição.
Como quem manda um recado para o presidente Lula, de que não aceita nenhuma solução que altere o status da Câmara na tramitação das medidas provisórias, Lira anunciou que não pretende mais participar da comitiva presidencial que viajará para a China nesta semana.
Lula convidou os presidentes das duas Casas e todos os líderes de bancada que negociam apoio ao governo, numa comitiva que inclui ainda representantes das frentes parlamentares interessadas nas relações com a China. Os bolsonaristas da base de Lira aproveitaram a deixa para se revezarem na tribuna e atacar a delegação oficial que Lula montou.
Também há fricção entre o presidente da Câmara e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na negociação da chamada âncora fiscal, cujos termos exatos ainda estão sendo definidos. A tendência de Lira é se alinhar com o mercado financeiro e não com o governo, forçando uma solução que limite os gastos do governo com as políticas públicas universalistas, principalmente na educação e na saúde.
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